Por que os tucanos de SP protegem a máfia dos jogos?
A Assembléia Legislativa de São Paulo promulgou no início deste ano uma lei de autoria do então deputado Romeu Tuma Junior (PMDB) que proíbe a instalação e utilização de máquinas caça-níqueis, de vídeo-bingo e videopôquer, entre outros jogos de azar, em b
Publicado 19/04/2007 20:39
Por Cláudio Gonzalez
A Operação Hurricane (furacão, em inglês), deflagrada pela Polícia Federal (PF) no último dia 13 de abril está, por enquanto, concentrada no Rio de Janeiro, onde foi presa a maioria das pessoas que a justiça acredita estarem envolvidas com um esquema de exploração de jogos ilegais –principalmente bingos e caça-níqueis. No total, foram presas 25 pessoas –23 foram detidas no Rio de Janeiro e duas, na Bahia. As investigações agora estão sendo estendidas para outros estados, como São Paulo e Distrito Federal.
Em São Paulo, a investigação da PF poderá ajudar a dar respostas para duas perguntas que não querem calar: por que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) trabalhou tanto para impedir a aprovação de uma lei que contrariava os interesses da máfia dos caça-níqueis e por que o atual governador José Serra, também do PSDB, insiste em ignorar a lei, mesmo depois de aprovada?
O Projeto de Lei 184/03 foi apresentado em 2003 e aprovado pela Assembléia dois anos depois, em dezembro de 2005, porém, foi imediatamente vetado pelo ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) em janeiro de 2006. Os deputados estaduais paulistas, numa decisão incomum naquela casa, derrubaram o veto do governador em dezembro do mesmo ano, obrigando o executivo estadual a sancionar a lei.
A derrubada do veto ocorreu quando Alckmin já não era mais governador – havia renunciado meses antes para disputar a presidência da República–, mesmo assim, o PSDB, junto com o PTB, mobilizaram suas bancadas na Assembléia para tentar manter o veto ao projeto de lei. Não conseguiram.
Tuma Júnior, autor da proposta, considerou a aprovação da lei “uma grande derrota da ‘indústria do azar’, patrocinada pelo crime organizado e que se aproveita da boa-fé dos cidadãos comuns''. Na época, o deputado –que não consegui a reeleição– era presidente da Comissão de Segurança Pública e corregedor da Assembléia Legislativa de SP.
Segundo Tuma Júnior, o principal objetivo da lei é diminuir a violência gerada pelos jogos ilegais, já que essas modalidades de jogos servem como porta de entrada de jovens e adolescentes ao mundo da criminalidade. Quando o projeto estava em debate, o deputado destacou que a conjugação das máquinas caça-níqueis com o consumo de bebidas alcoólicas potencializa ambos os vícios, representando mais um fator no aumento da criminalidade, “pois a compulsão pelo jogo induz o viciado à prática de delitos, desde pequenos furtos no ambiente doméstico até o tráfico de drogas'', afirma Tuma Júnior.
Ele lembrou ainda que existe um grande arsenal de caça-níqueis e outras máquinas parecidas que fazem dos locais públicos verdadeiros cassinos, livres e abertos a qualquer um, inclusive a pessoas humildes, crianças e jovens. “Está mais do que provada a íntima relação entre os caça-níqueis, o alcoolismo e a prática de crimes. Até nas portas de escolas eles estão, livres e prontos para aliciar estudantes que começam cedo nesse vício maldito.”, disse o deputado quando a Lei estava em debate.
Uma carta esclarecedora
Em sua jornada pela aprovação da Lei, o deputado chegou a contar com o apoio do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que leu no plenário do Senado uma carta de Tuma Júnior criticando o veto do governador ao Projeto de Lei.
Na ocasião, Mercadante sugeriu que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos examinasse a possibilidade de proibição de bingos e caça-níqueis no país inteiro.
