Altamiro propõe que possível campanha de boicote à Veja tenha como abertura texto de Gramsci

O Secretário Nacional de Comunicação do PCdoB, Altamiro Borges, em palestra proferida no dia 02 (sábado) durante o 12º Curso Nacional do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) propôs que uma possível campanha de boicote à revista Veja tenha como abert

Altamiro e a historiadora da UFF, Virgínia Fontes, abordaram o tema “Marx, Lênin, Gramsci e o papel da mídia, hoje”. Ambos resgataram a importância que os teóricos do socialismo davam à comunicação e exortaram a esquerda atual a estudar, com o mesmo afinco, o fenômeno da mídia moderna e seu papel na luta de classes. Durante sua exposição, Altamiro leu o texto, “Os Jornais e os Operários”, escrito por Gramsci em 1916. O texto, embora escrito há 90 anos atrás, impressiona por sua atualidade. (Leia abaixo a íntegra).


 


Curso do NPC debateu mídia e a manipulação das consciências


 


O Curso do NPC foi realizado do dia 30 de novembro a dois de dezembro e teve como tema “A fusão da mídia com o Estado – uma indústria de manipulação das consciências”. Cerca de 180 pessoas de 22 estados participaram.


O encontro debateu entre outros temas mídia e política no século XXI, cultura midiática, TV Digital, cinema e transformação social.


Na mesa com o tema “O governo Chávez e a comunicação”, o jornalista Beto Almeida, diretor da TV-Sul, disse que Chávez, até sofrer o golpe de abril de 2002, não tinha despertado para a necessidade de enfrentar os monopólios privados de comunicação. Hoje, a maioria dos estudiosos dos fatos de abril de 2002 caracteriza os acontecimentos como um “golpe midiático”. Quando Chávez foi preso pelos golpistas, a mídia hegemônica venezuelana difundia a versão de que o presidente havia renunciado. No Brasil, a quase totalidade da mídia difundia a mesma versão, justificando a “renúncia” de Chávez como coroamento de uma “exigência da sociedade civil”. Foram as rádios comunitárias (que até então não contavam com qualquer apoio do governo) das favelas de Caracas que difundiram para a população a verdade: Chávez havia sido seqüestrado, o que foi fundamental para impulsionar a mobilização popular e derrotar os golpistas. Foi a partir daí – constatada a incompatibilidade da convivência pacífica entre o aprofundamento da democracia e os monopólios privados de comunicação – que Chávez partiu para o confronto, entre outras coisas apoiando decididamente as iniciativas populares na área da comunicação e investindo na rede pública de televisão, o que foi minuciosamente relatado por Beto Almeida.


 


A luta pela democratização não avançou no governo Lula


 


A luta pela democratização dos meios de comunicação não avançou no governo Lula. Para o diretor da TV-Sul, Beto Almeida, o presidente Lula não despertou para a necessidade de apoiar essa causa. A intervenção do jornalista Ricardo Kotscho ajuda a entender os limites e contradições do governo Lula. Kotscho foi, durante dois anos, Secretário de Imprensa do Governo Lula e é grande amigo do presidente há quem acompanha desde a primeira campanha presidencial em 1989. Ricardo Kotscho, que sempre trabalhou na grande mídia e mantêm com seus proprietários vínculos estreitos, em sua palestra, parte de uma constatação óbvia “os grandes grupos de comunicação têm contradição entre si pois são concorrentes” para, a partir daí, tirar uma conclusão surpreendente: “dizer que a grande mídia é um bloco que age de acordo com interesses pré-definidos não é verdade”. Embora admitindo que certas parcelas da mídia por vezes são parciais Kotscho sustenta que “esse clima de guerra com a mídia não ajuda a ninguém”. Entretanto, o professor de comunicação da UNB, Venício Lima, divulgou o estudo de três institutos independentes que monitoraram o comportamento da mídia durante as eleições. Estes estudos, mesmo com metodologias diferentes, apontaram um mesmo resultado: um grande desequilíbrio no noticiário a favor do candidato Geraldo Alckmin – campeão disparado de referências positivas – e contra o candidato Lula, campeão disparado de referências negativas. Um dos institutos monitorou os 14 principais colunistas da mídia impressa e constatou que 12 deles fizeram campanha aberta para Alckmin, um foi neutro e outro foi favorável a Lula.


