Nós, o mundo e o câmbio: outros caminhos

Não se trata de nenhuma heresia econômica nem de mágicas heterodoxas. Países altamente dependentes de exportações de commodities protegem-se da enxurrada de dólares provocada pela escalada de preços de produtos primários. O primeiro caso que mereceu a ate

É o que acontece hoje com o real, com o agravante de que o juro  brasileiro é recorde mundial. A alegação de que não há nada a fazer com o câmbio, porque o ciclo global é de farta liquidez, esbarra em contra-exemplos como Chile, Rússia, Kuwait, Venezuela e Noruega. Esses países criaram fundos de estabilização de commodities, para regular os ciclos de euforia e depressão.



Política fiscal anticíclica



A idéia, grosso modo, é simples. Depositam-se nesses fundos os dólares que excederem um preço do produto primário determinado a priori. Os recursos são aplicados no mercado internacional, evita-se a sobrevalorização cambial e a poupança poderá ser usada, futuramente, para compensar eventuais quedas das cotações ou então, a depender do volume, direcionada para investimentos públicos. Defende-se, assim, a taxa de câmbio e promove-se a chamada política fiscal anticíclica.



No Brasil, tudo o que implica restrição à livre movimentação de capitais soa a pecado. O lobby do mercado financeiro é poderoso e seus porta-vozes espalham o mantra de que qualquer interferência geraria desconforto, ataques especulativos e crises. Tais previsões catastrofistas não encontram respaldo nem mesmo em análises de organismos insuspeitos, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).



O Chile controla…



A conclusão de um estudo do economista Ugo Fasano, do staff do FMI, é alvissareira. Ele debruçou-se, no fim dos anos 90, sobre a experiência de seis países com forte dependência de um ou mais produtos primários e que lançaram mão de fundos de estabilização. Segundo ele, na maioria dos casos, os fundos contribuíram para melhorar a eficácia de políticas fiscais, uma vez que os orçamentos desses países ficaram menos dependentes das oscilações de renda provocadas pelo vaivém dos preços das commodities. Além disso, o mecanismo impediu a apreciação excessiva das moedas, em períodos de alta dos preços.



No caso do Chile, o fundo existe desde 1985, para amenizar os ciclos do cobre no mercado externo. O país é o maior produtor mundial da commodity, responsável por 45% das suas exportações. Os recursos são calculados com base no que exceder um preço prefixado da libra do cobre e são provenientes apenas da estatal Codelco, que produz cerca de 1,7 mil toneladas de cobre ao ano, ante 5,3 mil das mineradoras privadas. O Fundo de Compensação do Cobre foi substituído, no ano passado, pelo Fundo de Estabilização Econômica e Social e tem um estoque de 6 bilhões de dólares em reservas.



Por ocasião da assinatura de criação do novo fundo, em novembro de 2006, o ministro das Finanças chileno, Andrés Velasco, foi claro: “A política fiscal do governo (da presidente Michelle Bachelet) permite estabilizar os gastos públicos, os investimentos e os gastos sociais, além de reforçar nossa política fiscal anticíclica, proteger a competitividade da nossa economia e ajudar no crescimento do setor externo”.



A montanha russa de dinheiro



Já o Fundo de Estabilização do Petróleo da Rússia, idealizado em 1994 principalmente para frear a avalanche de petrodólares, tem um estoque de 92 bilhões de dólares. Metade das exportações russas é de óleo ou derivados. O objetivo principal é equilibrar o orçamento do país, no caso de o barril cair abaixo de 27 dólares – um belo colchão anticrise. Os recursos são usados ainda para o pagamento de dívida externa e honrar o sistema de aposentadorias. Para as pensões, foi destinado 1,1 bilhão de dólares em 2005. E, em 2006, de um total de 23,7 bilhões de dólares de compromissos do país com o FMI, Clube de Paris e Banco Mundial, restou um débito de apenas 1,7 bilhão, segundo o site russiaprofile.org.



