''Princípios'' lançada com debate sobre ''Grande Sertão: Veredas''

Evento em Belo Horizonte, promovido pelo Sinpro-MG, Saae-MG e Fitee, comemora os 50 anos de Grande Sertão: Veredas e tenta decifrar alguns mistérios presentes na obra-prima de Guimarães Rosa. Também foi lançada a nova edição da revista P

Vários olhares foram lançados sobre os escritos roseanos nesse final de semana, durante evento realizado no espaço cultural do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG), em Belo Horizonte. Em comemoração ao cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas, intelectuais, professores, pesquisadores, fotógrafos, jornalistas, curiosos e amantes da literatura roseana tentaram decifrar os muitos segredos do universo de Rosa.


 


Indagações, muitas. Respostas, algumas. Todas elas no mesmo sentido: é impossível lançar apenas um olhar sobre o sertão de Rosa. Ele é múltiplo, nuançado, aberto a interpretações várias. Mas o leitor poderia perguntar: toda boa obra literária não está aberta a interpretações várias? Está, porém Rosa leva isso ao extremo. Parece que o escritor faz disso a sua principal intenção.


 


Enigmas
Para o professor Luiz Cláudio Vieira, doutor em Literatura Brasileira pela UFMG com tese sobre o escritor mineiro, Guimarães usou a sua literatura para nos colocar enigmas. Um deles é o título dos seus livros. ''O que entendemos por Veredas? O que seriam essas Veredas? Então, ele trabalha com enigmas, nunca nos diz a coisa exatamente''.


 


Outro enigma são os símbolos presentes na obra do escritor. Grande Sertão termina com o símbolo do infinito, que, para Luiz Cláudio, remete à idéia de um laço. ''E laço serve para quê? Para fechar e abrir. Você dá um laço no sapato e quando chega em casa o desfaz. Então, esse laço que se faz e desfaz é exatamente a concepção de Rosa sobre literatura. O texto nunca esta pronto. Ele pode ser desfeito, refeito, e é por isso que ele vai trabalhar com a noção de versão'', explicou.


 


Em outro momento, o professor se questionou a respeito do mapa desenhado na orelha de Grande Sertão. ''Mapa nos leva a um lugar certo, e com o do livro você não chega a lugar nenhum. É um mapa que não é mapa. Mais uma coisa que ele nos coloca para pensarmos. Tudo é próximo, tangível, verificável e, ao mesmo tempo, impalpável, pura mimese''.


 


O editor da revista Princípios, Adalberto Monteiro, ressaltou o legado de Guimarães Rosa à cultura brasileira. ''Um país se constrói com indústrias e energia, com aço e argamassa, mas apenas isso e outros tantos elementos da base material e produtiva não bastam. A construção de um país pujante exige uma produção cultural rica e diversificada. Artistas e escritores como Guimarães Rosa criaram e enriqueceram o acervo e o patrimônio cultural brasileiro'', afirmou.


 


Durante o evento, foi lançada uma edição comemorativa da Princípios, com artigos sobre Grande Sertão: Veredas do jornalista Kerison Lopes, da presidente do PCdoB de Minas Gerais e deputada estadual Jô Moraes, e do professor Luiz Cláudio Vieira.


 


O sertão em imagens
Nesta edição da revista, fotografias do santista Germano Neto ilustram os artigos. Elas fazem parte do ensaio fotográfico Saudades de Rosa e Sertão, exibido durante o evento e que ficará em exposição até o próximo dia 22. A mostra, com 16 ampliações de 70×90 cm, revela um mergulho no mundo roseano, fruto de várias incursões pelo sertão mineiro. A primeira dessas incursões ocorreu em 1996, e, na maior delas, o fotógrafo permaneceu quatro meses no Parque Nacional Grande Sertão: Veredas e nos povoados do entorno.


 


''Não me preocupei em fazer um registro documental, fotojornalístico, mas, como diz Guimarães Rosa, tentei buscar o 'que' das coisas. É um olhar mais subjetivo, mas não deixa de ser um olhar que aponta e denuncia'', revela Germano. As 16 fotos do ensaio integram o livro homônimo que será lançado até o dia 15 de outubro, pela Edusp. No total, Saudades de Rosa e Sertão terá 116 fotos do sertão de Rosa sob a ótica de Germano Neto.


 


O desejo de retratar o sertão mineiro nasceu após um encontro com Manuelzão, em Ouro Preto (MG), em 1996. Manuelzão foi o sertanejo que conduziu Guimarães Rosa, em 1952, durante 10 dias, em uma vaquejada nas imediações do Rio São Francisco. Essa experiência foi para o escritor uma das mais marcantes em sua vida. Nessa viagem, Rosa anotou em um caderninho tudo que podia: cantos, anedotas, falas, nomes da fauna e da flora. Coisas que depois iríamos encontrar em seus escritos.


 


Contadores de estórias
Entre uma fala e outra, José Maria Gonçalves e Fábio Júnior Barboza, integrantes do Grupo de Contadores de Estórias Miguilins e Caminhos do Sertão, narraram trechos da obra de Guimarães. Era como se Riobaldo, personagem central de Grande Sertão, ganhasse vida e ali estivesse, contando suas estórias.


 


Quase no final, minutos antes de um coquetel, Luiz Cláudio respondeu a perguntas dos presentes. Uma delas questionou: e o pacto com o demônio, existiu ou não? Para ele, esse é outro mistério. ''Nada nos esclarece de que ele tenha sido feito. Para mim, não houve pacto. Mas temos autores que defendem a existência dele''.


 


Outra pessoa quis saber sobre qual a leitura que o professor faz da idéia de ''terceira margem'', presente na obra do escritor. A resposta foi rápida: ''Eu não tenho leitura nenhuma sobre a terceira margem. Para mim é um enigma mesmo, por excelência o maior da obra de Guimarães Rosa. Há uma série de interpretações, mas nenhuma delas é satisfatória'', afirmou Luiz Cláudio, deixando-nos com ainda mais dúvidas a respeito dessa grande travessia pelo sertão de Rosa.


 


De Belo Horizonte,
Denilson Cajazeiro


 


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