Documentário vê ocupações urbanas na São Paulo antimendigos

Segundo documentário de uma tetralogia do diretor Evaldo Mocarzel estréia para mostrar a precariedade da vida dos sem-teto que vivem assolados pela angústia do despejo.


 


Por Silas Martí

A Prefeitura de São Paulo acaba de entregar a reforma da Praça da República, agora com bancos e outros dispositivos antimendigos. Enquanto isso, ainda brigam na Justiça as famílias do edifício Prestes Maia ameaçadas de despejo. É nesse contexto de desapropriação e luta pela moradia que estréia, nesta sexta-feira (02/03), À Margem do Concreto, retrato do cineasta Evaldo Mocarzel da realidade das ocupações urbanas no centro da capital paulista.


 


O documentário entrevista as principais lideranças dos movimentos por moradia no centro da cidade, mostra o cotidiano das ocupações urbanas, a jornada de trabalho de quem vive nelas e registra o planejamento de uma ocupação, que termina em confronto com homens da Guarda Civil Metropolitana.


 


O que surge na tela é um retrato nervoso do centro, onde a vida nas ocupações é marcada pela angústia do despejo e cerceada pela precariedade. As cenas do cotidiano em prédios ocupados são conduzidas por depoimentos de líderes como Verônica Kroll, do Fórum dos Cortiços, e Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, do Movimento de Moradia do Centro.


 


Verônica, que há 20 anos milita no centro de São Paulo, critica a imprensa por chamar de invasão a ocupação dos prédios e descaracterizar a briga pela moradia, garantida pelo artigo 6º da Constituição, algo nunca lembrado pela mídia. Gegê, que é irmão do músico Chico César e permaneceu preso por quase dois meses, faz um discurso exaltando a revolução permanente e a luta de classes.


 


Caricatura


 


O documentário acerta ao fazer um retrato equilibrado e humano de um problema que afeta milhares de pessoas em São Paulo, onde, segundo o IBGE, há um déficit de mais de 200 mil moradias, mas esbarra numa caricatura nociva dos movimentos no centro ao pontuar as imagens com discursos que parecem às vezes dar respaldo ao retrato viciado propagado pela imprensa.


 


Mesmo com o registro de um debate entre moradores sobre a cobertura das ocupações pelos jornais e redes de televisão, que escancara a natureza tendenciosa de grande parte da mídia, o filme se atém demais a discursos que pouco ajudam a legitimar a causa dos sem-teto.


 


Talvez o maior problema do documentário seja o excesso de palavras. Se a idéia era conscientizar parcelas da população ignorantes dos embates por moradia no centro de São Paulo, o filme acaba mostrando muito pouco. As entrevistas com as lideranças são longas demais, enquanto as cenas do dia-a-dia das ocupações ficam em segundo plano.


 


Imagens à CNN


 


Outro recurso estético questionável é o uso de lentes de visão noturna na gravação de confrontos com a polícia, que tinge de verde e equipara a briga dos moradores a cenas de uma Guerra do Golfo distante, imortalizadas pela CNN no auge do sensacionalismo bélico. Melhor seria apenas a realidade, que já é chocante demais.


 


Mas o diretor consegue humanizar a causa sem melodrama e o recurso fácil ao sentimentalismo. À Margem do Concreto pode pecar na edição, que pede maior agilidade em vários momentos, mas não deixa de ser um filme válido e necessário para os dias de hoje.


 


Financiado com verbas do Sundance Festival, À Margem do Concreto é o segundo episódio de uma tetralogia sobre excluídos em São Paulo – o primeiro foi À Margem da Imagem, sobre os moradores de rua na cidade. Mocarzel deve filmar ainda À Margem do Lixo, sobre catadores de papel, e À Margem do Consumo, que deverá mostrar o consumismo do ponto de vista dos moradores de uma favela paulistana.


 



Cena do filme: humanização sem melodrama