A candidatura do ex-governador paulista Geraldo Alckmin, postulante à Presidência da República, deu sinais de vida. Depois de um período em que sustentou solitariamente uma candidatura desacreditada, principalmente entre os próprios aliados, ele saltou de 23% para 32% das intenções de voto, conforme os números da mais recente pesquisa Vox Populi, realizada entre os dias 23 e 24 de junho, encomendada pela NTC, Associação Nacional dos Transportes de Cargas e Logística.
Um resultado expressivo de 9 pontos porcentuais, obtido ao longo do mês de junho quando foi impulsionado, principalmente, pela presença maciça na televisão, durante os comerciais e os programas oficiais do PSDB. Nesse mesmo período foi realizada, também, a convenção que oficializou a aliança PSDB e PFL representada pela chapa Alckmin-José Jorge.
Principal adversário da reeleição do presidente Lula, que manteve como parceiro, na Vice-Presidência, o empresário mineiro José Alencar, o candidato tucano cresceu e apareceu. Mesmo assim, se a eleição fosse hoje, o petista ainda ganharia no primeiro turno, apesar da queda de quatro pontos porcentuais registrada pela pesquisa. Lula caiu de 49% para 45%.
Esse porcentual ainda é maior do que a soma do resultado total dos oponentes. Além de Alckmin, estão no páreo a senadora Heloísa Helena, candidata do PSOL, que tinha 6% e ficou com 5%; e Cristovam Buarque (PDT) que manteve 1%. Concorrem, ainda, José Maria Eymael (PSDC) e Luciano Bivar (PSL) que, nessa rodada, não atingiram 1% das intenções de voto. Por isso, hoje, a eleição seria resolvida num turno só.
Alckmin, certamente, conquistou uma parte dos eleitores que começaram a definir o voto agora. Mas esse porcentual de 32% das intenções de voto está inflado por um eleitor volúvel, flutuante, que tem por hábito fazer um passeio pelas candidaturas, mobilizado pelos programas eleitorais partidários na televisão. Marcos Coimbra, do Vox Populi, acredita que isso ocorreu bastante em 2002, num quadro com mais candidatos viáveis e sem um postulante à reeleição (texto na edição impressa).
“Essa flutuação ainda não tinha ocorrido em 2006 porque, desta vez, só há duas candidaturas viáveis. A senadora Heloísa Helena não tem mídia. É uma candidata que atravessou esse semestre de campanha restrita ao espaço do jornalismo”, analisa Coimbra.
O resultado da pesquisa a partir da intenção de voto espontânea mostra uma situação ainda mais confortável para Lula. O candidato petista tem 35% das intenções de voto contra 17% do seu principal adversário. Em relação à pesquisa de maio, Lula manteve o mesmo porcentual enquanto Alckmin cresceu 5 pontos. Nessa consulta, não é apresentada a lista de candidatos. Como o eleitor cita o nome de preferência, o resultado é considerado como mais consolidado.
“Na pesquisa espontânea é possível perceber que o voto ideológico está definido. A soma das opções nos candidatos, mais brancos e nulos, mostra que mais de 60% dos eleitores já estão decididos e, em situação normal, não mudarão o voto”, acredita Coimbra.
Se grande parte do voto ideológico está definida, o mesmo ocorre com o voto dos pobres. O porcentual de adesão da população de baixa renda à candidatura de Lula é uma manifestação inédita na história eleitoral do País. No universo dos eleitores com renda familiar de até um salário mínimo Lula massacra o adversário. Tem 61% das intenções de voto, contra 16% de Alckmin. Na faixa de um a cinco salários mínimos, Lula tem 45% e Alckmin conta com 33%. A situação muda no topo da pirâmide social. Na difusa categoria dos que ganham acima de dez salários mínimos (genericamente classificada de “os mais ricos”) Alckmin tem 40% contra 34% de Lula.
Há uma continuidade dessa tendência no cruzamento dos votos que levam em conta a taxa de escolaridade. No eleitor de baixa escolaridade (que declara instrução até a 4ª série do ensino fundamental) a opção majoritária é por Lula com 54% das intenções de voto. Alckmin alcança a preferência de 23% dos eleitores. No lado oposto, onde ficam os eleitores com ensino superior é o candidato tucano que está na frente. Ele tem 42% das intenções de voto, contra 34% de Lula.
O cenário, seja pelos números de Lula, seja pelos de Alckmin, não cria a situação maniqueísta de uma eleição do tostão contra o milhão (como apregoava, demagogicamente, Jânio Quadros, durante sua meteórica ascensão política nos anos 50) ou de pobres contra ricos. Os dois candidatos têm votos dispersos em todas as faixas sociais. Mas, sem dúvida, a consolidação, jamais vista, dos votos em Lula nas camadas mais pobres mostra uma clara clivagem de renda no processo eleitoral. Por extensão, um viés de embate entre classes sociais.
Esse cenário tem açulado o preconceito social embutido no País que, oficialmente, cultiva a política de conciliação e o mito da história sem sangue. Nessa cartilha, os pobres votam em Lula porque seriam ignorantes e desinformados. No entanto, não vêem a grande votação de Lula enraizada, tradicionalmente, na classe média e, eventualmente, na elite escolarizada. “A decisão do eleitor pobre não difere do eleitor rico. Qualquer um vota, sempre, por interesse”, afirma Coimbra.
Nesse caso, por que o voto em Lula? “O pobre está votando em Lula porque está convencido de que ele fez um bom governo, e pode fazer um segundo governo, no qual a vida dele será melhor. Nas pesquisas qualitativas feitas em todos os lugares do País eu percebo que os pobres manifestam intenção de voto no governo não apenas porque há um programa social chamado Bolsa-Família. Isso é uma parte, um símbolo da maneira de fazer o governo andar. Além disso eles vêem o preço dos produtos de primeira necessidade estáveis ou em queda e o material de construção mais barato.
Aumentou o acesso a eletrodomésticos modernos, mais uso de celulares, e eles já viajam de avião. Tem cada vez mais gente pobre usufruindo disso”, explica Coimbra.
Sob esse aspecto, a luta de Lula pela reeleição se aproxima da segunda eleição de Franklin Roosevelt, em 1936, nos Estados Unidos. Ambos se sustentaram em programas sociais. O primeiro governo Lula, no entanto, muito mais moderado do que a primeira administração Roosevelt. O presidente norte-americano obteve a vitória “mais arrasadora desde os primeiros dias da República, conquistada a despeito de esmagadora hostilidade da imprensa”, segundo Roy Jenkins, no livro Roosevelt, recentemente publicado no Brasil. Uma edição, por sinal, prefaciada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que contorna essa questão. Roosevelt criou imposto adicional para os altos rendimentos, aumentou impostos sobre propriedade e doações e elevou a taxação dos lucros das empresas, distribuídos ou não. Na classificação de Jenkins aquela foi a primeira eleição “rigidamente de classes na história americana”.
“Foi a vitória obtida contra o desejo dos que se julgavam os donos naturais da opinião pública americana”, diz Jenkins, que anotou, ainda, “pelo menos 80% da antiga classe alta, a mesma à qual pertencia Roosevelt, votou firmemente contra ele.
Lá, o paladino dos sans-culottes foi um membro da elite americana. Aqui, por ironia da história, é um ex-operário metalúrgico que, por sinal, se tentasse fazer um governo igual, fatalmente não escaparia de um impeachment. E não seria surpresa se, nesse caso, entre os primeiros signatários figurassem nomes conhecidos que, recentemente, Lula identificou como “vozes do atraso”.
Fonte: Carta Capital