“Nos deram uma surra”, admite Bush

Por David Brooks, correspondente do La Jornada*
Washington amanheceu transformada, de dapital de um partido único em uma onde os democratas, aparentemente, conquistaram o controle de ambas as casas do Congresso. O presidente George W. Bush con

O dia (de ontem) começou com o suspense sobre o resultado de uma única eleição para o Senado, que define o balanço de poder na câmara alta. Continuou com a dramática renúncia do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld. E se concluiu com projeções de uma derrota total dos republicanos, em ambas as casas, no que foi um golpe talvez mortal no messianismo neoconservador sem limites que imperou aqui durante os últimos seis anos.



Esperança: que as coisas deixem de piorar



Embora tudo tenha mudado, talvez nada mude. Ninguém tem uma solução para a Guerra do Iraque e o caos que a política bélica estadunidense provocou no Oriente Médio. Ninguém demonstrou vontade política para promover uma verdadeira reforma de combate à corrupção no sistema político estadunidense, nem em seu deterioradíssimo sistema eleitoral. Poucos esperam grandes mudanças na política econômica, ambiental ou de segurança nacional a curto prazo, entre outros temas urgentes. A maior esperança, por enquanto, é que as coisas deixem de piorar.



Os líderes do triunfante Partido Democrata e dos derrotados republicanos (o presidente) iniciaram o dia falando em conciliação, cooperação e “terreno comum”. Aconselharam que se deixe para trás todas as acusações, condenações, xingamentos à mãe e tudo mais que ocorreu durante a campanha.



Assim, depois de ter advertido que uma vitória eleitoral dos democratas implicaria num triunfo dos “terroristas”, o presidente Bush almoça nesta quinta-feira com os líderes parlamentares dos democratas, Nancy Pelosi (a próxima presidente da Câmara de Representantes) e o senador Harry Reid; algo impensável 48 horas antes.



Queda de Rumsfeld, sem mudanças



A renúncia do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, foi um sacrifício político obrigatório face aos resultados, já que a mensagem política dos eleitores foi de rejeição da guerra no Iraque. Foi também uma tentativa para desviar a atenção sobre o comandante-em-chefe como responsável pela política bélica. Um veterano observador de Washington disse a La Jornada que a manobra tem ainda o efeito de fazer de Rumsfeld o tema do dia, e não a derrota política da Casa Branca.



Mas, ao afastar o secretário, o presidente Bush deixou claro que isso não implicava em nenhuma mudança em seu compromisso de obter a “vitória” no Iraque. Reconheceu que o voto foi, em parte, contra a guerra, e que “as pessoas estão frustradas” com a falta de progresso, mas “é uma luta dura” que “só perderemos se nos formos antes de completar a tarefa”.



Em comentários feitos na Casa Branca, o presidente assegurou que poderá trabalhar com os democratas para “ganhar este aspecto da guerra contra o terror”. Além disso, buscará “institucionalizar até onde seja possível os passos necessários para assegurar que os futuros presidentes possam levar a cabo esta guerra, já que o Iraque é apenas uma parte da luta antiterrorista”, insistindo que se trata de uma guerra de longa duração.



Depois de Rumsfeld, Dick Cheney?



Se Bush muda alguns membros da tripulação, insistiu que ele continua a ser o capitão do navio e que o rumo se mantém. Assinalou que está disposto a mudar táticas e até estratégias no Iraque, mas não objetivos, nem o compromisso de levar a guerra a um final exitoso.



No entanto, o sacrifício de Rumsfeld é real e representa o prejuizo que a eleição já cobrou da Casa Branca. Bob Woodward, o famoso jornalista do Washington Post, disse numa entrevista recente para a CBS News que Rumsfeld era o favorito de Bush, e “Cheney (Dick Cheney, o vice-presidente) comentou para um de seus assessores que, se Rumsfeld saisse, em seguida estariam buscando derrubar a ele, Cheney”. Na coletiva de imprensa se indagou a respeito a Bush; ele respondeu que seu vice-presidente estará com ele até o fim do mandato (o mesmo que tinha dito sobre Rumsfeld uma semana atrás).



Em substituição a Rumsfeld, o presidente nomeou Robert Gates, diretor da CIA durante o governo de Bush Pai. Uma vez mais, na crise, Bush recorre à veterana equipe de seu genitor e substui uma figura-chave dos neoconservadores por um da velha guarda “realpolitik” republicana.



