Júlio Olivar: Corumbiara, sem-terra e Mao Tsetsung
Vários muros estão pichados com frases que evocam o líder revolucionário chinês Mao Tsetsung e o desejo de uma Guerra Popular. Mesmo que no campo da utopia. E que ela venha, se for o caso, já que o Estado, por sua conta, é incapaz de determinar pelo me
Publicado 06/04/2007 13:28
A versão oficial sustenta que nove trabalhadores sem-terra e dois policiais caíram durante um confronto na Fazenda Santa Elina, a 20 quilômetros da área urbana de Corumbiara, sul de Rondônia, 700 quilômetro de Porto Velho (capital do Estado). O caso ocorreu no dia 10 agosto de 1995.
Policiais militares e jagunços contratados por fazendeiros chegaram atirando, em plena madrugada, contra uma multidão de quase 400 pessoas, que incluíam crianças e mulheres. Dentre os sem-terra mortos estava Vanessa, de apenas 6 anos de idade, atingida nas costas. Pela versão de vários sobreviventes do Massacre, foram dezenas de mortos, cujos corpos nunca apareceram. Todos foram torturados e teriam sido obrigados até a comer o cérebro de alguns dos abatidos.
A história nos reporta aos anos de escravidão negra no Brasil. Capitães do mato e milícias armadas pelos fazendeiros engendravam operações de guerra para destruir quilombos. Costumavam cortar a orelha dos mortos para provar tê-los vencido.
Estado inoperante
O Estado opressor premiava os “vencedores” destas batalhas decorrentes do direito à propriedade. Mesmo argumento usado no caso de Santa Elina, até hoje improdutiva e, supostamente, um cemitério de dezenas de homens e mulheres que ousaram sonhar com um pedaço de chão não para serem sepultados, mas para produzir, viver, ser feliz.
No dia 2 de abril de 2005, perto de uma década do episódio, estive na área do confronto. Conversando com alguns sobreviventes do massacre, ainda debilitados psicologicamente e outros com marcas de tiro pelo corpo, tive a certeza da inoperância do Estado com relação à reforma agrária e aos direitos humanos na região. Os verdadeiros responsáveis pelas atrocidades, mortes e torturas continuam livres e espalhando medo.
No local onde ocorreu o massacre, encontrei vários vestígios do antigo acampamento destruído pela polícia e jagunços: embalagens de medicamentos da “farmacinha” dos sem-terra, artefatos de ferro e carcaças de bicicletas que pertenciam aos trabalhadores. São cicatrizes de uma história triste.
Acompanharam-me ao local vários amigos de Corumbiara, inclusive o então presidente da Câmara, João Ribeiro (PT), cujo irmão, ex-vereador Nelinho, foi morto em dezembro daquele 1995 por denunciar crimes cometidos por latifundiários da região.
Frases de Mao
Um sobrevivente das torturas feitas pela polícia nos serviu de guia. Foi ele quem me mostrou onde funcionava a cozinha, a farmácia, o barracão central do acampamento que funcionou por apenas 24 dias e foi desfeito à bala paga pelo Estado e pelos especuladores de terra que se dizem fazendeiros, agindo até em reservas indígenas.
O município de Corumbiara é marcado, há décadas, pelos genocídios e torturas de índios e lavradores. Há um clima de revolta entre os cidadãos mais conscientes. Vários muros estão pichados com frases que evocam o líder revolucionário chinês Mao Tsetsung e o desejo de uma Guerra Popular.
Mesmo que no campo da utopia. E que ela venha, se for o caso, já que o Estado, por sua conta, é incapaz de determinar pelo menos que se localizem as ossadas dos trabalhadores sacrificados a mando dos capitalistas selvagens.
* Júlio Olivar é escritor, editor do jornal Folha do Sul e dirigente estadual do PCdoB-RO