Paulo Nogueira Batista Jr.: Um desafio

Confira abaixo a coluna publicada nesta quinta-feira (1º/3) na Folha de S.Paulo pelo economista Paulo Nogueira Batista Jr., nomeado esta semana pelo Ministério da Fazenda para o cargo de diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional. No text

Um desafio



Hoje, quero me dirigir aos meus leitores regulares. Se você, leitor, for um passante eventual ou acidental por esta coluna, pode continuar lendo, é claro.



Não estou rejeitando ninguém. Mas eu gostaria de conversar sobretudo com aqueles que me acompanham há muito tempo e se identificam em alguma medida comigo.



Um grande número desses leitores antigos escreveu para me felicitar e desejar sorte, depois que veio a público a indicação do meu nome para representar nove países latino-americanos na diretoria executiva do FMI (Fundo Monetário Internacional). Agradeço a todos.



Recebi também muitas críticas e farpas, algumas mal-humoradas, outras cômicas. Por exemplo: um leitor me enviou a seguinte mensagem, em letras garrafais: “Bem-vindo ao clube da bufunfa!”.



A polêmica é natural. Nos principais jornais, a notícia despertou as mais variadas reações e algumas críticas duras. A turma da bufunfa não gostou. Paciência. A onda em torno do assunto me fez lembrar aquela tirada de Winston Churchill: “People have been spreading the wildest lies about me, and the worst of it is that half of them are true!” (estão espalhando as mentiras mais loucas a meu respeito, e o pior é que a metade delas é verdadeira!). Abro aqui um rápido parêntese.



Escrevo este artigo em condições precárias. Estou em Brasília desde ontem. Entre uma reunião e outra, vou digitando com dificuldade os parágrafos. Longe da minha biblioteca, não tenho certeza se a frase do parágrafo anterior, citada de memória, é mesmo de Churchill. Talvez seja de Oscar Wilde.



Mas, enfim, vamos ao FMI. Muitos estranharam que o governo brasileiro tenha indicado um crítico do Fundo para trabalhar na sua diretoria executiva. Não há grandes motivos para essa reação. O diretor-executivo deve representar no FMI nove países latino-americanos: Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago. Cabe a ele defender os pontos de vista desses países sobre as situações econômicas nacionais, a economia mundial e o próprio FMI, que está passando, aliás, por um processo de reestruturação. Está em discussão, entre outros assuntos, a redefinição do peso dos diferentes países nas decisões do organismo.



O Brasil, em aliança com outros países, vem procurando aumentar a influência das nações em desenvolvimento. Atualmente, a posição brasileira é bastante confortável. Não temos acordo nem dívida com o Fundo. A dívida que existia foi paga antes do prazo previsto. As reservas internacionais do país alcançaram US$ 100 bilhões. O Brasil está em condições de participar com eficácia e credibilidade da reforma do FMI e de outros organismos multilaterais.



Não é necessário, portanto, que o diretor-executivo seja um entusiasta do FMI na sua configuração atual. Aliás, é muito difícil, imagino, encontrar um economista brasileiro (brasileiro sem sotaque espiritual, óbvio), seja ele ortodoxo ou heterodoxo, monetarista ou desenvolvimentista, que não tenha restrições a diferentes aspectos da atuação do Fundo. Em face do fracasso retumbante de alguns programas – o caso da Argentina nos governos Carlos Menem e Fernando de La Rúa é um exemplo marcante –, o próprio FMI está mais inclinado à autocrítica e já não endossa políticas econômicas que ele antes apoiava ou recomendava aos países que recorriam a seus empréstimos e se sujeitavam a suas condicionalidades. Há poucos anos, foi criado, no âmbito do próprio Fundo, um braço independente de avaliação (Independent Evaluation Office) que faz análises periódicas, e não raro bastante críticas.



Evidentemente, nada disso significa que a minha vida será fácil em Washington, como escreveu Luiz Carlos Bresser-Pereira, em artigo publicado na segunda-feira aqui neste espaço. A orientação dominante no Fundo é ortodoxa. Os países desenvolvidos, particularmente os Estados Unidos, dominam a agenda do FMI.



Quando circulou a notícia de que eu aceitara o convite para trabalhar em Washington, muitos ficaram em dúvida sobre o que isso significava.



Um economista chegou a declarar à imprensa que eu teria de me converter à ortodoxia. Nelson Rodrigues dizia: “Brasileiro não pode viajar” (frase que eu já citei dezenas de vezes nesta coluna). Farei tudo para desmentir o meu guru.