Tariq Ali: O Papa errou

Os protestos do mundo islâmico por conta das declarações do Papa Bento XVI relacionando o Islã à violência vão muito além da questão religiosa, segundo a avaliação do escritor paquistanês Tariq Ali. Em entrevista exclusiva ao G1, direto de Londres, por te

“Não estamos vivendo um choque de religiões, mas uma guerra imperialista para impor a hegemonia norte-americana. Esse não é basicamente um conflito religioso”, disse. “Acontece que o povo islâmico está assentado em terras ricas em petróleo. Se fossem os hindus que vivessem na mesma região, estaríamos presenciando um conflito contra eles, e não contra o Islã.”


 


Ateu declarado, Tariq Ali é um dos mais destacados pensadores de esquerda da atualidade na Inglaterra. Escritor, historiador e intelectual político, é, junto ao norte-americano Noam Chomsky, o principal porta-voz do discurso anti-imperialista.


 


Nesta entrevista, ele faz referência à reação de grupos muçulmanos em todo o mundo decorrentes da palestra de Bento XVI proferida na Alemanha na semana passada. Naquela ocasião, o Papa citou o imperador bizantino Manuel II, do século XIV, segundo quem Maomé havia trazido coisas “apenas más e desumanas, como sua ordem para difundir pela espada a palavra da fé que ele pregava”.


 


“O Ocidente tem sido cada vez menos tolerante com os países islâmicos, atacando e ocupando seu território, independentemente do que quer o seu povo. É preciso ver que a reação, que dizem ser violenta, vem de uma civilização ferida, constantemente sendo atacada”, afirma Ali.


 


Para ele, quem realmente causa o conflitos atuais é o presidente dos Estados Unidos e sua política externa. “O verdadeiro ‘Papa’ do planeta hoje é o que vive na Casa Branca. Se ele diz que preto é branco, a maior parte do mundo vai concordar com ele e passar a dizer que preto é branco”, disse, apontando uma força mais forte que a própria religião, ligada aos Estados Unidos. “O fundamentalismo imperial americano é aceito por pessoas em todo o planeta sem que haja críticas.”


 


Segundo ele, é contra essa visão hegemônica que os islâmicos realmente se levantam. E um pedido de desculpas do Papa não faria grande diferença, já que o grande problema é que a violência acaba sendo a única forma de expressão encontrada pelas massas islâmicas, que não se sentem representadas por nenhuma voz, que responda ao debate aberto pelo Papa.


 


“Os líderes islâmicos são incapazes de responder ao Papa em público. Se houvesse apenas um que rebatesse as idéias do Papa, que mostrasse publicamente a violência praticada pelo catolicismo no passado, não teríamos o resultado de protestos apenas através da violência.”


 


Ali acha que o Papa fez um ataque proposital, a fim de deixar clara a mudança no Vaticano ocorrida desde que assumiu o lugar antes ocupado por João Paulo II. “Este papa é extremamente bem-organizado, muito cuidadoso. Ele definitivamente não faz nada por acaso. Não acredito que a referência que ele fez ao islã tenha sido um acidente. Foi proposital. Ele quis dizer o que disse. Foi a forma que ele encontrou de mostrar que seu papado ia ser diferente do anterior, quando houve um contato pacífico entre as duas religiões.”


 


“O problema é que ele foi bobo e não pensou em todos os efeitos que suas declarações poderiam ter”, completa, analisando que muito da política do Vaticano vai precisar ser revista a partir da reação do mundo às declarações de Bento XVI.


 


Questionado se os conflitos decorrentes das declarações do Papa não confirmariam a ligação do Islã com a violência, Ali reconhece que é uma interpretação possível, mas volta a alegar que a resposta vem de um povo ferido e com raiva.


 


“A razão para tanta violência é que as pessoas no mundo islâmico estão com muita raiva da situação em que vivem. O Ocidente está atacando seus países, há soldados americanos em suas cidades e isso os enfurece.”


 


Indignado com as declarações do Papa, Ali publicou na segunda-feira (18) o artigo “Insultos Papais”, em que faz uma crítica teológica dos argumentos defendidos por Bento XVI. Publicado no site da revista “Countercurrents”, o texto enaltece a separação entre a questão política e a religiosa. Nele, Ali rebate as declarações do Papa mostrando que toda religião tem sua cota de violência na história da humanidade.


 


“O Papa está errado em suas declarações, basta olhar para o passado da Igreja Católica, o que eles fizeram com a imposição da Inquisição, a caça aos dissidentes e as lutas históricas dos católicos contra os judeus e os protestantes. Como ele quer discutir religião apontando os erros de uma delas sem olhar para o passado violento do próprio catolicismo. Historicamente o islamismo é muito mais pacífico de que o catolicismo”, disse, na entrevista.


 


*jornalista do site G1, da Globo.com