Reforma política e eleições das Presidências no Congresso

Por Marcelo Costa Ferreira*
As eleições para as Presidências do Senado e da Câmara não só têm gerado muita polêmica entre os analistas  e congressistas como também se transformaram em foco de instabilidade política. Um dos principais motivos é a e

A eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP/PE) para a Presidência da Câmara em 2005 foi um divisor na história recente do Congresso. Excluindo-se a candidatura marginal, e bem sucedida, de José Bonifácio (Arena/MG) ao cargo máximo da Câmara no biênio 1968/1969, nunca, salvo engano, um presidente da Câmara dos Deputados conseguiu ser eleito sem o apoio do presidente de República  e dos partidos mais poderosos.



Entretanto, a ameaça de instabilidade política no processo de eleição do deputado Federal Aldo Rebelo (PcdoB/SP), tanto para um mandato-tampão, em setembro de 2005), quanto agora para o biênio 2007/2008, revela que o fator instabilidade agora faz parte do processo da eleição ao cargo máximo na Câmara dos Deputados, e numa intensidade muito menor, no Senado Federal.



Entre as diversas razões deste fato, destaca-se a tensão entre o grau de democratização na sociedade brasileira desde o fim dos governos militares, 1985, e a estrutura interna de poder no Congresso. O Parlamento brasileiro não está  imune ao avanço da democracia, mas a estrutura hierárquica e centralizada do processo decisório no Senado Federal e na Câmara dos Deputados é mais hierárquica e mais centralizada do que na própria época dos regimes autoritários – uma estranha conseqüência do Processo Constituinte de 1986/1988. Este fato gera dois processos, dois lados de uma mesma moeda: o poder excessivo dos presidentes do Senado e da Câmara, por um lado; por outro, a existência do denominado “baixo clero” (o jargão da análise política rotulou com este termo os parlamentares com pouco prestígio), fenômeno muito presente na Câmara e bem menos no Senado Federal.



As análises da Constituição Federal de 1988 e dos Regimentos Internos do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados não deixam margem de dúvida quanto à dicotomia presidentes e Mesas Diretoras versus Baixo Clero. Os presidentes do Senado e da Câmara têm poderes excessivos: podem impedir ou fomentar impeachments, paralisar ou fazer avançar projetos de lei, punir ou não parlamentares, em um vasto repertório de formas de exercício do poder.



O fenômeno do “baixo clero” não é exclusivo ao Parlamento brasileiro. Diversas casas parlamentares do mundo apresentam este tipo de legislador. O Parlamento da Inglaterra consiste um dos mais ilustrativos exemplos, enquanto o Congresso dos Estados Unidos tende a ser um dos que mais confere poder aos congressistas na Casa dos Representantes, o eqüivalente estadunidense da Câmara brasileira. Contudo, a constatação da existência do “baixo clero” não implica em aceitar de forma pacífica os problemas na qualidade da representação parlamentar. Em outras palavras: no Congresso Nacional Brasileiro, um parlamentar com uma votação muito expressiva é alvo de uma deferência especial que necessariamente não costuma vir acompanhada de poder político efetivo no interior do processo decisório parlamentar, numa clara violação de um princípio de legitimidade da prática política: mais votos ou apoio político, maior poder.



Contudo, o custo desta estrutura hierárquica e centralizada no Congresso Nacional é o esvaziamento da própria instituição como instância democrática e de negociação política. Como os parlamentares individualmente têm pouco poder no processo decisório, em detrimento dos presidentes, membros da Mesa Diretora e líderes de bancada, as comissões temáticas no Senado e na Câmara acabam tendo um papel quase que decorativo no processo legislativo em detrimento das Comissões de Constituição e Justiça, Orçamento/Finanças; ou das Comissões Especiais ou  Comissões Parlamentares de Inquérito. 



Este fato – combinado com a existência do voto secreto nas eleições para as Presidências das Casas parlamentares – é um grande incentivador das dificuldades na aprovação de Emendas Constitucionais, ou da instabilidade nas eleições das Presidências no Congresso Nacional. Estes processos consistem num dos poucos momentos em que o parlamentar individualmente tem poder de barganha. E desde 2005 têm se transformado num verdadeiro “vale-tudo” eleitoral/legislativo.



É urgente uma reforma política no interior das instâncias de poder no Congresso Nacional, e principalmente na Câmara. Em primeiro lugar, o esvaziamento do poder dos respectivos presidentes e Mesas Diretoras; em segundo, o fortalecimento das comissões temáticas e o impedimento – salvo casos muito especiais – da ingerência do Plenário e da Mesa Diretora em decisões das comissões permanentes; em terceiro, o extinção das Comissões de Constituição e Justiça ou de Finanças/Orçamento – dado que as mesmas freqüentemente têm deliberado questões de natureza exclusivamente política, sem nenhum embasamento constitucional ou de cunho financeiro/orçamentário – transferindo as suas atribuições para as próprias comissões permanentes; quarto, o término do Colégio de Líderes na Câmara dos Deputados, cuja existência não só é um fator de enfraquecimento do processo democrático de debate e deliberação entre os diversos deputados, como também acaba na prática restaurando o voto de liderança, implantado no Parlamento na época do regime militar; quinto, o aumento do mandato nas Presidências, Mesas Diretoras e outras instâncias no Congresso de dois para quatro anos, com a possibilidade de reeleição para mais um mandato de quatro anos – permitindo o fomento à experiência parlamentar e o estímulo a prática parlamentar do processo legislativo; e a sexto, o fim do voto secreto para qualquer tipo de votação no Congresso Nacional, pois a sua existência não só estimula a quebra de acordos – um dos pilares da prática política – como também impede o acompanhamento pelo eleitor das atividades do seu respectivo representante no Parlamento. 



* Professor de Ciência Política na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)