Gates: louros trazidos da CIA



Bush destacou o papel de Gates na guerra clandestina estadunidense para derrubar o governo pró-soviético no Afeganistão. Gates também esteve envolvido nas relações com o Irã e o Iraque na  década de 80, durante o escândalo conhecido como Irã-Contras. Na ocasião foi investigado por um possível delito.



Por ironia, os “guerrilheiros” fundamentalistas islâmicos que Washington apoiava naquele tempo são os mesmos agora considerados como ameaças mortais aos EUA.



“Terreno comum”



“Foi uma surra”, admitiu o presidente. “Obviamente, estou decepcionado com os resultados da eleição e, como dirigente do Partido Republicano, compartilho grande parte da responsabilidade”, declarou, em seus primeiros comentários, feitos na Casa Branca.



“Eu disse aos líderes de meu partido que agora é nosso dever deixar as eleições para trás e trabalhar em conjunto com os democratas e os independentes nos grandes temas que este país enfrenta”, agregou o governante republicano.



Disse que faolou por telefone com os líderes democratas, para felicitá-los e convidá-los ao trabalho conjunto durante os próximos dois anos. Repetiu esta mensagem e insistiu que é necessário achar um “terreno comum”.



Bush agregou que “a mensagem de ontem (terça-feira) foi clara: o povo estadunidense quer que seus líderes deixem de lado suas diferenças partidistas, que nos comportemos de maneira ética e trabalhemos juntos para abordar os desafios que nossa nação enfrenta”.



Mais do mesmo?



Por sua vez, Nancy Pelosi, que será a próxima presidente da Câmara, a primeira mulher a ocupar o posto e também a mais poderosa da história do país (terceira na linha de sucessão) falou nos mesmos termos, em cooperação e bipartidarismo.
Embora ela tenha sublinhado que a mensagem eleitoral foi “por uma mudança”, e em especial “uma mudança de direção no Iraque”, não apresentou propostas sobre em que isso implicaria.



Com tanto bipartidismo e cooperação, parece qye a mensagem de mudança enviada pelos votantes está se traduzindo em mais do mesmo, com algumas mudanças de nomes e talvez de retórica. No entanto, o drama ainda não se concluiu e a derrota republicana pode ser ainda mais séria.



Fracasso no Senado



Durante semanas, antes das eleições, havia claros indícios de que os democratas poderiam recuperar a maioria e portanto o controle da Câmara de Representantes. Mas poucos prognosticavam o mesmo no Senado.



Na noite do dia da eleição, três cadeiras senatoriais aguardavam a apuração para se saber se os republicanos manteriam sua maioria ou se os democratas recuperariam o poder. Na quarta-feira, só um deles restava: o estado de Virginia.



À noite, vários dos principais veículos de comunicação projetavam o triunfo do democrata James Webb em Virginia, embora o resultado ainda não tenha sido confirmado oficialmente nem aceito pelo presumido perdedor.



Caso este seja o resultado final, como todos antecipam, a margem entre os dois partidos agora na câmara alta é de 49 republicanos para 51 democratas (número que inclui dois independentes). Antes da eleição era de 55 republicanos para 45 democratas.



A competição eleitoral pelo senador de Virginia resultou numa diferença de menos de 0,5% (com o candidato democrata desfrutando de uma vantagem de pouco mais de 7 mil votos).



Uma recontagem inicial das urnas começou e, a menos que um dos dois candidatos reconheça a derrota, o processo pode se estender por pelo menos duas semanas, e talvez mais de um mês.



No entanto, a NBC News, a CBC News e a agência AP já proclamaram a vitória do democrata. Tudo indica que não haverá uma mudança no resultado mesmo que ocorra uma recontagem total.



Champanhe por desarrolhar



Com o quase certo triunfo dos democratas nas duas casas do Congresso, a agenda legislativa do republicano Bush durante os seus dois últimos anos como presidente fica quase anulada.



A partir de seu novo pder legislativo, os democratas também poderiam começar a impor limites à expansão do poder presidencial logrado nos últimos seis anos. E ampliarão suas oportunidades políticas com vistas às eleições presidenciais de 2008.
Os votantes expressaram seu repúdio às políticas bélicas e ao rumo do país. Mas ainda não têm garantia de que isso seja traduzido em fatos por parte de uma cúpula política que parece mais interessada em cooperar entre si que em implementar um câmbio real na política interna e externa dos EUA.



Por enquanto, os democratas comemoram seu crescimento de pelo menos 28 cadeiras na Câmara (a xcorrelação agora é de 230 a 196), que lhe dá o controle dessa parte do Congresso. No Senado as garrafas de champanhe ainda esperam para ser desarrolhadas.



* Diário de esquerda mexicano; intertítulos do Vermelho