Obras das Olimpíadas revelam tesouros arqueológicos na China

Relíquias chinesas de 2000 anos foram descobertas durante construções.
Em todo o país, a arqueologia é ameaçada pelas construtoras e pelos saqueadores.

Quando Pequim deu início às gigantescas construções destinadas a sediar as Olimpíadas de 2008, viu-se diante de uma dificuldade trazida por tempos imemoriais. Os operários descobriram um mausoléu de eunucos enterrado no local onde acontecerão as competições de tiro ao alvo, na fronteira a oeste da cidade. E essa não foi a única descoberta.


 


Em toda a faixa norte da cidade, pesquisadores examinaram os locais dos principais estádios olímpicos e descobriram relíquias arqueológicas que remontam a 2000 anos, período da dinastia Han. No total, os arqueólogos escavaram 700 sepulturas antigas e recuperaram 1538 artefatos, incluindo urnas de porcelana e jóias de jade, sem contar as 6000 moedas antigas que conseguiram coletar.


 


O esconderijo olímpico subterrâneo seria considerado algo fora do comum em muitos países, mas em uma China agitada por demolições e construções, tornou-se apenas mais um local de trabalho.


 


De modo geral, a construção da nova China implica a escavação da antiga China. Nos canteiros de obras de todo o país há pessoas escavando tantas relíquias que esta poderia ser considerada uma era de ouro para a arqueologia – apesar de que os sítios e antiguidades são muitas vezes simplesmente saqueados ou destruídos pelas escavadoras.


 


“Existem dois inimigos da proteção do patrimônio histórico”, afirmou Xu Pingfang, presidente da Sociedade Arqueológica da China. “As obras e os ladrões. Estes sabem o que querem e destroem o que não interessa”.


 


A vila olímpica poderia servir de modelo ao sistema de proteção de objetos antigos adotado na China. Os supervisores das obras e os arqueólogos colaboraram durante quatro anos, realizando as escavações e restaurando três templos taoístas — incluindo um próximo ao National Stadium, o principal local a sediar os eventos olímpicos, o qual sem dúvida ficará muito bem conhecido pelos telespectadores durante os jogos de verão.


 


Mas nas demais regiões da China, os arqueólogos perdem a maioria das competições para as escavadoras. No final de janeiro, uma equipe de trabalho na antiga capital de Nanjing desenterrou e destruiu sítios funerários de 10 nobres de seis dinastias. As escavadoras esmagaram as galerias funerárias, e quando a equipe de arqueólogos da região chegou ao local, saqueadores já haviam vasculhado tudo.


 


Histórias como essa são comuns. No ano passado, os responsáveis pelas antiguidades de Luoyang, na província de Henan a oeste, descreveram a enorme freqüência com que o desenvolvimento urbano estava invadindo uma área protegida com ruínas datadas da dinastia Tang, anos 618 a 906. Enquanto isso, um jornal local noticiava que um grande projeto de renovação, incluindo um parque industrial, estava previsto para ser construído sobre as ruínas de um antigo palácio.


 


A China, é claro, não é a primeira civilização antiga a ter de lutar para equilibrar modernização e preservação cultural. Ainda surgem controvérsias nos países europeus quando projetos de construção invadem áreas antigas, e os Estados Unidos, um país bem mais novo, indiscutivelmente possui um histórico duvidoso em matéria de proteção de pontos históricos.


 


“É algo inerente à modernização”, afirmou Lothar von Falkenhausen, professor de arqueologia e história da arte da University of California, em Los Angeles, especializado em arqueologia chinesa, além de outros temas. “O Ocidente passou por isso 200 anos atrás”.


 


O doutor von Falkenhausen contou que a arqueologia surgiu como uma disciplina em diversos países ocidentais em parte como resposta ao rápido processo de industrialização — tendência também evidente na China. Até a metade do século passado, a arqueologia na China restringia-se basicamente a um sítio de escavação na antiga cidade de Anyang e a alguns projetos liderados por estrangeiros que muitas vezes não passavam de pilhagem descarada. Até o início da década de 1950, as universidades não incluíam a arqueologia no programa de graduação, mas a partir de então o curso foi introduzido na Peking University.


