As sujeiras do ninho tucano

Problemas com as finanças do governo paulista estão ligados à “era FHC”

Por Osvaldo Bertolino


 


A informação de que o sucessor do candidato da direita à Presidência da República, Geraldo Alckmin, no governo do Estado de São Paulo, Cláudio Lembo, enfrenta problemas para manter o ritmo de obras deixado pelo ex-governador não surpreende quem acompanhou de perto a “era” neoliberal em sua versão paulista. Apertado pela “Lei de Responsabilidade Fiscal”, Lembo disse que se as estratégias já adotadas pelo governo estadual para aumentar a receita não funcionarem ''vamos ter problema no final do ano'' .


 


Tudo começou com o Plano Real, em 1994. O governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) promoveu uma feroz investida contra o Estado e elevou drasticamente a taxa de juros. A medida provisória que instituiu o Plano Real anunciou o ''Fundo de Amortização da Dívida Mobiliária Federal'', o embrião do superávit primário que até hoje inferniza a vida brasileira. Os neoliberais venderam ações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e cortaram despesas orçamentárias para formar o ''Fundo de Estabilização Fiscal''.


 


Investida contra o Estado


 


Antevendo o estrago que a turma de FHC promoveria, Itamar Franco, que nunca foi o paspalhão que a grande imprensa tentou pintar, quando era presidente da República pediu ao Congresso Nacional que agilizasse a regulamentação do artigo da Constituição que determina o limite de 12% ao ano para a taxa de juros. O presidente, no entanto, era quase uma voz isolada no país. Mas logo se veria que sua preocupação tinha razão de ser — no primeiro dia útil do Real, a taxa de juros, puxada pelo Banco Central (BC), disparou, chegando aos 12%. Desde então, nunca mais o país viu juros abaixo deste patamar. Um ano depois, já estava em 60%. O próximo passo seria a investida contra o Estado — abrangendo a União, os Estados e municípios.


 


Em São Paulo, o principal ninho do tucanato, eles montaram uma arapuca. No dia 29 de dezembro de 1994, o governador de São Paulo, o tucano Mário Covas, recebeu a visita do então presidente do BC, Pérsio Arida, com uma carta pela qual o Estado pedia a intervenção no Banespa — a mesma que havia sido aceita, pouco antes, pelo então governador carioca, o também tucano Marcelo Alencar, e que resultou na intervenção no Banerj. Covas recusou a trama e exigiu de Arida uma justificativa para a proposta da equipe econômica. A resposta nunca veio e o imbróglio acabou com a demissão de Arida. Mas a intervenção aconteceu e o Banespa acabou em mãos privadas. Ao longo do processo, holofotes poderosos varreram o caso e revelaram a essência de como a ''era FHC'' administrou a economia do país. O editor da revista CartaCapital Carlos Drummond reconstituiu o caso com a minudência de um arqueólogo.


 


Os protagonistas da trama


 


A reportagem, baseada em depoimentos e documentos fartamente reproduzidos, é uma minuciosa descrição da reunião de 7 de agosto de 1995, na sede do BC em São Paulo, quando foi apresentado o relatório da comissão de inquérito que durante sete meses apurou ''irregularidades'' no banco. Com nomes, locais, datas e diálogos, a revista divulgou que naquele dia a comissão anunciou duas decisões: denunciar algumas irregularidades ao Ministério Público e arquivar o inquérito. ''O processo tem de ser arquivado porque não há patrimônio líquido negativo e o devedor principal é o próprio governo do Estado, que está negociando com o BC uma forma de amortização da dívida'', receitou, segundo a revista, o funcionário Carlos José Braz Gomes de Lemos, relator da comissão de inquérito. Mas o diretor do BC Alkimar Moura, presente à reunião, achou pouco e aceitou uma sugestão: avermelhar falsamente o balanço do Banespa.


