Paulo Nogueira Batista Jr.: Desenvolvimento “light”?

Nas minhas insônias, que não são poucas, ando relendo os pré-socráticos. Sempre me interessei por eles, particularmente por Heráclito. E é com Heráclito que começo hoje: “Não devemos julgar apressadamente as grandes coisas”.

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é abrangente, complexo e composto de medidas muito variadas. As reações iniciais também foram variadas e freqüentemente negativas, talvez com razão. Muitos consideraram o PAC insuficiente, estatizante ou ineficaz.



Tenham ou não razão esses críticos, um ponto precisa ser reconhecido: o PAC traduz uma mudança na orientação da política econômica.



No primeiro mandato de Lula, prevaleceu a concepção liberal-conservadora de um Estado basicamente passivo, cuja função seria ajustar as contas públicas, combater a inflação e realizar reformas microeconômicas. O crescimento sustentado da economia viria como subproduto quase automático da confiança despertada pelas políticas “responsáveis” e “market-friendly”.



Como se sabe, o crescimento não aconteceu. O PAC reflete uma nova concepção em que o Estado volta a ter um papel mais ativo na promoção do desenvolvimento, como investidor em áreas estratégicas e indutor de investimentos privados.



A mudança em curso pode ser excessivamente cautelosa ou lenta, mas ela é significativa. O governo Lula está migrando aos poucos para o desenvolvimentismo, talvez um desenvolvimentismo “light”.



A apresentação do PAC deixou a desejar, o que contribui para dificultar a sua avaliação. Muitas das medidas ficaram no ar. As estatísticas e as projeções apresentadas não foram bem esclarecidas. Em todo caso, parece claro que o foco do programa está no aumento dos investimentos em infra-estrutura econômica e social (energia, transporte, saneamento, habitação), com forte participação e liderança do governo federal e de empresas estatais. Há consenso de que as deficiências acumuladas nessas áreas, ao longo de diversos governos, constituem um dos principais obstáculos à retomada do desenvolvimento.



Se o PAC não foi mais ambicioso, isso se deve essencialmente a dois motivos interligados. Primeiro: os gastos correntes não-financeiros, que vêm crescendo rapidamente desde o governo Fernando Henrique Cardoso, receberam impulso adicional por medidas tomadas em 2006 e neste início de ano. Segundo: o governo não quer (ou não pode) reduzir muito a meta para o superávit primário, que se destina a cobrir pelo menos parte dos juros da dívida pública; com o PAC, essa meta passa de 4,25% para 3,75% do PIB.



O investimento privado é o principal componente do investimento agregado. Pode-se prever que ele responderá positivamente ao PAC?



Em princípio, sim. O governo demonstra disposição de atuar sistematicamente para remover gargalos atuais e potenciais de infra-estrutura, o que atenua custos e incertezas das empresas privadas. As medidas de desoneração tributária devem redundar em alguma ampliação do investimento nos setores beneficiados. No mercado financeiro, o PAC também não deve despertar temores de inconsistência fiscal e deterioração das contas governamentais.



Mas há diversos problemas a serem superados para que ocorra a desejada recuperação do investimento agregado e a aceleração do ritmo de crescimento do PIB. Ainda subsistem dois redutos fundamentais da linha FMI-Malan-Palocci: o Banco Central e a Receita Federal. Apesar das desonerações do PAC, a carga tributária brasileira continuará alta demais, afetando negativamente o investimento privado e o crescimento econômico. A combinação juros-câmbio continua bastante hostil à aceleração do crescimento.



O PAC não toca nessas questões monetárias nem nos altíssimos “spreads” bancários. Em todo caso, vamos aguardar. O que foi lançado nesta segunda-feira é a primeira etapa de um plano que terá desdobramentos. Pode-se avançar mais na diminuição da carga tributária e das taxas de juro cobradas pelos bancos. O governo e o Banco Central têm meios, a começar pela redução mais rápida dos juros básicos, de assegurar uma taxa de câmbio mais competitiva. A queda mais rápida dos juros alargaria a margem de manobra do PAC, abrindo espaço adicional para cortar impostos e ampliar o investimento público.



Podemos ter esperanças? Creio que sim. Volto a Heráclito: “Se não tiveres esperança, não encontrarás o inesperado”.



Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e professor da FGV-EAESP