FHC lança campanha pelo voto distrital puro e já

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) defendeu nesta segunda-feira (12) a mudança das regras eleitorais brasileiras já nas eleições municipais do ano que vem, com a adoção do voto distrital. FHC interrompeu uma temporada nos Estados Unido

A Associação Comercial de São Paulo (ACSP), entidade historicamente ligada a políticos de direita, promoveu nesta segunda-feira um seminário que praticamente lançou a campanha dos setores conservadores em defesa da adoção do voto distrital no Brasil. O próprio título do Seminário –“Voto Distrital: a Reforma Política que Interessa ao Brasil”– não deixa dúvidas sobre a intenção do evento, promovido em parceria com o Instituto FHC, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. 


 


 


Coube ao ex-presidente apresentar a palestra de abertura do Seminário, à qual ele intitulou ''Voto distrital, o Plano Real da reforma política''. Para auxiliar FHC na defesa da tese do voto distrital, a ACSP convidou um time de políticos e intelectuais “tucanos” como o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) e o cientista político Amaury de Sousa. A direita estava também representada pelo ex-senador Jorge Bornhausen (SC), presidente em fim de mandato do PFL, futuro PD, e pelo também pefelista Afif Domingos.


 


 


O seminário contou ainda com a presença dos deputados Miro Teixeira (PDT-RJ) e José Eduardo Cardoso (PT-SP) que, conforme comentário do jornalista Paulo Henrique Amorim, fez o papel de “petista de vitrine”. “Ou, como dizem os americanos, o papel de “token” petista, ou seja, aquele que dá legitimidade a uma situação discriminatória, que os próprios aliados denunciam”.


 


Bandeira das elites


 


Adotado em países de sistema parlamentarista, o voto distrital é uma proposta que a elite sonha implantar no Brasil. Ele divide o país inteiro em distritos. O eleitor só pode escolher entre os candidatos do seu distrito, e a eleição é majoritária: só um candidato se elege em cada distrito, mesmo para deputado ou vereador.


 


 


Na prática, essa modalidade de representação serve como uma violenta cláusula de barreira e pode até mesmo levar ao bi-partidarismo já que exclui do legislativo os representantes da maioria das legendas. No sistema distrital de eleição, não há estímulo para a formação de novos partidos, novas lideranças, candidaturas independentes, ligadas a movimentos sociais ou bandeiras ideológicas. O voto distrital só abre espaço (o que já há de sobra no Brasil) aos representantes locais voltados para a obtenção de verbas para suas localidades. Nos países que adotaram este sistema, como o Chile e a Alemanha, por exemplo, os principais partidos que disputam o poder, e que geralmente não têm muitas diferenças entre si, acabam se revezando na eleição dos representantes distritais, alijando o restante do espectro partidário da disputa do poder político.


 


 


Na esfera municipal, o voto distrital reforçaria a eleição de vereadores que usam o clientelismo, as benesses da máquina pública e a compra de votos como estratégia eleitoral. Na esfera estadual, as chances de vitória de candidatos ligados a movimentos sociais e defensores de bandeiras mais amplas seriam praticamente anuladas já que os “coronéis” teriam maior facilidade para dominar e constituir os chamados “currais eleitorais”. 


 


 


Como esse método tende a reduzir a política aos assuntos paroquiais de cada distrito, muitos países adotam como paliativo o voto distrital misto, em que uma parte dos parlamentares é escolhida pelo sistema proporcional. O próprio Fernando Henrique já defendeu essa idéia, mas nesta segunda-feira radicalizou: pregou o voto distrital puro.


 


Para defender sua tese, FHC argumentou que o voto distrital puro é uma forma de melhorar a falta de credibilidade nos políticos e aproximar os eleitores de seus representantes nos legislativos municipais, estaduais e federal.


 


O ex-presidente disse querer que sua proposta vigore já em 2008. Argumentou que uma eleição municipal seria um bom ''teste'' para o sistema, embora defenda que ele funcione também para deputados estaduais e federais, em 2010.


 


“Se não colocarmos prazos em política, as coisas não se concretizam. E já que todo mundo reclama do sistema atual, por que não experimentar (o voto distrital) já nas eleições municipais do ano que vem?”, questionou FHC, ao ressaltar que não é conveniente “fazer tudo de uma vez”.


