Elias Jabbour traça relatos de outra viagem sua à China

Na primeira vez em foi à China, há três anos, o geógrafo Elias Jabbour colheu subsídios para sua dissertação de mestrado, que redundou no livro China – Infra-estruturas e Crescimento Econômico. Agora, como assessor econômico da Presi

A viagem foi a convite do Instituto do Povo para Assuntos Estrangeiros. Ao lado do geógrafo, estavam os deputados Francisco Rodrigues (PFL-RR) e José Rocha (PFL-BA), além do economista Eduardo Fernandez, representando a Consultoria Legislativa da Câmara. A comitiva, uma vez na China, procurou perceber as diferenças que fazem dos chineses os campeões mundiais em crescimento econômico.


 


''Fui o responsável em elaborar o roteiro da viagem, junto ao embaixador da China no Brasil, o sr. Chen Duqing'', explica Jabbour, que é mestre e doutorando em Geografia Humana pela USP. ''Logo procurei focar três cidades litorâneas (Pequim, Xangai e Shenzen) e outra interiorana (Chongqing).


 


De volta ao Brasil, Elias Jabbour concedeu a seguinte entrevista ao Vermelho, em que analisa, também, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), anunciado na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


 


A missão do parlamento brasileiro estabeleceu conversações com os deputados da Assembléia Popular da China?
Não, por uma razão objetiva: o nosso objetivo era conhecer as estratégias adotadas pelos ministérios relacionados às infra-estruturas – ferrovias, construção, etc. – desde a concepção de uma obra até o financiamento da mesma. Por exemplo, no Ministério das Ferrovias descobrimos que parte do orçamento para execução das obras – em 2007 a China vai investir US$ 37 bilhões em novas ferrovias – é financiado ao ministério pelo sistema estatal bancário.


 


Ora, percebendo-se a grande liquidez deste tipo de investimento, os bancos se propõem a emprestar ao ministério para pagamento em 15 anos. Na China não somente o capital bancário se fundiu com a indústria, mas principalmente está fundindo-se com o próprio Estado e suas necessidades no âmbito dos ministérios. Algo inimaginável para os nossos padrões monetaristas – e que deve ser mais estudado para melhor entender como a China investe anualmente 43% de seu PIB.


 


No âmbito das cidades visitadas, nosso objetivo foi acumular experiências que nos permitisse compreender, por exemplo, as transformações institucionais que permitem uma cidade como Shenzen – que há 25 anos era uma vila de pescadores – se transformar no motor econômico do sul da China, pari passu com Hong-Kong. Isso sem falar que a criação da Zona Econômica Especial de Shenzen foi essencial para a criar uma zona de convergência econômica que possibilitou a absorção de Hong-Kong ao território econômico chinês.


 


Isso sem falar de Chongqing, no meio-oeste, que entre 2001 e 2010 recebe anualmente do governo chinês cerca de US$ 20 bilhões para transformar esta outrora decrépita cidade no centro dinâmico da ''expansão a oeste'' na China. Daí ter se tornado convencional nomear Chongqing de a ''Chicago Chinesa'', dado o papel de Chicago na expansão ao oeste e conseqüente unificação territorial norte-americana na segunda metade do século 19


 


O governo Lula acaba de apresentar seu Plano de Aceleração do Crescimento 2007-2010. Certamente o Congresso do Brasil terá papel destacado na implementação desse programa. Como um plano do gênero é discutido no caso dos planos estratégicos na China?
É preciso destacar que são formas muito diferentes de abordagem entre os dois países. De certo o governo Lula está dando um passo gigantesco no processo de planificação econômica que havia sido literalmente abandonado a partir das chamadas ''políticas estabilizadoras'' implantadas a partir da década de 1980.


 


Já os chineses convivem com a planificação econômica há cerca de 2.000 anos. A primeira planificação urbana de Pequim data de 1.600 anos atrás por ocasião da ocupação mongol (Kublai Khan). Isso sem falar das imensas obras hidráulicas que datam outros séculos de existência.


 


No sentido atual, a planificação econômica na China, juntamente com a propriedade social dos meios estratégicos de produção servem para o objetivo de domínio humano sob a ação das leis econômicas objetivas. Daí a China crescer ininterruptamente a mais de duas décadas, independente das crises.


 


Agora, os atuais Planos Qüinqüenais tiveram início em 1952. No ano passado iniciou-se o 11º Plano Qüinqüenal (2006-2010). O processo de elaboração passa necessariamente pelas comissões anexas ao Comitê Central do Partido Comunista da China. Daí a ser apreciado pelo Conselho de Estado, até ser sancionado na reunião anual da Assembléia Nacional Popular que ocorre todo o mês de março. O planejamento é método de governo na China.


 


O PAC deverá ter três eixos de investimento, para aplicar mais de 500 bilhões de reais: Logística, com aplicações na área dos transportes; Energético, tratando de energia renovável e não-renovável e de infra-estrutura urbana e social. Como estão estes níveis de investimento na China de hoje?
Com certeza, as pessoas que tiveram acesso ao meu livro sabem as diferenças chinesas: entre 1998 e 2004, os chineses investiram cerca de US$ 800 bilhões em infra-estruturas, enquanto o Brasil somente investiu US$ 18 bilhões. Para o 11º Plano Quinquenal a China, vai investir US$128 bilhões em novas ferrovias. Ou seja, o PAC recém-anunciado pelo nosso governo ainda está muito aquém dos números chineses.


 


Todos os níveis de investimento em infra-estruturas na China perseguem os seguintes objetivos: unificação econômica nacional, diminuir o déficit energético, diminuir a utilização de energéticos poluentes (carvão), unificar mercados locais, regionais e consequentemente o nacional e ultimamente, agredir o menos possível a natureza. Por exemplo, 37% da Zona Econômica de Pudong (Xangai) é coberta de áreas verdes.


 


As construções de metrôs nas grandes cidades segue ainda o acertado esquema soviético, ou seja, primeiro leva-se o metrô para depois levar as habitações, as indústrias, etc. E tem gente que fala que acabou o instituto de planejamento na China. Essa formatação de expansão urbana tem duas vantagens: 1) as transformações radicais não afetam negativamente os centros das cidades e, sim, de forma positiva as suas periferias; e 2) esse tipo de planejamento previne a ação da chamada – por Marx – de renda diferencial, que em curtas palavras, são as rendas obtidas por exemplo, pela especulação imobiliária. O solo urbano na China ainda é propriedade social.


 


Qual o sentimento que você aquilatou do povo chinês durante a viagem a respeito das perspectivas sociais e políticas da China?
Os chineses comuns não são muito dados a discutir política. E não vejo mal sinal nisso, pois, como todo povo trabalhador, o chinês está muito mais preocupado em viver do que outra coisa. E se ele estiver vivendo – como está hoje – melhor para o status quo reinante.


 


Agora, é importante salientar que fiquei por Paris durante seis horas e pude sentir o clima de lá: simplesmente incomparável com o ar subjetivo que se respira nas cidades chinesas, onde uma sociedade pulsa com vistas ao futuro. Futuro, como observava Lênin, que já é passado na Europa.


 


 


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