Movimentos questionam privatização da Vale, que será revista

Por Artenius Daniel


Os movimentos sociais e a sociedade civil questionam a venda da Companhia Vale do Rio Doce, durante o governo FHC. A maior produtora de minério do mundo foi para as mãos do capital privado em 1997. A luta contra as privatiza

Na última quinta-feira (5) foi inaugurada a maior mina de ferro do mundo. Fica no Brasil, no município de São Gonçalo do Rio Abaixo (MG), a 93 quilômetros da capital Belo Horizonte. A mina do Brucutu, nome de um escravo conhecido que tomava conta da região, deverá produzir 12,2 milhões de toneladas de ferro por ano. Boa notícia? Poderia ser melhor se a empresa que explora a mina, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), ainda fosse patrimônio do povo brasileiro.


 


A Vale foi privatizada em 1997, numa ação polêmica e altamente contestada do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A venda de empresas estatais foi um dos pontos marcantes dessa gestão, sendo apelidada de “privataria” pelo jornalista Élio Gaspari, um termo muito usado até hoje.


 


A Companhia Vale do Rio Doce teve 41,73% das suas ações vendidas por R$ 3,34 bilhões, um valor totalmente incompatível com sua capacidade. A CVRD, que é a maior produtora de minério de ferro do planeta, sempre foi uma das mais lucrativas estatais brasileiras. Para se ter uma idéia da disparidade entre valor de venda e a produção da companhia, somente em 2005, a Vale registrou lucro líquido de R$10,443 bilhões.


 


A pressão da população e dos movimentos sociais foi tão grande que, no último mês de janeiro, após nove anos de martelo batido, o TRF (Tribunal Regional Federal), de Brasília, decidiu submeter a privatização da Vale a uma perícia técnica, para apurar se o valor foi subestimado. A participação do grupo financeiro Merrill Lynch, dos Estados Unidos, no processo de venda também está sendo questionada judicialmente.


 


Debate eleitoral
Diversos movimentos sociais, incluindo a UNE e a Ubes, estiveram na linha de frente na luta contra as privatizações. Segundo Lúcia Stumpf, diretora de Relações Internacionais da UNE, que tem participado das reuniões da campanha “A Vale é nossa”, a inauguração da mina do Brucutu exige reflexão: “Isso demonstra como todo potencial do solo brasileiro, toda a natureza brasileira que deveria estar a serviço do desenvolvimento do país, está hoje na mão de terceiros. Demonstra o quanto é nociva a privatização da CVRD”.


 


Na opinião das entidades estudantis, o debate sobre as privatizações, marcas dos governos neoliberais na América Latina, precisa ter destaque central no processo eleitoral “Debater privatização é essencial. A concepção que cada candidato tem sobre esse tema vai dizer o que cada um quer para o Brasil. Quem defende a privatização deixa claro que o país não deve ter poder sobre suas riquezas e estará submisso a interesses alheios”, afirma Lúcia.


 


Ela também afirma que, por mais que alguns candidatos tentem deslocar suas imagens da “privataria”, a relação é clara. “Atualmente, no segundo turno, temos dois projetos claramente distintos para o Brasil nessa questão”, compara.


 


Em entrevista ao jornal Estado de Minas, o candidato à presidência pelo PSDB, Geraldo Alckmin, foi questionado a respeito das privatizações promovidas na gestão Fernando Henrique. Ele deu a entender que a venda da Vale foi um bom negócio: “O governo privatizou o que devia ser privatizado”. E completou mais a frente, em descaso com os recursos minerais brasileiros: “O governo privatizou aquilo que não era atividade própria do Estado, típica da iniciativa privada”.


 


Anulação da Privatização
Em 1997, no Rio de Janeiro, o processo de privatização foi marcado pelo enfrentamento físico entre manifestantes e policiais em frente à Bolsa de Valores. No último dia 14 de agosto, a cidade voltou a ser cenário da história da Vale com o lançamento nacional da campanha “A Vale é nossa”, pela anulação da privatização da Companhia. A tensão política que cerca o assunto e estava adormecida desde 1997, também reapareceu.


 


A governadora Rosinha Matheus (PMDB), que inicialmente parecia apoiar a iniciativa, vetou a utilização do Teatro João Caetano a duas horas do inicio da cerimônia. O evento, que teria a presença de artistas como Beth Carvalho, Noca da Portela e o rapper B Negão ficou sem lugar. A organização tentou montar um palco na rua, mas a polícia militar foi acionada para acabar com os shows e protestos.


 


“A atitude da governadora demonstrou a enorme dificuldade que a gente vai ter para tocar essa campanha. Os atuais donos da Companhia Vale do Rio Doce têm um poder econômico muito grande”, disse a economista Sandra Quintela, da Rede Jubileu Sul, em entrevista à Agência Carta Maior. Quase um mês depois, no mesmo dia em que a mina do Brucutu foi inaugurada, a governadora Rosinha Matheus esteve nas principais capas de jornais revelando o apoio ao candidato à presidência Geraldo Alckimin.


 


Na opinião de Lúcia é hora de políticos e partidos esclarecerem o que pensam de fato sobre as privatizações: “Nesse momento em que o debate político está tão aflorado, é importante que os movimentos sociais obriguem os políticos a declararem suas intenções.”


 


Ela acredita que o debate acerca da privatização de outras estatais, como a Petrobrás também precisa vir a tona. “Duvido que o candidato do PSDB saia nas ruas defendendo a privatização do petróleo, porque isso é ruim faz perder votos. Mas o fato é que esse era um tema defendido no governo FHC e, se eleito, Alckmin certamente irá reabrir esse debate”, diz.


 


Plebiscito
Os movimentos sociais que defendem a anulação da privatização da Vale pretendem continuar os protestos, mas denunciam que a campanha desde o início tem sido atacada por grandes grupos econômicos e políticos.


 


A intenção dos movimentos sociais é ampliar o debate acerca da privatização, pressionar a justiça na revisão da venda da Vale e realizar um plebiscito no dia 7 de setembro do ano que vem. O objetivo é ouvir a opinião da população sobre a reestatização da CVRD.