Bahia procura se tornar modelo de gestão da Cultura

Um novo pensamento pauta a ordem do dia da Cultura na Bahia. Independência, iniciativa e criatividade que caminham juntas nessa etapa de libertação de um sistema de empreendimento da cultura ultrapassado que dominou o estado por tantos anos e ainda dom

A figura que encabeça essa mudança do pensamento na gestão cultural baiana é Márcio Meirelles, experiente diretor da produção do teatro baiano. Critico do modelo hegemônico dos blocos do carnaval de Salvador, o novo secretário de Cultura do Estado já inicia um trabalho de integração dos poderes públicos e sociedade para repensar a festa.


 


Em entrevista à Carta Maior e à Cultura e Mercado, Meirelles falou sobre os planos de descentralização, as leis de fomento do estado, a integração do governo com as universidades e sociedade, participação das conferências e da construção de um Sistema Estadual de Cultura, baseado nas experiências dos baianos Gilberto Gil, Juca Ferreira e Orlando Senna no Ministério da Cultura, para transformar a Bahia em modelo de gestão da Cultura no país


 


Vocês estiveram já visitando alguns municípios nesse começo de gestão para conhecer as realidades de todas as regiões baianas. Já dá para fazer um primeiro diagnóstico das necessidades da descentralização das políticas culturais para além de Salvador?
Nós fizemos umas viagens mais para conhecer quais são os centros culturais que o governo do estado tem nos interiores. Conseguimos observar o estado das instalações, qual é a programação e, paralelo às visitas, marcamos reuniões com os produtores culturais de cada cidade e dos municípios vizinhos, já que é impossível estar em todos os lugares.


 


Isso tudo faz parte da preparação da 2ª Conferência Estadual de Cultura, que vai definir o Plano de Cultura do Estado, o PPA, e a implantação do Sistema Estadual de Cultura. A partir daí, vamos fortalecer a identidade de cada município e região, dando visibilidade e criando mecanismos de acesso aos bens de consumo e aos meios de produção. Queremos descentralizar também as leis de incentivo, já que toda a captação é concentrada em projetos da capital, queremos limitar isso.


 


A Bahia já possui uma lei própria de fomento?
Temos o Faz Cultura que é uma lei de fomento como a Rouanet, com desconto no ICMS. E tem também o Fundo de Cultura, que tem muitas distorções e nós vamos arrumar tudo isso. Primeiro vamos tentar adaptar. Depois das consultas e conferências, vamos realmente reformular a lei.


 


Garantindo aí também a descentralização?
Inclusive, isso. Vamos dividir parâmetros mínimos por região. Temos que pensar o orçamento. Não há como discutir políticas públicas sem pensar no orçamento. E como herdamos o orçamento da gestão anterior, ainda estamos um pouco amarrados. Nisso, também temos de rever a formação de gestores culturais, precisamos fomentar os gestores no interior.


 


Esse é um processo que precisa cada vez mais ser profissional, mas as pessoas continuam atrasadas nisso. Um bloco afro tem que ter seu gestor formado no interior do bloco para cuidar das contas o ano inteiro. Isso requalifica a relação dos blocos com o governo e haverá um plano de sustentabilidade. Por outro lado, tenho consciência de que algumas coisas é realmente o Estado que tem que bancar, como uma orquestra sinfônica.


 


E essa formação está sendo pensada junto com as universidades?
Sim, estamos em contato. A gente pensa no governo como parte do Estado. Então, o contato com os outros componentes do Estado, como as universidades, centros que já têm acúmulo sobre todas as áreas torna-se fundamental. Estamos falando com todas as universidades, de Salvador e no interior. Até porque nos lugares em que não temos espaços da Secretária de Cultura, nós podermos utilizar as escolas como os nossos centros culturais. Nós pegamos um Estado patrimonialista, que tem uma infinidade de instalações, mas foi incapaz de administrar isso tudo.


