Brasil terá “eleição dos advogados” este ano, prevê ex-ministro do TSE

Fernando Neves, ex-ministro do TSE e atual presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, acredita que por causa das novidades implementadas pela minirreforma eleitoral, o processo eleitoral de 2006 pode acabar

O Tribunal Superior Eleitoral promete sanar as dúvidas acerca das regras vigentes nas eleições de outubro até a próxima semana. Mas, com as definições tendo que ser tomadas em tão pouco tempo, já que a chamada minirreforma eleitoral, a lei 11.300, foi sancionada em maio, esta será a "eleição dos advogados", prevê o ex-ministro do TSE e atual presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Fernando Neves.

"As dúvidas que ainda persistem, certamente, ainda que esclarecidas agora, vão se desdobrar em processos judiciais. A novidade das alterações neste momento faz surgir dúvidas, e das dúvidas decorrem processos, para os quais os advogados serão chamados a colaborar. A carga de trabalho vai aumentar", afirma Neves, que, no TSE, foi responsável pelas instruções das eleições de 2002 e 2004.

O jurista deu palestra hoje pela manhã no Senado a respeito das novas regras em vigor este ano. Apesar das indefinições, ele diz não acreditar em maiores complicações. "A eleição não vai ser confusa, vai ser tranqüila. Esse frisson que as decisões eleitorais causam é extremamente razoável, na medida em que elas mexem com paixões e têm grande influência na estratégia das campanhas eleitorais", diz ele. "O povo brasileiro está maduro para as eleições, eu não vejo nenhum risco."

Para Neves, a responsabilidade pela demora nas definições sobre as regras está relacionada ao fato de a lei 11.300 entrar em vigor com pouca antecedência em relação às eleições deste ano. "Só a partir da lei é que as hipóteses começam a ser imaginadas, as pessoas começam a pensar no que pode acontecer, e os casos são apresentados à Justiça Eleitoral", explica. "A maioria dos ministros entendeu que não haveria problema. Agora, então, temos é que dar conseqüência a essa decisão do tribunal."

Mesmo considerando que a tranqüilidade no processo eleitoral está garantida, Neves admite que estão sendo prejudicados com a demora os principais atores do processo eleitoral, partidos e candidatos. "Prejudica as campanhas e, com isso, o processo democrático como um todo, porque cria uma certa instabilidade", diz ele.

O jurista diz não crer que as eleições estejam ameaçadas pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) movidas contra a lei 11.300 no Supremo Tribunal Federal. "Não vi até o momento nenhuma inclusão em pauta. Pode ser que seja incluído em agosto", diz. "De qualquer forma, se houver alguma decisão, o TSE terá que se adaptar às decisões que vêm do STF."

"Até santinho pode ser proibido", ironiza Neves

Para Neves, as indefinições das regras vigentes nas eleições do próximo mês de outubro são tantas que até a distribuição de "santinhos" (em cidades do interior, ainda é comum o uso desses papéis com imagens de santos, não de políticos) por parte dos candidatos pode estar ameaçada. "Se for um santo milagreiro, e alguma graça for pedida e realizada, conferindo ‘vantagem’ ao eleitor, o candidato poderia ser cassado", brinca o jurista. A referência é a artigo da nova lei eleitoral que proíbe ao candidato doar qualquer objeto que conceda "vantagem ao eleitor".

A definição do que sejam "eventos assemelhados" a showmícios é considerada por Neves uma das mais urgentes. Questionado sobre a possibilidade de se realizar a apresentação de um vídeo em telão antes da fala de um político, ele respondeu: "Como eleitor, cidadão, eu acho isso bom. Como advogado, eu recomendo ao meu cliente que não faça. Como palestrante, eu digo que é preciso aguardar a decisão do TSE".

Em alguns casos, Neves considera que o texto legal poderia ter sido mais bem redigido. "Do jeito que a lei está, veta o showmício de R$ 20 milhões, como também veta a participação de um repentista que cobra R$ 300 para declamar alguns versos numa cidade no interior do Nordeste", diz ele. A conseqüência, completa, é que o objetivo declarado da lei, reduzir o custo médio das campanhas, fica em segundo plano: "O pequeno artista está sendo prejudicado e isso não tem nenhum reflexo na redução do custo das campanhas.
O Congresso poderia ter regulado melhor isso para impedir os abusos, mas não para impedir o uso".

A questão da produção e do uso de camisetas de candidatos ou partidos é outro exemplo de indefinição, segundo Neves. A depender da interpretação da lei, as camisetas podem ser proibidas até mesmo aos funcionários de um comitê de campanha. "Você não pode querer que o comitê eleitoral não esteja caracterizado a favor daquele candidato que ali tem a sua sede", pondera ele.

Outra regra estabelecida pela nova lei diz respeito à proibição do uso de outdoors. Acontece que, agora, , segundo explica Neves, cabe aos ministros do TSE definir o que é um outdoor. Em eleições anteriores, já se considerou a definição pela área da propaganda (superior a 20m², segundo regra de 2000). A definição em vigor é a de que qualquer espaço de propaganda comercializado é outdoor. Mas, falta, por exemplo, saber o que se faz no caso de espaços particulares, cedidos por simpatizantes (muros, placas ou faixas).

O jurista espera que o TSE tome as decisões sobre as novas regras baseando-se nos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade – ou seja, garantindo que não serão previstas punições graves para delitos absurdos, como na brincadeira do santinho.

Apesar disso, de um modo geral, segundo o jurista, o maior prejudicado com o que considera falhas da nova lei é o eleitor: "O eleitor vai ter uma dificuldade em conhecer a proposta de candidatos que não tenham um passado político conhecido".

Há, porém, pontos a serem elogiados na lei 11.300, diz Neves, como as inovações que dão maior rigor ao controle da arrecadação e dos gastos de campanha – a exigência de uma conta única para os candidatos, por exemplo: "Tudo que permitir uma maior transparência nas campanhas, um maior controle dos recursos que circulam pelas campanhas, traz um aperfeiçoamento do processo eleitoral".

Fonte: Agência Brasil