Jorge Mautner: “Uma estranha alegria feita de dúvidas”

São milhões de perguntas para as quais não tenho resposta, daí o estímulo para esta missiva a um possível futuro imaginário!


 


por Jorge Mautner*

Espero que você que achou esta mensagem perdida no tempo possa responder-me certas dúvidas que pairam como nuvens agudas de tormenta nos céus e espaços do meu tempo. Sei que não conhecerei suas respostas, mas sei também que, de algum modo, uma estranha alegria percorre meu corpo ao lançar para o futuro estas perguntas.


 


Será que o terrorismo em todos os seus sentidos e significados já não existirá em sua época? Será que não terá havido o holocausto atômico? Ou a pandemia natural ou mesmo a forjada em laboratórios de armas de guerra disseminadas em todos os países do globo terrestre?


 


Mais ainda: será que, em seu tempo futuro, germinaram as palavras do Papa Bento XVI que dizem que as chaves para o século XXI são a piedade e a reconciliação? E como ficou tudo isso com o Papa abraçando Karl Marx, mas continuando a combater Darwin? E as liberdades de todos os direitos humanos já triunfaram?


 


São milhões de perguntas para as quais não tenho resposta, daí o estímulo para esta missiva a um possível futuro imaginário!


 


E o Brasil? Já é um país superdesenvolvido? Ou isto já não existe? E o planeta está unido sob o comando de uma confederação global de representantes democráticos de todos os lugares? E o presidente desta confederação mundial será um ser humano, um humano mutante, ou um poderoso computador-presidente?


 


E o ser humano já foi totalmente reconstruído por meio da nanotecnologia, da manipulação do DNA, e do genoma, e dos novos conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro? Já se atingiu o fim das doenças e a construção do ser humano imortal?


 


E o crime? Já foram instalados em todas as criaturas que perambulam pela Terra os chips de controle? Mais do que isso: chips de controle e de bom comportamento social e ético. Simples assim: instalados, no cérebro, chips que, além de serem de controle, também são mantenedores da lei e da ordem? Serão chips que, colocados em cada indivíduo, têm o poder de, no caso de um leve desvio de conduta, aplicarem instantaneamente um pequeno choque elétrico em seu portador e, em caso de algo mais grave, um crime por exemplo, paralisar o indivíduo que o pratica, no mesmo instante, até que venha a polícia. Ou será que, se for falta grave, crime hediondo, como o estupro seguido de morte, ao invés de paralisado, o indivíduo será, na hora mesma do delito, executado?


 


E o aquecimento global? Conseguiram detê-lo? Ou será que a poluição
humana era apenas o nosso último e vaidoso engano de poder? Será que
foi a própria mãe terra em suas misteriosas convulsões geológicas de
astro quase poeira do universo que entrou em natural e cíclico aquecimento inexorável?


 


E a democracia universal com o presidente computador é uma democracia
participativa? Até que grau chegou a participação democrática? Será que foi tão forte que chegou a desfigurar em outra coisa o sistema democrático original?


 


Será que o programa dos Pontos de Cultura, criados por Gilberto Gil em sua gestão no Ministério da Cultura do Brasil, cuja execução está a cargo de Célio Turino – autor do maravilhoso livro Na trilha de Macunaíma – já se multiplicaram pelo mundo como prática exemplar de exercer cultura dando a cada ponto sua total autonomia dentro da diversidade em constante mutação da imensa amálgama humana? E será que o Brasil que José Bonifácio, em 1823, definiu dizendo que esta amálgama é o que nos diferencia dos outros países, pois amálgama é mais do que mistura, mais do que miscigenação, é uma constante alquimia que se reinterpreta simultaneamente, como a amazônica pororoca. Será que esta amálgama continua a nos definir e a nos conduzir? Será que ela foi adotada e imitada pelo resto do planeta? Foi este o caminho da paz?


 


E no mundo dos espetáculos? Será que vocês já tem holograma que projeta em terceira dimensão a figura da cantora gostosa, num simulacro em que se pode até sentir o cheiro do seu cabelo, seu corpo, seu perfume, seus lábios carnudos, pois já será possível reproduzir todos os aromas e cheiros eletronicamente? E o que dizer da interação artística que permite cantar junto com a cantora gostosa e cheirosa? E mais ainda: interagindo sexualmente com ela por meio de uma super-máquina de orgasmo digital e cibernético que chega a provocar o orgasmo de nível 8?


 


A estranha alegria percorre meu corpo, junto com as perguntas lançadas ao futuro.


 


*Jorge Mautner é poeta, escritor, violinista, pianista, bandolinista, compositor, cineasta, artista plástico e cantor.



Fonte: Agência Carta Maior