Barbárie israelense: Massacre de 60 civis em Cana; 37 eram crianças

“O massacre continua no Líbano. Pelo menos 60 pessoas morreram nos bombardeios de Israel contra o vilarejo de Cana, sul do país, na madrugada deste domingo. Dentre as vítimas, 37 eram crianças, segundo fontes da polícia libanesa e das equipes de resgat

Um prédio de três andares que servia de abrigo a famílias que haviam fugido de outras cidades do sul do Líbano bombardeadas nos últimos dias pelo Exército israelense, acabou desabando. De acordo com um sobrevivente, 63 pessoas estavam no edifício no momento do ataque. A correspondente da agência France Press relatou: “As mulheres abraçaram os filhos para protegê-los da morte, mas este último e inútil escudo não foi suficiente no abrigo de Cana. Os corpos de mães, vestidas com calças compridas estampadas de flores, estavam deitados no chão, com os olhos aterrorizados; morreram apertando os filhos nos braços”.


 


Ao comentar o massacre em Cana, o secretário de Estado dos EUA, Nicholas Burns, disse que a morte de mais de 50 civis no ataque aéreo israelense é “trágica”, mas não constitui um crime de guerra. Em entrevista à rede de televisão ABC, Burns comentou: “É um dia muito triste para o Líbano. É um dia trágico. Põe em evidência que todos devemos trabalhar muito, muito rápido, para conseguir um cessar-fogo duradouro e sustentável para que este tipo de incidente não se repita no futuro. Os Estados Unidos não acreditam que os episódios das últimas duas semanas e meia sejam crimes de guerra. Achamos que todos os países têm direito a se defender sob o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, mas também acreditamos que este tipo de conflito deva terminar”. Na manhã de domingo, a secretária de Estado, Condoleezza Rice, disse estar “profundamente triste com a terrível perda de vidas inocentes”. A visita que faria ao Líbano neste domingo foi cancelada.


 


A reação da comunidade internacional


 


Ao contrário do governo dos EUA, a esmagadora maioria da comunidade internacional condenou o massacre. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, convovou uma reunião de emergência do Conselho de Segurança, na manhã deste domingo, e condenou duramente o ataque e voltou a pedir um cessar-fogo na região. O representante das Relações Exteriores da União Européia, Javier Solana, disse em um comunicado oficial que nada pode justificar a morte de civis inocentes. Líderes da França, Espanha, Alemanha, Egito e Jordância, entre outros países, condenaram o bombardeio e defenderam um cessar fogo-imediato. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou uma carta ao primeiro-ministro libanês, Fouad Siniora, repudiando o ataque israelense e apoiando o apelo para que a ONU imponha um cessar-fogo imediato na região.


 


“Estou profundamente chocado, indignado e consternado” em relação aos ataques israelenses à região, que “vitimaram a população civil, incluindo dezenas de crianças, mulheres e idosos”, diz a mensagem presidencial. Lula disse ainda que instruiu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, no sentido que o governo brasileiro apóie as reivindicações do Líbano junto ao Conselho de Segurança da ONU. A nota acrescenta que o governo brasileiro reitera sua posição de condenar “os atos de violência indiscriminada e ao uso de força militar contra alvos civis por quem quer que seja”. O governo brasileiro continua as operações para retirar os brasileiros que estão no Líbano. O domingo foi marcado por outra má notícia. A principal estrada usada pelos brasileiros que deixam o Vale do Bekaa, no sul do Líbano, em direção a Damasco, na Síria, foi bombardeada pela manhã pelo exército israelense, segundo informou o coordenador do Grupo de Apoio aos Brasileiros no Líbano, Everton Vargas.


 


Em Beirute, uma multidão enfurecida atacou e depredou o escritório das Nações Unidas neste domingo. Preocupado com a progressiva perda de autoridade e legitimidade da organização, o secretário-geral da ONU fez um apelo ao Conselho de Segurança para que tome uma decisão no sentido de aprovar um cessar-fogo imediato na região. Kofi Annan advertiu para o risco que o Conselho de Segurança corre ao não tomar nenhuma atitude. Ele lembrou a depredação da sede da ONU em Beirute. “O povo notou sua falência em agir firmemente e rápido durante a crise”, disse o secretário-geral, que acrescentou: “Nós chegamos a um momento de extrema gravidade, primeiro e sobretudo com o povo do Oriente Médio mas também pela autoridade desta organização e especialmente deste conselho. Uma ação é necessária agora antes que mais crianças, mulheres e homens se transformem em vítimas do conflito”.


 


Protestos em Israel


 


As reações aconteceram também em Israel. Milhares de israelenses, a maioria deles pertencente à comunidade árabe que representa 20% da população do país, se manifestaram neste domingo em diferentes pontos da Galiléia para protestar contra a política do primeiro-ministro Ehud Olmert no Líbano e contra o massacre em Cana. A principal manifestação de protesto ocorreu na cidade de Um-El Fahem, na região da Baixa Galiléia, onde milhares de pessoas se solidarizaram com as vítimas de Cana e responsabilizaram o governo israelense pelos ataques. Segundo informe da agência EFE, algumas dos cartazes presentes na manifestação diziam: “Israel é um estado terrorista” e “Os povos de Gaza e Líbano não se renderão”. Em Nazaré, cerca de 200 pessoas promoveram um protesto similar que teve, entre outras coisas, um caixão coberto com um manto negro, em sinal de luto pelas vítimas de Cana.


 


Também foram registrados protestos em Tel Aviv, em frente à entrada do Ministério da Defesa, onde dezenas de pacifistas realizaram uma manifestação de protesto. A embaixada dos EUA em Beirute também foi palco de protesto. O mesmo ocorreu fora do Oriente Médio. Em Bruxelas e em Paris, ocorreram protestos contra o massacre e em apoio ao povo libanês. Na capital francesa, os manifestantes, reunidos em frente a torre Eiffel, pediram a imediata intervenção da comunidade internacional para um cessar-fogo imediato. Na capital belga, manifestantes com bandeiras libanesas e palestinas percorreram o centro da cidade protestando contra a morte de civis no Líbano. A escalada de protestos em várias partes do mundo durante o domingo levou o governo israelense a anunciar, no final do dia, uma suspensão por 48 horas dos bombardeios aéreos contra o Líbano. Foi necessária a morte de 37 crianças para que Tel Aviv mudasse de opinião.


 


No início da noite de domingo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, após um dia inteiro de debates, divulgou um comunicado onde expressa “o extremo choque e a angústia” dos 15 países que integram o conselho pelo ataque aéreo de Israel contra Cana. Os Estados Unidos vetaram uma condenação explícita a Israel, o que resultou num comunicado tímido e protocolar. O comunicado “lastima profundamente a perda de vidas inocentes em Cana”, mas não faz sequer um pedido de suspensão imediata da guerra, como queria o secretário-geral Kofi Annan. A Casa Branca limitou-se a pedir a Israel para que “tome mais cuidado” para evitar mortes de civis no Líbano. O domingo chegou ao fim com um misto de dor, indignação e revolta na região. No final do dia, grupos armados palestinos prometeram responder militarmente a Israel depois do bombardeio contra Cana. Os resultados da operação israelense no Líbano são incertos, mas tudo indica que um deles já desponta no horizonte: o crescimento da espiral de violência e mortes.