Governo favorece exportadores; críticos apontam fragilização

Por André Barrocal, na Agência Carta Maior*

Depois de meses de pressão do empresariado, o governo anunciou, nesta quarta-feira (26), medidas de favorecimento de exportadores que têm potencial para enfraquecer o Brasil diante de e

Até agora, os exportadores tinham sete meses para trazer dólares ao Brasil, regra conhecida como cobertura cambial. A exigência garantia que o País teria onde arrumar dólares para liquidar compromissos em moeda americana, como pagamento de dívida externa e remessa de lucros por multinacionais.

A autorização para parte dos recursos de exportações ficar no exterior tenta encarecer o dólar, ao reduzir a oferta da moeda no Brasil. Com o dólar mais caro, os exportadores ganham mais quando convertem as vendas para reais. Eles vinham se queixando de que queda do câmbio neste ano estava atrapalhando vendas e lucros.

Com a mesma finalidade de elevar a cotação do câmbio, o governo incluiu no pacote uma medida destinada a aumentar as remessas de lucros das multinacionais. Todo o estoque de capital estrangeiro produtivo aplicado no Brasil poderá ser remetido. O capital especulativo já tinha esse direito, mas ao produtivo era imposta uma cota que precisava ficar no País.

Especulação e fragilidade
O depósito de parte das exportações no exterior desidratará uma preciosa fonte de dólares para o Brasil pagar dívidas (públicas e privadas) em moeda americana – a outra fonte são os especuladores. Para alguns especialistas, ao relaxar a cobertura cambial, o governo fragiliza a política de redução da vulnerabilidade externa – esforço empreendido para diminuir a dependência de capital dos especuladores e o potencial destrutivo deles.

“A medida é liberalizante e traz um custo embutido. Enquanto o mercado estiver tranqüilo, tudo bem. Mas, se tivermos uma parada brusca na entrada de capitais ou uma fuga, não contamos mais com essa oferta”, disse a economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maryse Fahri, autora de estudo recente sobre fluxo de dólares e política de juros no governo Lula. “Aumentou o potencial desestabilizador de um fluxo de capitais.”

Para o economista Roberto Piscitelli, da Universidade de Brasília (UnB), o governo está reforçando o poder destrutivo da especulação, pois empurra o setor produtivo para este tipo de atividade. Segundo ele, o exportador que tiver aplicação financeira no Brasil atrelada ao dólar, poderá trazer ou não os recursos para o País a fim de forçar uma cotação cambial que lhe interesse do ponto de vista desta aplicação. “Essa medida tende a tornar o dólar comercial em dólar financeiro. Pode se transformar em instrumento de especulação”, disse.

A equipe econômica defendeu-se de que estaria agindo na contramão da política de redução da vulnerabilidade. Usa como argumento principal a possibilidade de Conselho Monetário Nacional (CMN) voltar a exigir que as empresas tragam toda receita de exportações.

“Não vejo como essas medidas possam atrapalhar a vulnerabilidade. Elas não seriam tomadas se a vulnerabilidade não tivesse sido reduzida. Aí sim, seria temerário”, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. “Não há perda de controle. A qualquer momento, o CMN se reúne e pode retomar a cobertura. Os instrumentos de controle estão perfeitamente mantidos.”

A possibilidade de retomada da cobertura cambial, , segundo a economista da Unicamp, não afasta o risco de maior vulnerabilidade. Por duas razões. Primeira: o governo deu um passo liberalizante do fluxo de capitais; se recuar, o “mercado” vai reagir mal. Segunda: com uma eventual revogação, o governo estaria confessando ao “mercado” que o País vive momento frágil; e aí o capital fugiria mesmo do Brasil ou deixaria de entrar.

Teste inicial e CPMF
A fatia das exportações que poderá ficar no exterior será fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central (BC). De início, o CMN vai liberar 30% das vendas. Isso deverá ser feito na reunião no fim de agosto.

