Brasil lembra os 50 anos da morte de Bertolt Brecht

Estréias de peças, seminários, workshops, debates, shows e palestras ilustram a importância e a contribuição do dramaturgo alemão para a história do teatro e para a história da luta contra a opressão.


 


Por Eduardo Carvalho

No próximo dia 14 de agosto, comemora-se o cinqüentenário  da morte de Bertolt Brecht. A partir desta quinta-feira, 9 de agosto, uma série de estréias de peças, shows de música de seus espetáculos, seminários, workshops e debates marcam a data em todo o Brasil.


 


Ugen Friedrich Bertolt Brecht nasceu em 10 de fevereiro de 1898 em Augsburgo, Baviera, Alemanha. Em 1913 começou sua produção literária, ainda na escola. Escrita em 1918 e encenada em 1923, Baal é considerada a primeira grande peça do dramaturgo e poeta na fase inicial de sua obra. A partir da peça Um homem é um homem (1926), Brecht começa a se interessar pelo estudo do marxismo e a aplicação no campo estético. No final dos anos 30, ele começa a teorizar sobre o teatro épico como de superação da forma dramática.


 


Com a ascensão de Adolf Hitler e a Segunda Guerra Mundial, Brecht partiu para o exílio em países da Europa e acabou por fixar-se nos Estados Unidos, onde foi perseguido pelo movimento anti-comunista conhecido como Macarthismo. Retornou à Alemanha em 1945 e trabalhou em seu teatro, o Berliner Ensemble, nos últimos oito anos de vida, até falecer em 14 de agosto de 1956. Sua obra teatral abrange 50 peças, dentre as quais se destacam Mãe Coragem, Galileu, Galilei, Santa Joana dos Matadouros e O círculo de giz caucasiano, que trata da questão da disputa pela terra e que estréia no dia 09, no CCBB-Rio, com a Companhia do Latão e fica em cartaz até 24 de setembro.


 


O Círculo de giz caucasiano ganha montagem no rio
''Obra-prima do teatro moderno'' é como o poeta e tradutor Manuel Bandeira define O círculo de giz caucasiano, ao traduzir este que é um dos mais consagrados textos do dramaturgo alemão. E é a versão de Bandeira que a Companhia do Latão, grupo brasileiro dedicado ao universo brechtiano, estréia a convite do próprio CCBB para homenagear o dramaturgo alemão que uniu arte e política deixando um legado fundamental para o teatro moderno, abordando questões pertinentes até os dias de hoje. A tradução de Bandeira para O círculo de giz caucasiano foi encenada pela última vez em 1963, pelo Teatro Nacional de Comédia (TNC).


 


O círculo de giz caucasiano foi escrito no final da Segunda Guerra Mundial, durante o exílio de Brecht nos EUA, e aborda a discussão sobre a disputa de terras. Um grupo de agricultores e outro de criadores de cabras disputam a posse de um vale fértil, cuidado e defendido dos nazistas durante a guerra pelos agricultores. A questão chega a bom termo, dando lugar à uma fábula, a história do círculo de giz caucasiano, passada na Geórgia, sobre a disputa de uma criança.


 


O espetáculo conta com a participação especial do grupo Filhos da Mãe Terra, formado por crianças e adolescentes do Movimento dos Sem Terra (MST), do assentamento Carlos Lamarca, localizado na região de Sarapuí, no interior de São Paulo. Eles estão no vídeo que é utilizado como prólogo da encenação. ''Essa montagem tem o objetivo de repensar o legado artístico de Bertolt Brecht em relação ao Brasil atual'', pontua o diretor do espetáculo Sérgio de Carvalho.


 


''Talvez o principal aspecto da forma épica criada por Brecht seja a historicização dos acontecimentos. Não se procura mostrar a vida como ela é, mas como não deveria ter se tornado. O público é quem realiza o sentido da cena ao pensar sobre os subterrâneos dos fatos observados, ao estabelecer o vínculo interrogativo entre uma história que se mostra incompleta e suas causas sociais e econômicas'', explica o diretor Sérgio de Carvalho.


 


''Escolhi esse texto por ser um clássico e por discutir a questão da terra. Acho o momento perfeito para essa encenação'', observa Sérgio de Carvalho. A montagem envolve uma super-produção: elenco de 11 atores que se dividem em 50 personagens ao longo de 2h40, com intervalo; a montagem é permeada por 21 canções especialmente compostas por Martin Eikmeier; dois músicos estarão em cena tocando cello, piano, instrumentos orientais e rabeca.


 


Universo musical das peças de Brecht com Cida Moreira
Baseado no disco Cida Moreira interpreta Brecht, Cida Moreira apresenta em São Paulo o show ''Aos Que Estão Por Vir – Um Concerto Cabaret'', dias 11 e 12 de agosto, no Tom Jazz. A magia dos cabarés concertos é a base para o show que inclui músicas de Bertolt Brecht. Entre elas, estão as canções Balada do Soldado Morto, Surubaya Johnny e Speak Low.


