Adalberto Monteiro: ''A mais esplêndida rosa de Guimarães''

Confira o discurso do jornalista e poeta Adalberto Monteiro, proferido neste fim de semana, em homenagem aos 50 anos de Grande Sertão: Veredas. Adalberto expôs sua fala durante um debate que também lançou a última edição da revista Princípios

Faz 50 anos a mais esplêndida rosa de Guimarães


 


Por Adalberto Monteiro*


 


Minhas palavras iniciais não poderiam ser outras senão de agradecimento às diretorias do Sindicato dos Professores de Minas Gerais, do Sindicato dos Auxiliares em Administração Escolar de Minas Gerais e da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino pela realização deste evento. Ganha Minas, ganha o povo brasileiro quando os professores e professoras desse estado homenageiam o rico legado literário de Guimarães Rosa.


 


Um país se constrói com indústrias e energia, com aço e argamassa, mas apenas isso e outros tantos elementos da base material e produtiva não bastam. A construção de um país pujante exige uma produção cultural rica e diversificada. Artistas e escritores como Guimarães Rosa criaram e enriqueceram o acervo e o patrimônio cultural brasileiro. Como dizem vocês mineiros, nós da revista Princípios estamos felizes demais da conta por vocês terem julgado que essa edição alusiva ao cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas, que hoje é aqui lançada, está de fato à altura da obra do vosso estimado conterrâneo e do nosso amado compatriota.
                                      


Faz 50 anos a rosa mais esplêndida de Guimarães. Faz 50 anos que o mundo das artes entre maravilhado e espantado se deparava com um graúdo diamante: Grande Sertão: Veredas. Ele foi arrancado dessas montanhas e desses sertões de Minas pelas mãos de Guimarães Rosa. Nesta obra prima, o épico e o lírico se entrelaçam, a prosa e a poesia se entrecruzam e o idioma é enriquecido com a seiva bruta do sertão.


 


No Brasil, e mesmo no exterior, realizaram-se e ainda estão a se realizar variadas atividades comemorativas ao cinqüentenário de Grande Sertão. Surgiram novas edições da obra do ilustre mineiro, além de matérias e textos veiculados na imprensa.


 


É auspicioso que nesta quadra histórica – de retrocessos e iniqüidades – uma obra de arte, de fina qualidade estética e densa de valores humanísticos seja assim reconhecida e enaltecida.


 


A revista Princípios, consciente de que um país, uma nação se constrói e se ergue não apenas de seu alicerce material, mas também de sua riqueza cultural, rende suas homenagens a essa obra. E para louvá-la bem como diria, Manuel Bandeira, recorremos a quatro pessoas amantes da obra de Rosa e amantes do sertão. Porque quem ama, tudo procura saber do amado. Embora a gente se engane, como se enganou Riobaldo. Nosso critério foi, pois este: não bastava ser especialistas da obra rosiana, era preciso que além de estudiosos dela, fossem pessoas apaixonadas por ela.


 


O primeiro, o professor Luiz Cláudio de Oliveira, doutor em Guimarães, por título conquistado e merecido, e doutor em Guimarães por ser um apaixonado por esses sertões de Minas. Ele nos ofereceu um artigo brilhante no qual ele nos diz que ''Rosa deixou para nós um grande sertão de textos que nos enlevam e nos cativam, onde sempre poderemos trilhar novas veredas''. Para ladear o professor Luiz Cláudio, convidamos o jovem jornalista e pesquisador Kerison Lopes, que, quem sabe, tenha desvendado uma vereda nova dessa obra ao recorrer à história e apontar a relação de pessoas e episódios reais com os personagens e acontecimentos do romance rosiano.


 


A terceira convidada, mesmo sabendo ela envolta tal e qual os jagunços fidalgos de Guimarães em cruentas batalhas para ser uma das representantes de Minas e de seu povo no Congresso Nacional, Jô Moraes, que guerreira, mesmo sem tempo de descer do cavalo, redigiu lá de cima mesmo, no dorso do animal, uma crônica sobre as incertezas contemporâneas de Riobaldo. ''… Eu quase que nada sei. Mas desconfio de muita coisa…'' ''Quem desconfia: fica sábio.''