Se todos os exportadores usarem a cota de 30%, deixariam de entrar no país US$ 40 bilhões anuais. O valor foi calculado com base na meta do ministério do Desenvolvimento de US$ 132 bilhões em exportações neste ano. O Ministério da Fazenda estima, no entanto, que só a metade das empresas vai exercer o direito. Neste caso, haveria US$ 20 bilhões a menos na praça.

A cota de 30% poderá ser revista pelo CMN em função dos resultados cambiais, mas também fiscais. A permissão para os exportadores deixarem seus dólares no exterior significa também um incentivo fiscal para as empresas. Como o dinheiro não vai entrar no país e ficará no exterior para pagar compromissos do exportador, escapará da CPMF que seria cobrada caso o pagamento a partir do Brasil.

Se todos os exportadores deixarem 30% no exterior, a renúncia fiscal será de R$ 400 milhões. Mas, como Mantega acredita que só metade deles vai recorrer à autorização, a desoneração está sendo calculada em R$ 200 milhões. Segundo ele, o percentual de 30% foi definido por “prudência”. “Mais do que isso, a desoneração já começa a preocupar. Não vamos abrir mão de R$ 1 bilhão”, declarou.

A desoneração causou uma disputa no governo entre a Receita Federal, contrária à isenção, e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) que, por ser mais ligado ao empresariado, defendia a desoneração. Durante a negociação da medida, Mantega esteve alinhado com o Fisco, mas acabou cedendo à pressão empresarial. “Sem a desoneração, a medida não teria eficácia. Descobrimos que era item mais importante para os exportadores. Cheguei à conclusão que era importante desonerar”, declarou o ministro.

A decisão de liberar os exportadores da CPMF indica mais uma tentativa de Mantega de se manter próximo do setor produtivo. Mas pode ser encarada também como outro exemplo de como o Estado reage mais favoravelmente à pressão do poder econômico. “As desonerações sempre privilegiam quem tem influência no poder. Porque o assalariado paga CPMF. Para desenvolver a atividade econômica pode desonerar, para aumentar o salário, não”, disse Piscitelli, da UnB. No início do ano, o governo já isentado de imposto de renda estrangeiro comprador de título público no Brasil e zerado a CPMF para todo tipo de aplicação na bolsa.

Inflação e juros



Além de fragilizar o Brasil do ponto de vista do pagamento de suas contas em dólares, o fim da cobertura cambial tem ainda um outro impacto potencial: a inflação. A variação do dólar tem peso grande nos preços da economia brasileira. As tarifas públicas, por exemplo, são corrigidas por índice de inflação que mais reflete a oscilação do dólar.

O ministro da Fazenda negou, contudo, que a eventual elevação do dólar vá influenciar a inflação e, portanto, as decisões do BC sobre a taxa básica de juros (Selic). “Houve desvalorização nos últimos meses e o impacto na inflação foi nulo. Não estamos preocupados com isso. O BC é co-autor dessas medidas. Não se nota preocupação do BC com impacto nos juros. A política monetária obedece uma outra lógica”, declarou.

Uma pressão inflacionária resultante do aumento do dólar pode não ser motivo para um recuo conservador do BC, como acha o ministro da Fazenda, mas a taxa de juros pode continuar elevada por outra razão ligada à mudança na cobertura cambial: a necessidade de o país atrair dólares de especuladores para fechar as contas. “Essa medida pode ser uma espécie de freio à taxa de juros. Para fechar as contas externas sem os dólares das exportações, o BC não poderá continuar baixando os juros. Vai manter uma taxa relativamente elevada”, disse Piscitelli.

Vigência



A mudança nas regras da cobertura cambial será feita por meio de uma medida provisória (MP). Segundo o Ministério da Fazenda, a MP deverá ser editada na próxima segunda-feira (31). A vigência efetiva das novas regras dependerá de uma reunião do Conselho Monetário Nacional. É o CMN que definirá, oficialmente, o percentual de 30% das exportações que podem ficar no exterior. Só na última semana de agosto, o CMN deverá se reunir para tratar to assunto.