O caso Cicarelli: o vídeo pornográfico, a imprensa e a ruína

Não é moralismo nem torcida, mas a carreira da modelo Daniella Cicarelli já vai tarde para o limbo. Sua ruína se acelerou com o vídeo que exibe uma relação sexual na praia entre ela e seu namorado. Foi apenas mais um passo em falso – outro deslize numa tr

As conseqüências, no entanto, são todas aquelas esperadas na vida de uma profissional da moda – perda de prestígio e credibilidade, rescisão de contratos, cachês mais modestos, etc. Cicarelli pagou o preço de aceitar – e depois desafiar inconseqüentemente – as regras do mundo da moda, as pressões sobre a vida de celebridade. Do auge na carreira em 2005, teve a imagem cada vez mais arranhada pela sucessão de pequenos e grandes escândalos.


 


É importante voltar um pouco na cena para entender o que já foi o fenômeno Cicarelli. E para ver, também, como se dá o tratamento a personalidades no jornalismo burguês contemporâneo. A modelo brasileira – que a princípio comemorava cada aparição nos jornais – viu sua vida ser devassada e estigmatizada na grande imprensa.


 


Nas colunas sociais
Em 2005, um levantamento da Veja São Paulo, a Vejinha, revelava quais eram as 50 celebridades que mais viravam notícia nos principais diários paulistas. De março de 2004 a março do ano passado, 4.860 pessoas foram citadas, em foto ou em nota, nas colunas sociais de Mônica Bergamo (Folha de S.Paulo) e Cesar Giobbi (O Estado de S. Paulo). Cicarelli só não aparecia mais do que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-prefeito José Serra. Era uma maravilha midiática.


 


O tucano Giobbi explica que a sorte sorriu para a modelo durante o namoro com o jogador Ronaldo. Antes, diz o colunista, “ela era a figurante das figurantes”. Cicarelli despontou num comercial de refrigerante exibido há cinco anos. O início da vida pública ocorreu em rede nacional, de biquíni, exibindo um corpo cheio de curvas – justo numa época em que imperam as modelos esqueléticas. Com as primeiras aparições em público ao lado de Ronaldo, a fama se esgarçou.


 


Fúria no altar
No começo, até o técnico Carlos Alberto Parreira, da seleção brasileira, elogiou publicamente o namoro entre o craque e a modelo, afirmando que o “astral” de Ronaldo era outro – um ânimo só. Mas Cicarelli já tinha um histórico de polêmicas. No réveillon de 2003, por exemplo, comentou-se muito de sua discussão acalorada e constrangedora com o primeiro marido, numa festa em Trancoso na Bahia.


 


Nada comparável ao barraco na festa de casamento com Ronaldo, orçada em 700 mil euros, no castelo de Chantilly, na França, em fevereiro de 2005. Na lista de 320 convidados, não estava a mãe da noiva – o que tornou notória sua atribulada vida familiar. Mas Cicarelli se irritou mesmo foi com a presença, não-esperada, da também modelo Caroline Bittencourt, que terminou expulsa da cerimônia. O matrimônio, para piorar, degringolou de semana a semana. Durou apenas 86 dias. Quanto mais se expunha durante a relação, mais Cicarelli se complicava.


 


Clausura e namoricos
Após a separação de Ronaldo, como é comum em períodos de crise pessoal, a modelo se enclausurou. Na volta à vida social, parecia que estava mais preparada para encarar repórteres e paparazzi – mas a impressão logo se desmanchou. Cicarelli vive da imagem e, apesar disso, é perita em se expor ao ridículo, notadamente com romances fátuos. É o tipo de profissional que deixa colaboradores em situações embaraçosas.


 


Ainda no ano passado, Camila Lamoglia, então assessora de imprensa da modelo, não agüentou a sucessão de factóides de sua cliente. “Daniella não tem seguido minhas opiniões”, reclamou. “É óbvio que o fato de a imprensa insinuar que ela estava com um cara na semana passada e agora se deixa fotografar na praia com esse advogado (Flávio Zveiter) é algo muito ruim para a imagem dela.”


 


O diagnóstico da assessora era preciso. Na opinião de Camila Lamoglia, a modelo, ao menosprezar o impacto público da vida privada, punha a carreira em risco: “É claro que, com tanta imaturidade, (Cicarelli) vai acabar se dando mal no mercado”. Adepta do estilo “faço apenas o que quero”, agora Cicarelli começa a entender o que o mercado da moda quer – e impõe.


 


As razões da ruína
Embora o termo “ruína” possa parecer um exagero – uma força de expressão -, essa hipótese ressoa, no caso de Cicarelli, como um consenso na mídia e entre autoridades no assunto. É possível superar os efeitos de um ou outro episódio desagradável. O difícil e deveras trabalhoso é reverter uma percepção cada vez mais cristalizada. E o mundo das passarelas, desde a tumultuada relação entre Cicarelli e o jogador Ronaldo, já vinha apontando resistência à modelo. Com o vídeo pornô, a situação só fez piorar.