 


A maior cantora de Brecht do Brasil, Cida Moreira começou sua carreira no teatro. Em 1977 estreou na peça A Farsa da Noiva Bombardeada, de Alcides Nogueira e, no ano seguinte, foi convidada a fazer parte do grupo Ornitorrinco, então dirigido por Luiz Roberto Galizia, Cacá Rosset e Maria Alice Vergueiro. O espetáculo O Teatro do Ornitorrinco Canta Brecht e Weill foi início para sua carreira na música e abriu as portas para que Cida seguisse com seus trabalhos com a poesia de Bertold Brecht e a música de Kurt Weill.


 


Na selva das cidades
Será encenada em várias cidades do Brasil (São Paulo, Santos ou Ribeirão Preto (SP), Salvador, Guaramiranga (CE), Fortaleza e Brasília) a peça Na Selva das Cidades – a luta de dois homens na megalópole de Chicago, que foi escrita por Bertolt Brecht entre 1921 e 1923 e encenada pela primeira vez em Munique em 9 de abril de 1923. Situada, na versão original, no coração financeiro da grande depressão norte-americana, na versão do diretor Frank Castorf para o Teatro da Volksbühne, a Chicago deixa de ser americana para tornar-se um lugar exótico e sem nenhuma personalidade, podendo estar localizado nos trópicos, na América, ou em bairro qualquer de imigrantes em uma grande cidade. O espetáculo, apresentado em fevereiro deste ano ao público berlinense, será adaptado no Brasil com atores e uma equipe técnica locais, sendo seu cenário inteiramente reconstruído em São Paulo.


 


Brecht e a contemporaneidade da peça didática
O evento ''Brecht e a contemporaneidade da peça didática'' reúne seminário, oficinas e experimentos cênicos para apresentar e debater uma fatia ainda pouco conhecida da produção artística de Bertolt Brecht no cenário brasileiro: a teoria e a prática das ''peças didáticas'', os Lehrstücke. Estruturado como um grande seminário prático e teórico, o projeto busca refletir sobre as implicações e derivações desta tipologia dramatúrgica no teatro contemporâneo, reunindo não apenas especialistas e pesquisadores da obra de Brecht, mas diretores, grupos de teatro, educadores e interessados. Ao longo de quatro semanas, as peças e formulações de Brecht serão discutidas, confrontadas e postas em prática em oficinas, debates e experimentos cênicos por uma equipe de primeira linha.


 


Concebido pelas atrizes Magali Biff e Maria Tendlau e pela diretora Dedé Pacheco: o evento, contará com a presença de Hans-Thies Lehmann, um dos mais destacados teóricos do teatro contemporâneo (autor, entre outros, de O teatro pós-dramático e O Teatro Político); dos professores e brechtianos Ingrid Koudela, José Antônio Pasta Jr., Iná Camargo Costa e Maria Lucia Pupo; do dramaturgo Luis Alberto de Abreu, além das companhias de teatro Coisa Boa, Paidéia, Márcio Aurélio e Trupe, Cia São Jorge de Variedades, Cia do Latão, Cia Livre, e dos atores Celso Frateschi e Roberto Lage.


 


Palestras Hans-Thies Lehmann
Hans-Thies Lehmann é um dos mais destacados e atuantes pensadores do teatro contemporâneo. Professor titular da Universidade J. W. Goethe em Frankfurt am Main, Lehmann é autor de livros seminais sobre o teatro atual e do pós-guerra, dentre os quais se destacam Teatro Pós-Dramático, de 1999 (com lançamento no país previsto para este ano); Theater und Mythos – Die Konstitution des Subjekts im Diskurs der antiken Tragödie (Teatro e Mito – A constituição do sujeito no discurso da tragédia antiga) , de 1991; The Brecht Yearbook, de 1992 (com Renate Voris); Das politische Schreiben. Essays zu Theatertexten (A escrita política), de 2002, e Heiner Müller Handbuch (com P. Primavesi), de 2004.


 


Além das várias publicações e de atuar como professor visitante na França, na Lituânia, na Polônia, nos EUA e no Japão, Lehamnn já tomou parte em inúmeros projetos teatrais, trabalhando como dramaturgo com os diretores Jossi Wieler, Peter Palitzsch, Christof Nel, Theodoros Terzopoulos, e desenvolvendo projetos cênicos próprios; é integrante do conselho editorial da revista Performance Research, fundador e co-diretor da Frankfurter Internationalen Sommerakademie e membro da Academia Alemã de Artes Cênicas, além de colaborador em diversas revistas européias e norte-americanas.