Investigações paralelas pulverizam impacto do caso dossiê
Por Maurício Hashizume, na Agência Carta Maior
A ordem de prisão preventiva de seis supostos envolvidos no caso da compra do dossiê contra candidatos tucanos reaqueceu momentaneamente a temperatura de um caso que já vem, a cada novo lance, perdendo o s
Publicado 28/09/2006 15:54
Os mandatos de prisão de Valdebran Padilha (empresário ligado ao PT de Mato Grosso), Gedimar Passos, Expedito Veloso, Jorge Lorenzetti e Oswaldo Bargas (que trabalhavam na campanha à reeleição do presidente Lula) e Freud Godoy (ex-assessor da Presidência da República), apresentados pelo procurador da República no Mato Grosso, Mário Lucio Avelar, foram acatados pela Justiça Federal, mas a determinação só foi recebida pela Polícia Federal (PF) na madrugada de terça-feira (26), quando já estava em vigor a Lei Eleitoral que suspende prisões no período que começa cinco dias antes e vai até dois dias depois do pleito. Casos correlatos sobem ao palco
O grau de virulência do episódio passou a ser pulverizado principalmente pela eclosão de outros casos correlacionados. Um deles foi a abertura de inquérito, pelo delegado da PF em Cuiabá, Diógenes Curado Filho, para a investigação do empresário Abel Pereira. Ele é acusado de participar tanto do caso de negociações do dossiê com membros da família Vedoin como de manter ligações suspeitas referentes à “máfia das sanguessugas” com o ex-ministro da Saúde no governo de Fernando Henrique Cardoso, Barjas Negri, hoje prefeito de Piracicaba.
A divulgação do laudo do Instituto Nacional de Criminalística (INC) da PF que nega a existência – sequer de indícios – de grampos telefônicos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também contribuiu para dividir as atenções de quem acompanha o caso. Na semana passada, o ministro Marco Aurélio Mello, que é presidente do TSE e membro do Supremo Tribunal Federal (STF), veio a público para fazer denúncias relativas à identificação de três telefones grampeados nas dependências do tribunal – utilizados pelo próprio Mello, pelo ministro Cezar Peluso (que também é do STF) e pelo ministro substituto Marcelo Ribeiro, um dos responsáveis pelo julgamento de irregulares acerca da veiculação de propaganda eleitoral.
Em cena a empresa que detonou Roseana
Rechaçados veementemente pela PF, os supostos grampos haviam sido detectados por uma varredura realizada pela empresa de segurança privada Fence, conhecida por ter prestado o mesmo tipo de serviço para o Ministério da Saúde na gestão de José Serra; pefelistas acusaram a participação da empresa na ocasião do flagrante que inviabilizou a candidatura de Roseana Sarney para a Presidência da República em 2002.
Mello declarou ter “confiança absoluta” na Fence, em coletiva de imprensa concedida depois da apresentação do laudo da PF. Segundo o presidente do TSE, varreduras anteriores realizadas pela mesma empresa nada encontraram. “Não posso raciocinar a partir do extravagante”, disse, evitando comentários sobre a participação da Fence em outros casos suspeitos recheados de interesses políticos. O ministro disse não ter detalhes do trabalho da PF, mas afirmou: “O que me causa estranheza é achar que jamais houve grampo”, completou, sem deixar de ironizar – “(o grampo) talvez seja um instituto desconhecido no Brasil”.
Mudança de plano dos cardeais da oposição
Entretanto, um dos sinais mais evidentes da perda do poder de fogo do caso se encontra no comportamento dos líderes oposicionistas. Na madrugada desta mesma terça-feira (26), às 3h03min, o jornalista Josias de Souza, da Folha de S. Paulo, divulgou em seu blog a linha de ação que os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Jorge Bornhausen (PFL-SC), ambos presidentes de suas respectivas legendas, estariam dispostos a seguir. O principal foco de ataques da oposição seria o ex-chefe da Diretoria de Análise de Riscos do Banco do Brasil, Expedito Veloso. Jereissati e Bornhausen pretendiam protocolar uma representação junto ao TSE para que fossem investigados os indícios de uso eleitoral da estrutura da estatal. Também foi estudada a possibilidade de ajuizamento, no STF, de uma interpelação ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acerca da postura da PF na investigação sobre a origem do montante (R$ 1,7 milhão) encontrado com Padilha e Passos no último dia 15 de setembro, num hotel em São Paulo, que seria utilizado para o pagamento do tal dossiê antitucanos.