 


A resistência se estende ao meio publicitário e está chegando à televisão. Depois de ser filmada transando no mês passado, numa praia de Tarifa, na Espanha, Cicarelli sofreu restrições em cinco contratos. Em outras palavras, vai aparecer menos em comerciais e propagandas – sua mais potente fonte de visibilidade e lucro.


 


Empresas como a TIM foram mais inflexíveis e desistiram da parceria. A operadora de telefonia celular já tinha evitado a exposição de sua contratada desde o fuzuê do casamento com Ronaldo. O vídeo na praia foi a gota d'água. Como o contrato expirou recentemente, a TIM optou por não renová-lo. Outro “castigo” veio da General Motors, que tirou do ar a campanha “Momento Chevrolet”, apresentados pela modelo.


 


Despencando com a MTV
Cicarelli teve na TV uma chance artificial de redenção. Em seu primeiro teste de fogo pós-fita pornô, a modelo apresentou o Vídeo Music Brasil (VMB) na última quinta-feira (28/9). A MTV, outra decadente, legitimou o sensacionalismo e apostou na polêmica para ganhar audiência. Deixou até vazar para a mídia que, ao longo do programa, haveria referências – sobretudo piadas – sobre as cenas de Cicarelli na praia.


 


O fiasco foi absoluto. Segundo medições do Ibope, o programa teve metade da audiência do VMB 2004. Uma das melhores críticas veio de Sérgio Ripardo, editor de “Ilustrada” da Folha Online, que classificou o VMB como um “um vexame”. Segundo o jornalista, “nunca se viu um show tão tosco e amador. Piadas prontas, apresentadores desinformados e sem o senso do ridículo”. Mas, para Ripardo, o “pior” da festa foi mesmo “Cicarelli em seu pastiche de moça incomodada com a invasão de privacidade dos paparazzi”.


 


Vergonha de quem?
O comentário revela algo de hipócrita na conduta de Cicarelli. Apesar de se “mostrar” inicialmente transtornada com a gravação na praia e com os veículos que exibiram o vídeo, a modelo se permite fazer piada em praça pública, em troca de trocados e holofotes. Para uma outra crítica de TV, Cicarelli, “a ex-ronaldinho”, é a cara da MTV nesta década – e aí fica difícil saber qual das duas tem mais a se envergonhar. Na visão de Ricardo Feltrin, “a fórmula da MTV está esgotada, ultrapassada, caduca”.


 


O próprio fato de se basear num escândalo pode ser visto como o reconhecimento de que a emissora vai de mal a pior, precisando de apelação para ter audiência. Em seu melhor momento, o VMB 2006 teve um depoimento consciente da roqueira baiana Pitty: “Só queria dedicar este prêmio aqui a todas as mulheres que me inspiraram nesta vida. São mulheres que usaram seus cérebros, e não suas bundas para conseguir alguma coisa”. O alvo não era Cicarelli, mas…


 


Ó, tempos
É preciso ressaltar que, em tempos de Internet, o impacto do escândalo – de qualquer escândalo – é mais intenso e permanente. Mais sorte teve a apresentadora Xuxa Meneghel, que conseguiu vetar o lançamento em vídeo de Amor Estranho Amor. Neste filme de Walter Hugo Khouri, de 1982, a então modelo Xuxa interpretava uma prostituta que iniciava sexualmente um garoto. Posteriormente, quando virou a “rainha dos baixinhos”, ela processou o produtor e conseguiu embargar o longa-metragem na Justiça.


 


Amor Estranho Amor se tornou um cult-movie raro, até a popularização da Internet. Agora, a produção pode ser vendida – e até baixada – ilegalmente a partir de sites. O preço: de R$ 5 a R$ 50. No auge da polêmica, Xuxa não teve de enfrentar a Internet. Já o vídeo de Cicarelli se alastrou como fogo em álcool. Quando a modelo tentou vetar a exibição e processar veículos da mídia, era tarde. E-mails, comunicadores instantâneos, blogs, sites de vídeo – tudo na Internet facilitou a propagação das imagens, sem volta.


 


Cicarelli, na condição de modelo, já era naturalmente uma escrava da moda – e tentou se livrar dessa amarra agindo a seu bel-prazer. Salvou a reputação até onde pôde. Até que o vídeo com o novo namorado a tornou novamente vítima destes tempos. Sua carreira nunca mais terá tantas portas abertas, e a ruína é o destino.


 


Da Redação,
André Cintra


 


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(http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=7796)