 


Vocês estão trabalhando em parceria com as outras secretarias de governo, como Obras e Infra-estrutura, Desenvolvimento Urbano, Turismo?
Além da relação com a sociedade, precisamos pensar a relação dentro do governo. E estamos caminhando bem. No carnaval deste ano mesmo, as secretarias da Promoção da Igualdade, Turismo e Cultura estavam trabalhando juntas o tempo inteiro. Com secretaria de Educação, também, já está sendo elaborada uma agenda de trabalho.


 


Assim, transformaremos as escolas, meros repassadores de conteúdo, em centro de produção, informação e educação no melhor sentido da palavra: o de construir junto. Se ficássemos pensando em construir centros em todas as cidades seria uma loucura. Vamos ocupar os espaços que já existem.


 


No que diz respeito ao patrimônio, tanto o material quanto o imaterial, como por exemplo a revitalização do Centro Histórico de Salvador, já declarado Patrimônio da Humanidade… já existe uma linha mestra que direcionará o trabalho?
Primeiro, sobre o Pelourinho, precisamos incluir tudo aquilo na cidade, porque o Pelourinho foi pensado como um shopping a céu aberto, shows e tal, mas é um bairro onde moram pessoas. O pensamento do centro antigo como um todo é fundamental, com o pensamento dos moradores. Várias secretárias já estão trabalhando juntas na revitalização de uma área muito maior do que é tombado.


 


A cidade é como um jogo de armar, então a solução da cidade pode estar em outros lugares. O Pilar, que é outro bairro próximo, que está se revitalizando. O Carlinhos Brown já inaugurou o Museu du Ritmu. Tem também um projeto de cinema que está retomando espaço.


 


Falando em cinema, tem todo esse momento de ebulição do audiovisual hoje e o sr. esteve reunido com o Orlando Senna. Vocês já definiram alguma coisa nesse campo em parceria com o MinC?
Nós estamos tentando trabalhar em todas as esferas. Já conversamos com vários setores do ministério e continuaremos em contato.


 


O fato do Gil, o Senna, o Juca Ferreira serem baianos e do mesmo governo de seu partido compõe um quadro favorável?
Eu vejo o alinhamento de idéia da gestão pública da cultura, muito mais do que questões partidárias ou de origem territorial. Mesmo antes de eu ser indicado à secretaria, eu fiquei muito feliz com a mudança de foco do ministério. Eu sempre acreditei que o Estado devesse nos tratar como meios e não como fim. E sempre houve uma demanda dos artistas de os governos cuidarem dos artistas e não da cultura. Então, essa mudança foi fundamental.


 


O pensamento da cultura como toda produção simbólica, motivadora da economia, política transversal, formadora de cidadania, todos esses conceitos que o Ministério Gil trouxe para o Brasil foi uma coisa muito feliz. Nós, nordestinos, sentimos muito também a descentralização, a perda de privilégios do eixo Rio–São Paulo. Estou pautado nesse ideário. O alinhamento se dá por concordância de princípios.


 


E na política externa, vocês já se reuniram com a Embaixada de Portugal, para as comemorações do bicentenário da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil. Há mais ações sendo pensadas nesse sentido até com fomento e incentivos internacionais?
Nós estamos criando um setor na secretaria para cuidar dessa parte. Já estivemos com o Cônsul de Portugal, no carnaval esteve o secretário de Cultura de Lisboa, um pessoal da França e da Espanha, vamos nos aproximar da Venezuela em um projeto de formação de jovens. Essa relação Sul – Sul é quase natural. Perdemos muito tempo e é uma questão lógica. Temos problemas, histórias e políticas parecidas. Os laços são profundos e precisamos nos conhecer.


 


Vejo a possibilidade de muitas ações em comum na América Latina e na África. Nós só temos dois meses de governo, ainda há muito a se descobrir. Tem muito da experiência do ministério que poderemos reformatar e implantar na Bahia.