Brandão, o Lênin que poderia ter acertado

Por Michel Zaidan Filho*
Acabo de receber a boa notícia de que a editora Anita Garibaldi, ligada ao Partido Comunista do Brasil, reeditou um dos primeiros clássicos das ciências sociais brasileiras: o opúsculo de Octavio Brandão, Agrarismo versus in

Só se conhece uma edição precária dessa brochura, feita em 1926, para servir de base para a política de alianças do então Partido Comunista. De lá para cá, o historiador das idéias políticas ou socialistas no Brasil só podia se valer de exemplares fotocopiados guardados a sete chaves nos arquivos do movimento operário brasileiro. Anos atrás, me encontrei com o Valter Pomar no Aeroporto do Recife (PE), que naquela ocasião manifestou o interesse da editora Anita Garibaldi em reeditá-lo. Eu disse que concordava inteiramente com o interesse dele e da editora, porque considero desde muito tempo o livrinho de Octávio Brandão “um clássico do marxismo brasileiro”, apesar da discordância de amigos e camaradas, como, por exemplo, Leandro Konder, com quem troquei amistosas cartas em torno do assunto, quando ele estava terminando sua tese de doutorado.



De fato, há muitos anos que tive o trabalho de recuperar ou “garimpar”, como dizia o Marco Aurélio Garcia, essas idéias seminais sobre o revolução brasileira. E a originalidade do pensamento de nosso líder comunista é incontestável, nos quadros da política revolucionária da Internacional Comunista, sobretudo pela relação com a conjuntura interna no Brasil: as revoltas tenentistas de 1922 e 1924. A adaptação da questão pequeno-burguesa para o movimento tenentista é valiosa (heurística, mesmo), em comparação com a situação do campesinato russo. E a idéia da revolução democrática pequeno-burguesa é um achado da mais alta importância.



Nos idos de 1980, Gildo Marçal Brandão – então editor da revista Temas de Ciências Humanas e hoje professor de Ciência Política da USP – teve a gentileza de ler um pequeno ensaio meu sobre as relações entre anarquistas e comunistas no Brasil, durante a década de vinte. A recepção de Gildo foi boa, mas ele recomendou que se reescrevesse o texto para que servisse de introdução a uma coletânea de artigos de Astrojildo Pereira sobre a fundação do PCB (Construindo o PCB: 1922-1924). O pequeno ensaio que resultou daí levantava uma tese importante: o Partido Comunista Brasileiro [sic] foi, sim, um partido nacional – não nacionalista – e seus erros não estavam ligados a nenhuma determinação estrangeira ou estalinista.



Faltava concretizar a tese com estudos e pesquisa empíricas sobre a trajetória política do partido. Este trabalho de garimpagem foi feito ao longo de cinco anos, com documentos, panfletos, jornais, cartas, entrevistas, etc. Dele resultou uma tese de doutorado: O Partido Comunista e a Internacional Comunista. E a base foi exatamente a contribuição teórica e estratégica do camarada Octavio Brandão.



O primeiro grande esforço de análise marxista-leninista da conjuntura brasileira nos anos vinte foi este Agrarismo versus industrialismo. Ele serviu com justificação para política de alianças do PCB com os “tenentes” e a pequena burguesia urbana. A influência do documento é patente nas teses do 2º Congresso do PCB (1925), onde a contradição básica é entre nação e imperialismo. Torna-se ainda maior no artigo “As tarefas do proletariado diante da revolução pequeno-burguesa” (1926), publicado no boletim Autocrítica. E é derrotada no VI Congresso da Internacional Comunista (1928), já desaparecendo nas teses do 3º Congresso do PCB (1929). Em 1930, há uma reunião ampliada, com membros da IC, onde Brandão é obrigado a renegar solenemente a sua criação e aceitar a tese da revolução democrático-burguesa antiimperialista.



De lá para cá, muita água correu debaixo da ponte. E o PCB tornou-se muito mais suscetível às influências de Moscou e de Prestes. Mas nada disso ofusca ou tira os méritos daquele que poderia ter sido o Lênin brasileiro, depois de ter dado uma excelente contribuição – através de seus escritos – à teoria da revolução brasileira. Está na hora de resgatar a figura – sempre polêmica, mas muito injustiçada – de Octavio Brandão.



Por tudo isso, esse trabalho deve ser lido e muito valorizado em qualquer arqueologia do pensamento político socialista brasileiro. É um pena que o livro tenha sido prejudicado pela personalidade forte e polêmica do autor. Não é a primeira nem a única vez.



* Professor da Universidade Federal de Pernambuco



Fonte: La Insígnia (http://www.lainsignia.org)