Parlamento Europeu confirma práticas criminosas da CIA

O Parlamento Europeu aprovou, dia 6 de julho, as conclusões da investigação sobre as atividades ilegais da CIA em vários países da Europa, considerando inverossímil que os respectivos governos não soubessem de nada.

O relatório intercalar da comissão temporária do Parlamento Europeu imputa aos serviços secretos americanos (CIA) a responsabilidade direta pelo “seqüestro, afastamento, rapto e detenção ilegais de suspeitos de terrorismo” em estados-membros e países da adesão e candidatos.


Por outro lado, o documento, aprovado por 389 votos a favor, 137 contra e 55 abstenções, considera “improvável” que alguns governos europeus não tenham tido conhecimento das atividades relacionadas com “entregas extraordinárias” realizadas no seu território, notando que é “absolutamente inacreditável” que se tenham podido realizar muitas centenas de voos sem o conhecimento das autoridades nacionais.


Sublinhando que estas ações violam o direito internacional e “constituem graves violações dos direitos humanos fundamentais”, os deputados lembram que os Estados-Membros estão obrigados a tomar medidas legislativas para evitar a ocorrência de tais práticas no seu território, bem como efectuar inquéritos sobre as presumíveis violações e punir os responsáveis sempre que as mesmas sejam constatadas.


Neste sentido, avisam que “os Estados podem ser responsabilizados por não respeitarem as obrigações positivas decorrentes da CEDH” (Convenção Européia dos Direitos Humanos), já que nada fizeram para verificar e impedir que o seu território e o seu espaço aéreo fossem utilizados para a prática de violações dos direitos humanos, “por eles próprios ou por países terceiros, com a sua cooperação direta ou indireta”.


Casos suspeitos


Em seis meses de investigações, a comissão parlamentar recolheu testemunhos de mais de 70 pessoas, principalmente de Khaled el Masri, cidadão alemão detido vários meses no Afeganistão, de responsáveis governamentais e de serviços secretos, de advogados, jornalistas e representantes de ONG’s.


Do acervo de provas reunidas, os deputados referem, por exemplo, o “rapto, por agentes da CIA, em Milão, em 17 de fevereiro de 2003, do cidadão egípcio Abu Omar, que, posteriormente, foi levado para Aviano e mais tarde para Ramstein”. A realização de tal operação sem informação prévia das autoridades italianas “não é crível”, sublinha o relatório.


Fortes suspeitas de colaboração recaem igualmente sobre o governo sueco que, em 18 de dezembro de 2001, depois de ter decretado a expulsão de dois cidadãos egípcios, Mohammed al Zary e Ahmed Agiza, delegou a aplicação da decisão em agentes americanos, que foram autorizados a exercer a autoridade pública no aeroporto de Bromma, em território sueco, violando grosseiramente as leis do país.


O relatório condena ainda o seqüestro pela CIA do cidadão alemão, Khaled el Masri, encarcerado, de janeiro a maio de 2004, no Afeganistão, onde “foi tratado de forma degradante e desumana”. Embora não tenham provas suficientes, os deputados mantêm as “suspeitas” de que El Masri esteve ilegalmente detido, entre 31 de dezembro de 2003 a 23 de janeiro de 2004, na antiga república iugoslava da Macedônia de onde foi transportado para o Afeganistão.


Aprofundar a investigação


Segundo o relator da comissão temporária, Cláudio Fava, o número de voos da CIA pelos céus europeus, que até agora era estimado em 1.080, poderá subir com a análise de novos dados relativos a mais 300 vôos, recentemente entregues pela agência européia Eurocontrol.


Até ao final do ano, altura em que terminam os 12 meses do mandato regulamentar da comissão, os deputados pretendem aprofundar e alargar a investigação, com vista a comprovar a colaboração de governos nos vôos da CIA e existência de centros de detenção da CIA em países europeus, tal como concluiu o parlamentar suíço, Dick Marty, responsável por um relatório similar do Conselho da Europa, aprovado em 27 de Junho.


Recorde-se que este último documento acusou 14 países europeus, incluindo Portugal, de envolvimento nos vôos secretos da CIA e, nos casos da Polônia e Romênia, de terem abrigado centros de detenção clandestinos para suspeitos de terrorismo.


Por seu turno, o Parlamento Europeu manifestou a intenção de convidar o secretário-geral da Otan (O Pacto Militar do Atlântico Norte) para uma audição da comissão temporária, onde, entre outras questões, será instado a esclarecer o possível envolvimento de forças da SFOR e da KFOR na prisão, entrega e detenção ilegais de suspeitos de terrorismo.


Para o deputado do partido comunista Português (PCP), Pedro Guerreiro, que salientou como positivos vários aspectos do relatório do PE, a investigação em curso poderá “contribuir para desmistificar o real significado das denominadas “guerra preventiva” e “luta contra o terrorismo”, com que os EUA e seus aliados procuram dar cobertura à sua agressão aos povos e à soberania dos estados, violando o direito internacional e os direitos humanos”.


Na sua declaração de voto, Pedro Guerreiro apelou ao “apuramento de toda a verdade e responsabilidades”, exigindo em particular “o esclarecimento do conteúdo dos acordos realizados na Otan e entre a UE e os EUA neste âmbito” e a realização de inquéritos próprios em cada parlamento nacional.