ONU corre perigo de confundir agressor e vítima no Líbano

Por José Reinaldo Carvalho*
O mundo está na expectativa de uma decisão do Conselho de Segurança da ONU sobre a guerra no Líbano. Até agora, não há um documento consistente capaz de produzir o cessar-fogo. A única, aceitável e razoável resolução, para e

É sempre positivo que países influentes no concerto internacional e detentores do poder de veto no Conselho de Segurança tomem a iniciativa e impeçam que os Estados Unidos decidam sozinhos sobre o curso dos acontecimentos. Igualmente importante, contudo, é não permitir que os organismos internacionais e com maior razão a ONU,  sejam instrumentalizados e obrigados a deliberar mediante uma pressão chantagista.



A chantagem de Israel & EUA



Israel e os Estados Unidos condicionam o cessar-fogo à manutenção de sua presença como força de ocupação no Líbano e à liquidação física e logística do Hezbolá. É digno de asco o cinismo com que as autoridades da diplomacia norte-americana entravam as negociações, impedindo a rápida decisão sobre o cessar-fogo. Com isso dão a Israel o tempo necessário para completar seu desígnio. Somente então, cumpridas as condições impostas por Israel e os Estados Unidos, o “processo de paz” ingressaria numa nova etapa, através do envio de uma “força multinacional”, patrocinada na prática por países imperialistas.



Enquanto isso, a aviação israelense continua a bombardear o Líbano, a capital Beirute e seus arredores. Em quatro semanas de uma guerra desigual, os facínoras israelenses já provocaram um holocausto. O Líbano encontra-se em chamas e sob destroços – mais de mil mortos, população civil massacrada, infra-estrutura destruída, êxodo de cerca de 1 milhão de pessoas (mais de um quarto da população do país) e prejuízos da ordem de 2 bilhões de dólares à economia.



A resolução França-EUA encerrará o conflito?



Uma avaliação realista nos leva a duvidar da eficácia e da justiça dos entendimentos realizados entre os Estados Unidos e a França em 5 de agosto, base para uma eventual resolução do Conselho de Segurança sobre o “fim do conflito”. Na verdade, da maneira que as coisas estão sendo conduzidas, e dada a intransigência dos Estados Unidos e Israel em impor cláusulas que assegurem seus interesses expansionistas, somos levados a crer exatamente no oposto.



Ao não enfrentar, sequer superficialmente, as verdadeiras motivações que levaram Israel a atacar o Líbano em 12 de julho, corre-se o risco de confundir agressor e vítima, dar ainda mais força a Israel e atuar no sentido de agravar os fatores de crise e de guerra, não apenas no Líbano, que é tão somente o cenário atual, mas em toda a região (cenário permanente), ou pelo menos numa parte significativa desta, num arco que abrange Palestina, Síria e Irã.



Uma manobra que vai trazer mais guerra



Estamos diante não de uma proposta para a paz, mas de uma manobra que vai trazer mais guerra e mais sofrimento para os libaneses e os palestinos. Se o Conselho de Segurança cumprir esse papel de coonestar a agressão israelense, estaremos diante da comprovação cabal da falência da ordem jurídica-política instituída no pós Segunda Grande Guerra.



O  que provocou a fúria de Israel não foi o incidente fronteiriço em que forças da Resistência nacional libanesa, nomeadamente o Hezbolá, atacaram uma guarnição inimiga. Nem é, portanto, a reação israelense algo “desmedido” e “desproporcional”, mas “justificável”, como pretendem a mídia estipendiária e os governos acovardados.


 


Igualmente, não foi outro fato semelhante protagonizado por forças da Resistência palestina duas semanas antes o que levou o Exército israelense a atacar Gaza e a desencadear atos de terrorismo de Estado contra o governo legitimamente constituído da Autoridade Nacional Palestina. Esses incidentes apenas apressaram algo já metodicamente planejado e preparado.



Ação no Líbano é parte de um conjunto



A atual escalada belicista de Israel é a decorrência de uma estratégia conscientemente elaborada pelos estados-maiores imperialista e sionista. A criação e a atividade de Israel como Estado expansionista e cabeça-de-ponte do imperialismo norte-americano na região choca-se objetivamente com as aspirações nacionais dos povos árabes e do palestino. A opção de Israel e dos Estados Unidos pela violência decorre da concepção de que Israel só estará em plena segurança se destruir a Resistência nacional árabe e palestina e eliminar os países considerados rivais na região – hoje Síria e Irã, como foi até recentemente o Iraque de Saddam Hussein.



Assim, a guerra no Líbano é parte de um conjunto de ações que abrangem a anexação do território palestino; o impedimento da autodeterminação palestina que só existirá com a existência de um Estado soberano sobre um território íntegro; o desmantelamento do Líbano e a instalação de um enclave militar no território desse país; e a confrontação com a Síria e o Irã, adversários desses planos expansionistas de Israel e, portanto, considerados inimigos figadais dos sionistas.



O novo Oriente Médio de Bush e Olmert



Por sua vez, os Estados Unidos, que usam Israel como seu instrumento, encontram-se empenhados na execução do seu plano de reestruturação do Oriente Médio, no qual a diplomacia é o que menos conta, como não contava quando eles decidiram atacar o Iraque em 2003, a despeito da oposição do Conselho de Segurança e de constituir uma evidente violação de todas as normas do direito internacional.



Tudo está a indicar que o novo Oriente Médio de Bush e Olmert, e todos os herdeiros de Sharon, depende mais da repetição dos crimes da aviação e do exército de Israel do que dos acertos entre Douste-Blazy e John Bolton. Para além da retórica, estão as manobras estadunidenses e israelenses protelatórias do cessar-fogo.



Vários cenários, uma certeza



Entretanto, mirando a perspectiva e tendo em conta as forças em confronto, algo nos diz que não existirá o novo Oriente Médio concebido pelo imperialismo norte-americano. E que do holocausto provocado por ele em conluio com seus aliados de Israel, poderão resultar vários cenários, difíceis de prever pela dureza dos confrontos que produzirão. Uma coisa é certa, porém. Da carnificina com que Bush empesta o ambiente no limiar do século 21 não surgirá a paz, nem a estabilidade.



No Oriente Médio não cabe outra solução duradoura que não passe por uma resolução abrangente e justa para o conflito árabe-israelense, que não se restringe ao Líbano. O ponto de partida terá de ser a decisão sobre a questão palestina, com a retirada de Israel de todos os territórios ocupados, a criação do Estado nacional palestino e o respeito à soberania de todos os países da região, o que pressupõe a convivência com a Síria e o Irã, tal como estes são.



* Diretor de Comunicação do Cebrapaz, Secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Consultor do Tribunal de Bruxelas.