Linha 4: Lula Miranda ataca governo tucano e pede memorial

No artigo “O consórcio dos incompetentes”, Lula Miranda analisa a cratera na Linha 4 do Metrô e faz uma proposta: “Que ali mesmo, naquele exato local, praticamente às margens do fétido rio Pinheiros, seja erguido um memorial às vítimas da imperícia e inco

“O consórcio dos incompetentes”


 


Por Lula Miranda


 


O povo de São Paulo – quem sabe, do Brasil – recebeu mais uma dura e doída lição com a tragédia da cratera numa das frentes da obra da linha 4 do Metrô da cidade: incompetência mata. Uma outra lição acessória, por assim dizer, que pode se depreender desse trágico acontecimento: a (má) política de se entregar à iniciativa privada, sem qualquer controle ou fiscalização, a gestão da coisa pública é temerária, criminosa. E não há como, mesmo que alguns reclamem, fugir de uma possível (indevida?) “politização da desgraça” e não reconhecer a culpa da gestão tucana que governa o estado há mais de 12 anos. Não há como. Não há como silenciar.


 


Esse mesmo povo de São Paulo já havia recebido antes uma outra lição (nesse caso, agregue-se à palavra lição o inconveniente sentido de castigo) com a superlotação e com as inúmeras rebeliões na Febem (agora singelamente rebatizada de “Fundação Casa” – como se bastasse trocar o nome para os problemas se resolverem, como num passe mágica ou do ilusionismo canhestro de sempre). Já deveria ter aprendido com as dantescas e inacreditáveis cenas, como em uma dentre inúmeras rebeliões, de um menor sendo decapitado, de um sendo esfaqueado, de um outro sendo atirado de uma muralha de 10 metros de altura, de monitores amarrados a botijões de gás. Choque de gestão. Choque de brutalidade. Ou seja: a incompetência tucana na Febem matou, mata e matará ainda mais. Mata também nas ruas e vielas da cidade. Mata, de modo literal – quantos menores já não morreram nos cárceres da Febem, nas mãos de traficantes ou, na calada da noite, em “confrontos” com a polícia? Mas mata, também, o futuro e os sonhos de milhares de jovens que tiveram seu futuro interditado – e mata, por fim, a alegria e a vontade de viver de muitos pais, mães, irmãos. Destrói o futuro de uma nação. É a chamada geração FHC. Ou seria mais apropriado falar em “geração Alckmin”? Difícil dizer. A desgraça é a mesma, mas somente para os que a sofrem. Para os que a sentem na pele. Para os mesmos de sempre: os pobres.


 


O povo de São Paulo também já recebera uma outra amarga e difícil lição, com a onda de violência imposta à cidade pelo crime organizado, em maio de 2006 – os criminosos, por sua vez, justificavam sua injustificável sanha de violência como uma reação às desumanas condições carcerárias. Em São Paulo, como quase em todos os estados da União, os apenados são amontoados/empilhados em cárceres inóspitos – são homens, mas são tratados como coisas, como lixo. São Paulo, ao que parece, muito pouco aprendeu com o massacre do Carandiru. Mas não se deve defender os direitos humanos de bandidos – não é mesmo?


 


Eu vi, senti e compartilhei o pânico no olhar dos cidadãos marchando em hordas, tal qual boiada, tangida pelo medo, caminhando a esmo, como que fugindo escorraçados para suas casas. Caminhavam quilômetros a pé, pois ônibus não havia: os ônibus estavam sendo incendiados e/ou apedrejados por bandidos e arruaceiros oportunistas. Eu vi o silêncio constrangedor da outrora vida pulsante na maior e mais rica cidade do país sendo emudecida pela barbárie (traduzindo: pela incompetência/inépcia/negligência dos homens públicos). E isso eu não esquecei nunca. E serei, para sempre, uma inconveniente testemunha desse triste episódio.


 


O povo de São Paulo ainda observa, com indiferença e silêncio, a destruição da educação e da rede de ensino público em todo o estado. Um verdadeiro crime de lesa-pátria (talvez melhor dizer lesa-estado ou lesa-cidadania), cujas conseqüências já são hoje tangíveis e, num futuro próximo, nos conduzirá celeremente, decerto, à falência de valores, à perda da cidadania, ao descalabro.


 


A incompetência tucana em São Paulo, que, na verdade, é a incompetência da nosa elite, cometeu a imprevidência criminosa de colocar, no governo passado, como secretário da educação (veja bem, como secretário da educação!) um dândi travestido de pop-star, um arauto da pedagogia da auto-ajuda a (des)serviço do ensino público. Afinal, essa é a efetiva importância que eles dão à educação: “a cereja do bolo”. O resultado, como se vê, é catastrófico, para muito além dos números e frias estatísticas: jovens recém saídos do ensino médio são analfabetos funcionais.


 


Diante de tantas e evidentes desgraças e tragédias, caros leitores, a imprensa de São Paulo, como sempre e mais uma vez, calou-se, não procurou os verdadeiros culpados. Agora eles vendem a notícia da tragédia na obra do Metrô (e olhem que já ocorreram outros 10 acidentes nessa mesma obra) como “fatalidade” devido às más condições do solo e do tempo. Ou transferem toda a culpa a um certo consórcio de empreiteiras – o “consórcio” culpado, na verdade e no fundo, é um outro, mais abrangente: o consórcio das elites, o consórcio dos incompetentes. Mais uma vez, omitem a culpa (devida) dos incompetentes gestores da coisa pública, dos homens públicos. Mas, só omitem porque os culpados são seus iguais – ou seja, os que integram, desde sempre, o mesmo consórcio dos incompetentes. Um consórcio infame, imoral, que pretende conduzir-nos célere e diligentemente a outras tantas tragédias.


 


Que naquele mesmo local, que hoje parece, aos nossos olhos, a horrenda bocarra de um monstro que a tudo traga/devora, que ali seja construída uma praça – com direito a mármore, piso em granito, gramado impecável (tipo tapete) e paisagismo caprichado (tipo Burle Marx). Sim, que ali mesmo, naquele exato local, praticamente às margens do fétido rio Pinheiros, seja erguido um memorial às vítimas da imperícia e incompetência do Estado e dos homens públicos. Para que nunca mais nos esqueçamos de mais essa lição que nos foi duramente impingida. Para que nunca mais esqueçamos de mais essa lição. Nunca mais.