 


NPC fará campanha nacional para discutir concessões


 


O grande interesse pelo curso e a necessidade de discutir a democratização foram os pontos destacados por Vitor Giannotti, um dos organizadores do curso. Dos participantes, 80% era de sindicatos e jornalistas destas entidades e 20% de representantes de movimentos sociais, ongs, secretarias de comunicação de prefeituras e estados, estudantes e professores.


Para Giannotti “o ponto central foi a necessidade de se discutir uma política de comunicação para a disputa hegemônica da sociedade. A revisão das concessões de rádio e tv também foi outro tema debatido. Foi aprovado no curso que o NPC faça uma campanha nacional para recolher assinaturas para discutir as concessões de rádio e TV”.


O Secretário Estadual de Comunicação do PCdoB-RJ, Wevergton Brito Lima, participou do curso e na sua avaliação “ele aconteceu em um momento especial, já que a luta pela democratização dos meios de comunicação finalmente surge como prioridade e ganha relevância, inclusive com a mídia hegemônica fazendo constantes e cerrados ataques contra esse movimento, que ainda é incipiente e precisa, sem descuidar do estudo e do debate, partir para ações concretas”. Wevergton alerta que “é necessário legitimar esse movimento (de democratização dos meios de comunicação) através de uma adesão cada vez maior a seus pressupostos, o que, entre outras coisas, exigirá apoio e engajamento em experiências populares que já existem, como é o caso das Rádios Comunitárias”.


 


 


Os Jornais e os Operários
Antonio Gramsci
1916


 


É a época da publicidade para as assinaturas. Os diretores e os administradores dos jornais burgueses arrumam as suas vitrines, passam uma mão de tinta pela tabuleta e chamam a atenção do passante (isto é, do leitor) para a sua mercadoria. A mercadoria é aquela folha de quatro ou seis páginas que todas as manhãs ou todas as tardes vai injetar no espírito do leitor os modos de sentir e de julgar os fatos da atualidade política que mais convém aos produtores e vendedores de papel impresso. Estamos dispostos a discorrer, com os operários especialmente, sobre a importância e a gravidade daquele ato aparentemente tão inocente que consiste em escolher o jornal que se pretende assinar?


É uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão. Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês. Deveria recorda-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente influenciado por uma idéia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta preocupação. Mas o pior reside nisto: em vez de pedir dinheiro à classe burguesa para o subvencionar a obra de defesa exposta em seu favor, o jornal burguês consegue fazer-se pagar pela própria classe trabalhadora que ele combate sempre. E a classe trabalhadora paga, pontualmente, generosamente. Centenas de milhares de operários contribuem regularmente todos os dias com seu dinheiro para o jornal burguês, aumentando a sua potência. Porquê? Se perguntarem ao primeiro operário que encontrarem no elétrico ou na rua, com a folha burguesa desdobrada à sua frente, ouvirão esta resposta: É porque tenho necessidade de saber o que há de novo. E não lhe passa sequer pela cabeça que as notícias e os ingredientes com as quais são cozinhadas podem ser expostos com uma arte que dirija o seu pensamento e influa no seu espírito em determinado sentido. E, no entanto, ele sabe que tal jornal é conservador, que outro é interesseiro, que o terceiro, o quarto e quinto estão ligados a grupos políticos que têm interesses diametralmente opostos aos seus. Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe burguesa e a política burguesa com prejuízo da política e da classe operária. Rebenta uma greve? Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores.


O governo aprova uma lei? É sempre boa, útil e justa, mesmo se não é verdade. Desenvolve-se uma campanha eleitoral, política ou administrativa? Os candidatos e os programas melhores são sempre os dos partidos burgueses. E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar disto, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é sem limites. É preciso reagir contra ela e despertar o operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir que a moeda atirada distraidamente para a mão do ardina é um projétil oferecido ao jornal burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa operária.
Se os operários se persuadirem desta elementaríssima verdade, aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma disciplina com que a burguesia boicota os jornais dos operários, isto é, a imprensa socialista.


Não contribuam com o dinheiro para a imprensa burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra neste momento, caracterizado pela campanha de assinaturas, feitas por todos os jornais burgueses. Boicotem, boicotem, boicotem!