 


 


Questionado se haveria tempo para fazer a mudança até as eleições de 2008, FHC disse que a questão do tempo não existe quando há vontade de fazer.


 


 


Além de defender o voto distrital puro, FHC também fez questão de criticar a proposta de reforma que está em tramitação no Congresso Nacional, que ele qualificou como “cavalo de tróia” pois não contempla as propostas mais restritivas que a direita defende.


 


51 mil distritos, um quebra-cabeças político


 


FHC não explicou como será possível dividir o país em 51.819 distritos, correspondendo ao número de cadeiras que serão disputadas nos 5.560 municípios brasileiros. O cálculo não seria nada fácil. Envolveria variáveis demográficas – presume-se que os distritos devem ter um número equivalente de eleitores, para que não se repita o episódio dos ''burgos podres'' da Inglaterra de alguns séculos atrás. Mas sobretudo implicaria em um gigantesco quebra-cabeças político, já que alguns distritos teriam que unir vários bairros, e alguns bairros teriam que comportar vários distritos, sendo que cada decisão dessas favoreceria determinados candidatos e prejudicaria outros tantos.


 


O ex-presidente provavelmente sabe que o calendário eleitoral de 2008 já está em curso. Em 31 de setembro, dentro de menos de seis meses, encerra-se o prazo para pretendentes a candidato cuidarem de suas filiações partidárias e domicílios eleitorais. É pouco provável que acredite nas chances de sua proposta. Esta exigiria uma emenda à Constituição, seguida pela montagem do quebra-cabeças distrital.


 



Isso para não falar das dificuldades do mérito do voto distrital. FHC não logrou emplacá-lo nos oito anos em que estava no Palácio do Planalto e tinha maioria no Congresso. Como faria agora, que seu PSDB conta com apenas 61 deputados federais, está dividido e em crise de identidade?


 


Serra diz amém


 


 


Menos confiante que FHC, o ex-senador Jorge Bornhausen também defendeu o voto distrital puro mas ponderou que não está otimista com este tema e não acredita que a reforma política poderá ser votada nos próximos quatro anos. “Não vamos conseguir barrar a cooptação e aprovar as reformas”, emendou.


 


 


 governador de São Paulo, José Serra (PSDB), afirmou nesta segunda-feira, em entrevista coletiva, que assim como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele entende que a eleição municipal de 2008 já deve ser disputada por meio do voto distrital, pelo menos para o cargo de vereador.


 


 


“Fiz essa proposta para que as cidades com mais de 200 mil eleitores tenham em caráter experimental, na eleição de 2008, as escolhas dos vereadores pelo voto distrital”, declarou, após acompanhar a posse da nova presidência da Câmara do Grande ABC, em Santo André.


 


 


“Essa experiência seria boa para o Brasil, mas insisto que teria que ser nos municípios com mais de 200 mil eleitores, onde o voto distrital é mais possível de ser feito”, acrescentou.


 


 


Ajuda petista


 


E os tucanos não estão só na defesa do voto distrital. Durante o seminário, o deputado petista José Eduardo Cardozo também apoiou a iniciativa. Segundo ele, no primeiro governo Lula, os pequenos partidos “colocaram uma faca no pescoço” do PT e disseram que se a reforma política passasse não haveria apoio ao governo para qualquer outro projeto. “Temo que isso aconteça de novo agora”, disse.


 


Longe dali, em audiência pública na Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) também saiu em defesa da adoção do voto distrital. Segundo ele, esta é uma forma de “baratear as eleições”. O senador também defendeu a volta das restrições impostas pela cláusula de barreira, anulada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal.


 



Mas pelo menos uma parlamentar petista discorda da tese. Presente ao seminário da ACSP, a vereadora do Rio de Janeiro Aspásia Camargo (PT) disse ao ex-presidente FHC que seria melhor reformar os partidos políticos antes de mexer na forma de eleição dos vereadores. “Os piores vereadores (do Rio de Janeiro) são distritais e vivem da relação que mantêm com centros sociais. A criação de distritos agravaria ainda mais a qualidade da representação”, disse ela.


 


Matéria modificada às 20h50