 


O artifício foi considerar toda a dívida do governo paulista com o banco como crédito em liquidação. Segundo a apuração de Drummond, o BC praticou uma repreensível ''manobra contábil'': no dia da intervenção, o Banespa tinha um patrimônio líquido positivo de R$ 1,7 bilhão e a dívida do Estado, no total de R$ 9,4 bilhões, estava em dia, com a exceção de ''uma pequena parcela de R$ 25 milhões vencida''. ''Isso significa que, no dia em que se fez a intervenção, não havia passivo a descoberto, ou seja, créditos sem perspectiva de recebimento'', afirmou a revista. Num truque de fazer Mandrake parecer aprendiz, um saldo de patrimônio líquido positivo de R$ 1,7 bilhão foi transformado em patrimônio líquido negativo de R$ 4,2 bilhões. Os principais protagonistas da trama eram basicamente tucanos paulistas, que começaram a se organizar numa espécie de confraria ainda no governo estadual de Franco Montoro, eleito em 1982 pelo PMDB.


 



Revoada de tucanos


 


Na ocasião, Orestes Quércia já era o principal líder do PMDB no Estado e aceitou, em nome da unidade, ser vice de Montoro. FHC foi eleito senador pela sublegenda, de carona. Mário Covas foi nomeado prefeito de São Paulo e José Serra assumiu como o poderoso secretário de Planejamento. Sérgio Motta — ministro das Comunicações no governo FHC —, assumiu a presidência da Eletropaulo. Paulo Renato e Bresser Pereira ficaram com o controle das finanças.


 


Na sucessão de Montoro, o empresário Antônio Ermírio de Moraes, pelo PTB, era um dos concorrentes de Quércia ao cargo de governador e não lançou candidatos ao Senado. Covas e FHC eram os candidatos a senadores pelo PMDB. A deputada peemedebista Ruth Escobar — que mais tarde virou tucana de carteirinha e num banquete chamou Lula de ''aquele mecânico'' — criou um grande comitê Ermírio, Covas e FHC. Em seguida, pipocaram comitês semelhantes pelo Estado. Foi a senha para a criação do PSDB. Em 1995, a revista VIP publicou uma reportagem com relatos surpreendentes. Em 1990, quando Covas ficou fora do segundo turno, disputado entre Luiz Antônio Fleury e Paulo Maluf, houve uma revoada de tucanos para a candidatura do PMDB. José Serra foi um dos primeiros a apoiar Fleury.


 


Ação Popular


 


Segundo a VIP, Vladimir Rioli foi um dos caixas da campanha do PSDB e sempre transitou pelas cercanias das finanças do Estado. Com a vitória de Fleury, Antônio Cláudio Sochaczewski, o Socha, veio de uma das diretorias do BC para assumir a presidência do Banespa e Rioli, que havia sido diretor do banco na gestão Montoro, assumiu a vice-presidência de finanças — de onde saiu, misteriosamente, em 1993. Como integrante da Comissão de Privatização da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), Rioli havia sido acusado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de desviar 14,1 milhões de dólares. Rioli declarou à VIP: ''Não havia um apoio formal do PSDB ao governo Fleury. Era um canal aberto de um grupo de pessoas dentro do partido com o governo.'' A VIP fez uma lista enorme de casos de negócios irregulares dos economistas do PSDB à frente do Banespa. Pouco tempo depois, dia 7 de agosto de 1996, a revista CartaCapital denunciou a monumental fraude para intervir no banco e mais tarde privatizá-lo.


 


Segundo a revista, no dia 7 de agosto de 1995 Carlos José Braz Gomes de Lemos, o relator da comissão de inquérito, leu os trabalhos da comissão de inquérito que investigou as causas da intervenção, que indicavam algumas operações de crédito a empresas privadas (empréstimos concedidos pelos economistas ligados a José Serra no governo Fleury) e mostravam indícios de irregularidades. Os detalhes da fraude nunca foram contestados de maneira convincente. Segundo CartaCapital, por mais de uma vez o diretor do BC Alkimar Moura disse que o objetivo era ''pegar o Quércia''. Hoje existe na Justiça, na Primeira Vara Federal de São Paulo, uma Ação Popular, de 1º de setembro de 1998, assinada por Orestes Quércia, pelo advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, pelos bancários Agostinho Simili e José Aparecido da Silva, pelo filósofo e deputado estadual Renato Simões (PT) e outros, exigindo punição para os que atentaram contra o Banespa.