Antes que os presidentes do PSDB e do PFL pudessem efetivar os pedidos junto aos tribunais, porém, os números da pesquisa CNT/Sensus, que revelaram a manutenção dos índices de voto a favor da reeleição do presidente Lula, foram divulgados. O retrato da pesquisa provocou uma mudança de rumos no planejamento dos cardeais. Em vez de centrar a artilharia em Veloso, os líderes da oposição resolveram mudar o foco para Freud Godoy, na tentativa de buscar “colar” o escândalo em Lula. Foram até o TSE para pedir a quebra do sigilo do ex-assessor do presidente (juntamente com o de Padilha, Passos e de Berzoini), a fim de garimpar conexões de Godoy com a dupla Padilha/Passos, os dois homens ligados ao PT que foram presos com o dinheiro na capital paulista.
Jereissati deixou claro para a imprensa que pretende insistir na vinculação do caso com a Presidência da República. Ele ressaltou a intimidade de Freud com Lula, lembrando que o assessor freqüentava até o Palácio da Alvorada, e buscou priorizar a necessidade de tirar a limpo o conteúdo das conversas que Freud travou a partir de sua sala no Palácio do Planalto. “Não é tapetão”, insistiu, defendendo a possível existência de vínculo da Presidência com a espionagem. O grão-tucano pediu transparência “para que uma bomba não estoure dois, três dias depois das eleições”.
Outra fronteira de pressão dos oposicionistas acabou convergindo para a PF.
Jereissati disse que a PF “não pode enrolar a população”. Ele disse até que o caso Abel Pereira “não preocupa” e “também precisa ser explicado”. Para ele, o “mais grave”, no entanto, é o “caso da mala”, com suspeitas de “dinheiro sujo e caixa dois”. “Se a Polícia Federal não disser de onde o dinheiro veio, ficará a idéia de que está havendo orientação política”, sustentou, no mesmo dia em que o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) apresentou um pedido de “voto de censura” e “repúdio” endereçado ao presidente Lula, depois que o presidente utilizou adjetivos, segundo Virgílio “inadequados” para o cargo, como “insanos” e “aloprados” para se referir aos petistas envolvidos no caso dossiê, e um dia depois que o ex-presidente FHC chamou Lula de “demônio”.
Origem do dinheiro
A notícia que mais desestruturou a esclada da oposição também veio nesta terça-feira (26). A PF atestou que os US$ 248 mil encontrados com Padilha e Passos saíram de Miami, nos EUA, e entraram de forma legal no país. A origem da outra parcela de R$ 1,168 milhão está sendo investigada – já existem indícios da ligação com políticos e empresários – e deve ser apresentada em breve.
Na manhã desta quarta-feira (27), aliás, os próprios parlamentares da oposição já decidiram que devem esperar as conclusões do inquérito da PF sobre o caso da compra dos dossiês antes de entrar com qualquer possível pedido de cassação do deputado federal e presidente do PT, Ricardo Berzoini, afastado da coordenação da campanha pela citação no imbróglio.
“Guerra de nervos de perdedores”
De acordo com Marco Aurélio Garcia, novo coordenador da campanha de Lula, líderes dos partidos da oposição “não têm autoridade” para jogar “qualquer tipo de sombra” sobre o processo eleitoral. “É uma guerra de nervos, de perdedores”, afirmou, depois de se encontrar com o presidente do TSE, recorrendo mais uma vez ao verbo “melar” para definir a atitude dos adversários.
Garcia, que manifestara sua contrariedade em relação à avaliação de Mello de que o conjunto de irregularidades cometidas durante o governo Lula era mais grave que o Watergate (escândalo que culminou com a renúncia do presidente Richard Nixon, nos EUA), classificou o encontro com Mello como “extremamente amistoso”. “Não queremos politizar a Justiça Eleitoral e nem judicializar as eleições”, resumiu. O coordenador disse ter reafirmado o apreço e o respeito da campanha e do presidente Lula com relação ao TSE, instituição “legítima, imparcial e respeitável”.
A tentativa da oposição de revolver a vida de Freud Godoy, na opinião de Garcia, é “melíflua”, ou seja, não terá conseqüência prática. Ele garantiu que qualquer investigação concreta e substantiva sobre o caso comprovará a absoluta isenção de Godoy. “Se quiserem pedir quebra de sigilo telefônico, que peçam”.
“Estamos preparados para dois turnos. Mas temos a firme convicção de que a vitória virá ainda no 1º turno”, projetou Garcia. Sobre os números da pesquisa CNT/Sensus que mostram uma estabilidade da vantagem de Lula, ele foi taxativo. “Precisamos terminar com a idéia que os acontecimentos são lidos da mesma maneira por toda a população. Nenhum cidadão é mais sábio que outro. Ninguém tem capacidade superior”.