Cotas raciais: as divergências entre Ruy (PCdoB) e Miranda (PT)
Por André Cintra
''Um fato auspicioso'', ''uma grande iniciativa''. Foi assim que o deputado estadual Nivaldo Santana (PCdoB-SP) apresentou o debate sobre cotas raciais promovido na terça-feira (21/11), em São Paulo (SP), pelo restaurante Soter
Publicado 23/11/2006 16:29
Contrário à medida, José Carlos Miranda, membro do PT e do Movimento Negro Democrático Socialista, defendeu que a ''reparação'' por esse meio não é ''caminho para mais igualdade''. A seu ver, ''a questão social deve prevalecer na elaboração de políticas afirmativas'' – idéia da qual o jornalista José Carlos Ruy, o outro debatedor da noite, discorda. Miranda elogiou o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), presidente da Câmara Federal. ''Concordo quando o Aldo diz que precisamos de 'medidas mais brasileiras e universais'.''
De acordo com o petista – que integra a corrente O Trabalho e se declara ''trotskista'' -, a história do Brasil registra uma ''divisão social em duas classes''. Na luta pela inclusão, é preciso – apontou Miranda – trocar o foco da raça, da cor da pele, pelo critério de renda. ''O combate ao racismo é pura luta de classes. A pobreza é o que interfere na condição da maioria dos brasileiros.''
Em direção oposta foi José Carlos Ruy, editor do jornal A Classe Operária, do PCdoB. Na opinião do jornalista, as cotas são instrumentos ''válidos'', ''justos'' e ''necessários'' para permitir o acesso da população negra ao ensino superior. Certos argumentos de quem condena as cotas caem no ''principismo'', segundo Ruy. ''Essa parcela do povo brasileiro (os negros) ainda sofre os efeitos da escravidão e paga um preço maior.'' As cotas, nesse sentido, teriam a função de compensar uma defasagem histórica.
''No inconsciente brasileiro''
O princípio dessa ação, de acordo com o representante do PCdoB, é pôr a busca da igualdade como tema central. ''É uma questão que nos coloca perante o espelho: 'Quem somos nós? Quem são os brasileiros'''. Se admite que a população do Brasil tem ''um DNA que é fruto da miscigenação'', Ruy também faz um alerta, evocando o falecido historiador Clóvis Moura: ''O inconsciente brasileiro é racista. O problema está entranhado em nosso imaginário''.
O jornalista se diz ''irritado'' com a grande aversão a cotas raciais. ''Quando damos preferência de vagas a deficientes físicos, ninguém fala nada''. E lembrou um gesto importante da Era Vargas. ''Nos anos 30, o presidente (Getúlio) Vargas teve de fazer uma lei que garantisse a participação de brasileiros nas empresas. Na época, um terço dos empregados deveria nascer no Brasil''.
Mais ações
Apesar das divergências, Ruy e Miranda concordam que a inclusão social requer políticas públicas amplas. ''É claro que os negros não se emanciparão apenas com as cotas. É um gesto positivo, mas insuficiente'', ressalvou Ruy. Para Miranda, cabe ao governo federal destinar mais verbas em favor da educação, com aumento real de vagas nas universidades públicas.
Com esse encontro, no rastro do Dia da Consciência Negra (20 de novembro), o Soteropolitano reuniu quase 30 pessoas. É o primeiro de uma série prevista para o local – um misto de restaurante e espaço cultural na Vila Madalena, que se abre a exposições e debates. Foi no Soteropolitano, por exemplo, que a editora Boitempo lançou Fidel Castro – Biografia A Duas Vozes, do jornalista francês Ignacio Ramonet.