 


Se Jô Moraes não estivesse no meio do redemoinho, poderia, com certeza, nos falar, também, sobre a arte de governar segundo Riobaldo: ''Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas-misérias.'' Ou ainda sobre a plataforma de um deputado, segundo Zé Bebelo: '' Deputado fosse, então reluzia perfeito o Norte ,botando pontes, baseando fábricas, remediando a saúde de todos, preenchendo a pobreza, estreando mil escolas. O que imponho é socorrer as infâncias deste sertão!''


 


''Sertão: estes seus vazios. O senhor vá, alguma coisa encontra!'' O fotógrafo Germano Neto acolheu esse conselho de Riobaldo e, jagunço, à sua maneira, pois que armado com sua máquina fotográfica, adentrou ao grande sertão mineiro. E quanta coisa de fato lá encontrou. Paisagens, brejos de onde nascem rios, buritizais que perseguem os cursos d'água, árvores do Cerrado, o Cerrado uma floresta de bonzais, os cemitérios nos quintais, o vaqueiro tangendo sua boiada, as heroínas famílias sertanejas, uma santidade de água doce, (o rio São Francisco). Magnífico cenário onde bandos de jagunços fidalgos travaram honrados combates, o sertão mudando de dono a cada batalha. Magnífico cenário onde o sertanejo, de hoje, segue travando as batalhas pela vida.


 


Germano Neto nos mostra que o sertão continua nos ermos de Minas. É verdade que ferido pela monocultura e pela fome voraz das guseiras que transformam o Cerrado em carvão. Mas, o sertão é igual ao sertanejo, é igual aos lordes jagunços de Riobaldo e Joca Ramiro, não se rende!


 


Publicamos, também, uma entrevista de Guimarães Rosa, realizada, em 1965, por Günter Lorenz. Embora, bem conhecida do público especializado, resolvemos publicar ao menos alguns trechos dela, que oferecem ao leitor de Princípios um perfil do escritor e do cidadão Guimarães Rosa. Diz ele no final da entrevista, ao ser perguntado sobre o futuro da América Latina: ''Estou firmemente convencido de que em 2000 a literatura mundial estará orientada para a América Latina; o papel que um dia desempenharam Berlim, Paris, Madri ou Roma, também, Petersburgo ou Viena, será desempenhado por Rio, Bahia, Buenos Aires e México. O século do colonialismo terminou definitivamente. A América Latina inicia agora seu futuro. Acredito que será um futuro muito interessante, e espero que seja um futuro humano.'' Vejam que esse prognóstico revela uma verdadeira paixão que Rosa tinha pela América Latina. O que ele anteviu não se concretizou de todo. Mas, de qualquer modo ele acertou em cheio. O começo do século XXI entre guerras infames e fomes antigas tem em contrapartida como aspecto positivo lutas e vitórias dos povos e paises desta parte sul das Américas.
       
Vive-se um tempo em que a singularidade e a beleza cultural de cada povo, base da diversidade e riqueza do acervo cultural da humanidade, são poluídos ou pressionados ao desaparecimento pela estratégia de dominação ideológica e mercadológica da globalização neoliberal. Neste contexto, é importante celebrar essa obra prima de Guimarães Rosa.


 


O movimento transformador e o pensamento progressista, sobretudo, agora, quando as contradições e os paradoxos do capitalismo trazem, novamente, a barbárie à cena da história, precisam mais do que nunca valorizar o papel indispensável da cultura, da arte, na jornada libertária dos trabalhadores e da humanidade.


 


''Ah, vai vir um tempo, em que não se usa mais matar gente…''. O quão é atual nesse nosso mundo ferido e mutilado por velhas guerras de saque e pilhagem, esse sonho do fidalgo jagunço Riobaldo, o quão é importante que ele continue a cavalgar nos domínios da subjetividade humana para conquistarmos uma América Latina ''humana'' que Guimarães Rosa anteviu.


 


* Adalberto Monteiro, jornalista e poeta, é editor da revista Princípios e presidente do Instituto Maurício Grabois.


 


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