 Por curioso que soe, a grande discussão na Rússia hoje é onde aplicar essa montanha de dólares. O governo só aplica o dinheiro em títulos de dívida de países com categoria AAA/Aaaa, atribuída por ao menos duas agências de classificação de riscos. Isso significa alto grau de solvência, ou grau de investimento (que não é o caso do Brasil). Na prática, implica alocar os recursos em títulos de dívida do Tesouro americano e europeu. Contudo, “para muitos russos, isso é um contra-senso”, comenta o site. A opinião pública ainda tem na memória a Guerra Fria e vê, sobretudo, os Estados Unidos como inimigos. Para esses críticos, o retorno do dinheiro é modesto e seria desejável uma gestão mais agressiva, para aumentar a rentabilidade e direcionar o dinheiro para obras de infra-estrutura, necessárias em um país ainda carente.



Propostas para o Brasil



No Brasil, o debate sobre as alternativas para o câmbio ser mais competitivo gira em círculos. Engata-se um Fla-Flu entre supostos desenvolvimentistas e “mercadistas” e desqualifica-se qualquer idéia de intervenção. O governo a tudo assiste e não esboça reação alguma. Mas há sugestões. Michal Gartenkraut, da Rosenberg & Associados, arrisca um palpite. Segundo sua análise, esperar por um ajuste natural do mercado não é sustentável, pois a indústria brasileira quebraria antes.



Uma saída, argumenta, seria a aplicação de um imposto temporário sobre a exportação das commodities cujos preços mais subiram nos últimos 24 meses. Tal medida propiciaria uma diminuição da pressão decorrente do excesso de entrada de dólares. Além disso, “a arrecadação correspondente poderia fornecer um funding adicional para o programa de apoio à exportação do BNDES”. E até financiar projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Propostas, como se vê, estão à mesa, assim como experiências de países que padecem do mesmo dilema. Falta agir.



A via chinesa



A China vai emitir bônus em iuan para comprar 200 bilhões de dólares das reservas internacionais, que hoje somam 1 trilhão de dólares



Enquanto no Brasil se discute o que fazer com o câmbio, a China segue desafiando as pressões dos Estados Unidos, mantém sua moeda (iuan) desvalorizada, acumula 1 trilhão de dólares de reservas e dá mais um passo que desconcerta os críticos à sua política econômica. O Ministério das Finanças chinês emitirá bônus denominados em iuan, a ser vendidos a bancos comerciais, para “comprar” 200 bilhões de dólares das reservas internacionais do país.



Esse volume de dinheiro formará uma empresa com propósitos específicos, chamada Companhia Nacional de Investimento no Exterior, e controlada pelo Estado. Seu objetivo será financiar fusões e aquisições fora da China, inclusive compras de instituições financeiras, relatou o jornal Asia Times em 3 de fevereiro. Também se destinará a comprar ativos do setor elétrico e a apoiar projetos de pesquisa para o desenvolvimento econômico.



Trata-se de uma inovação na prática de administração de reservas. Preocupa o governo de Pequim o fato de 60% do total de 1 trilhão de dólares estar aplicado em títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Para ter uma idéia do peso dessa relação simbiótica sino-americana, uma desvalorização do dólar de 5% diante do iuan enxugaria 50 bilhões de dólares das reservas chinesas – o equivalente ao que o governo injetou em três bancos estatais do país (Banco Comercial e Industrial da China, Banco da China e Banco da Construção da China).



A notícia da criação da nova empresa estatal recebeu as previsíveis críticas do Wall Street Journal. Editorial de 29 de janeiro classifica a idéia como obscura e um sinal de que o Estado chinês reluta em optar entre o capitalismo e o comunismo. Para o periódico, reservas são passivos do Banco Central e não podem ser usadas ao bel-prazer de governos. E sentencia: “A China faria melhor se atacasse a raiz de seus problemas, que é a necessidade de maior liberdade ao capital”. Pelo visto, não é a intenção do governo chinês.


 


* Intertítulos do Vermelho