 


Xu, aluno que fez parte dessa primeira turma de graduação, diz que a arqueologia agora faz parte do currículo da maioria das principais universidades da China, enquanto diversos departamentos especializados em antiguidade mantidos pelo governo foram criados nas províncias e principais cidades. A legislação chinesa também exige que os empreendedores imobiliários obtenham aprovação do departamento de antiguidades da respectiva circunscrição antes de dar andamento à obra.


 


“Em tese, as regras existem para recuperar os objetos à medida que são descobertos”, disse o doutor von Falkenhausen.


 


Mas, na realidade, os empreendedores e fiscais não raro passam por cima das regras, considerando que as pesquisas e escavações podem ser demoradas, além de gerarem onerosos atrasos na obra. Há um número imenso de arqueólogos chineses, um grupo considerado bem treinado, e von Falkenhausen disse que muitos dos departamentos de antiguidades locais tentaram realizar um tipo de triagem arqueológica resgatando as peças antes que fossem roubadas ou destruídas.


 


É difícil avaliar até que ponto o público valoriza a preservação. Xu contou que os arqueólogos muitas vezes precisam convencer os oficiais locais de que um sítio antigo é valioso e não deve ser simplesmente aniquilado. Nos locais mais importantes, os arqueólogos tentam não ficar remexendo as relíquias; o mausoléu do imperador Qin Shihuang, no perímetro de Xian, próximo ao famoso local onde os guerreiros de terracota foram encontrados, será deixado intacto até que a tecnologia avance o suficiente para assegurar uma escavação segura.


 


Sem dúvida há muitos projetos arqueológicos em andamento em toda a China. Em 2005, o National Antiquities Bureau (Departamento de Antiguidades Nacionais) autorizou escavações em 600 sítios, incluindo 17 onde carruagens antigas foram recuperadas. Todos os anos, como medida de conscientização pública, o Órgão Estatal de Patrimônio Cultural publica um livro em papel brilhante descrevendo em detalhes as dez principais descobertas arqueológicas do ano.


 


Não bastasse a importância dos próprios objetos escavados, a arqueologia chinesa também contribuiu para uma releitura da história chinesa e reavaliação da crença de que o povo chinês Han tenha-se originado exclusivamente da região do rio Amarelo, na área central da China.


 


Descobertas das duas últimas décadas provaram que uma civilização avançada também havia se desenvolvido mais ao sul, próximo ao rio Yangtze, o que sugere uma história muito mais complexa. Em 2005, uma sofisticada peça de bronze foi encontrada na província de Zhejiang ao sul, a qual remonta a cerca de 10 mil anos.


 


A própria Pequim é um microcosmo de tensão entre o novo e o antigo. Praticamente a cidade antiga inteira foi destruída durante as últimas seis décadas, processo acelerado nos últimos anos à medida que incorporadores e membros da prefeitura apressavam-se para preparar a cidade para as Olimpíadas. Bairros inteiros, com vielas e casas de pátios quadrangulares antigas, foram derrubados devido à pressa dos incorporadores em finalizar os projetos em tempo para o início dos jogos.


 


Mas nas instalações que irão sediar os jogos olímpicos, com os projetos de construção de maior prestígio e visibilidade da China, os organizadores fizeram questão de trabalhar junto com os especialistas em preservação.


 


Song Dachuan, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Relíquias Culturais, disse que é bastante provável que fazendeiros e comerciantes tenham vivido antigamente onde hoje fica a vila olímpica e que as peças escavadas não foram consideradas de grande valor histórico. As descobertas mais valiosas foram feitas no local reservado para as competições de tiro ao alvo, onde foi descoberto um cinturão intacto decorado com jade, além de muitas outras relíquias no mausoléu dos eunucos.


 


O fato de que os eunucos eram mais ricos e possuíam objetos mais refinados refletia em parte sua posição na corte imperial. “Isso se dava também porque eles não tinham filhos”, explicou Song.


 


Fonte: The New York Times