A carta lida por Mercadante tinha forte conteúdo acusatório (clique aqui para ler a íntegra). Afirmava, por exemplo ''que o veto (de Alckmin) pode parecer estranho, uma vez que a proibição bateria de frente com o crime organizado'' e que o boicote ao Projeto de Lei se justificava pelo ''jeito totalitário'' do governador. Na carta, o deputado afirmava ainda que ''nada que não sai do palácio (dos Bandeirantes, residência oficial do governador paulista) vai em frente e nem é aprovado nada que contraria os interesses do empresariado''. E continuava: “Foi assim que ele agiu, por exemplo, quando extinguiu a Decon – Delegacia de Defesa do Consumidor – para atender à vontade das grandes redes de hipermercados, que não queriam um órgão com poder de polícia para coibir abusos contra o consumidor”.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) considerou, na ocasião, que a leitura da carta ''insinuava, de maneira leviana, que Alckmin teria vetado a lei para favorecer jogadores de caça-níqueis''.
Mas Tuma Junior não deixou dúvidas sobre o gesto do governador. “Ao dizer não ao projeto que proíbe os caça-níqueis, Alckmin volta a dar carta branca para os empresários do jogo, os contraventores, tradicionais financiadores de campanhas eleitorais.”, dizia a carta.
“Alckmin prova que não tem compromissos com combate à corrupção, à degradação familiar, nem com a violência doméstica e segurança pública. Azar do Brasil. Essas pessoas, que são vítimas da contravenção, com certeza não pensarão duas vezes na hora de decidir em quem votar”, completou Tuma Júnior no documento lido por Mercadante.
Serra assinou, mas engavetou
Após ser promulgada pela Assembléia Legislativa de São Paulo e sancionada pelo governo estadual, a lei, teoricamente, teria que estar em vigor, mas ainda precisa ser regulamentada com a definição de valores das multas e pessoal responsável por fiscalização e apreensão. E, ao que parece, o atual governador, José Serra, apesar do discurso contra os jogos ilegais, não está nem um pouco preocupado em agilizar este processo.
Tanto é assim que Serra solicitou, recentemente, a análise da Procuradoria Geral do Estado para declarar inconstitucional a lei de Tuma Júnior.
Para justificar a atitude do governo paulista, a assessoria de imprensa da Casa Civil, responsável pela implementação das regras dos projetos aprovados pelos deputados estaduais, informou que a decisão de declarar inconstitucional a lei proibindo os caça-níqueis surgiu em virtude de a proposta legislar sobre atribuição exclusiva da União. É o mesmo argumento que Alckmin usou para vetar a Lei.
Em sua carta, o deputado Tuma Júnior já questionava a utilização deste argumento. “O argumento de que se trata de uma legislação federal é pífio. O Estado tem sim poderes para combater essa forma barata de contravenção”, afirmou o deputado no documento.
Na última terça-feira (17), a rádio CBN de São Paulo, também veiculou matéria questionando a ação do atual governador contra a Lei dos jogos ilegais.
Enquanto a Lei não é aplicada, a máfia dos jogos continua atuando freneticamente no Estado. Estima-se que mais de 19 mil estabelecimentos tenham instaladas, em todo o Estado, equipamentos ilegais de jogos de azar. Algumas ações de repressão a esta atividade só começaram a surgir depois que a Polícia Federal deflagrou a Operação Furacão. Mesmo assim, a maioria das ações policiais foram motivadas por decisões judiciais e não passaram pelo executivo estadual.
Projeto na Câmara
Mas a atuação dos tucanos em relação aos jogos ilegais não se restringe ao governo do Estado de São Paulo. Em 2004, quando ocorreu toda a celeuma envolvendo o fechamento das casas de bingo, a oposição liderada pelo PSDB e PFL no Congresso Nacional apresentou um projeto de lei que regulamenta o funcionamento dos jogos. O objetivo da oposição, naquela ocasião, era tentar escapar do ônus político sobre a reabertura dos bingos – determinada após a rejeição da Medida Provisória (MP) que proibiu o funcionamento de bingos e caça-níqueis em todo o País.
Com o discurso de que não houve vencedores nem vencidos com o arquivamento da MP, e se dizendo frustrados, PSDB e PFL desafiaram a base aliada a assinar o projeto com pedido de urgência.
Pela proposta, fica proibido o funcionamento de caça-níqueis, vídeobingos e jogos on-line e via internet. Em compensação, libera as loterias esportivas, numéricas (como Lotomania, Megasena e Supersena), federais e estaduais, bingos de cartela (desde que numeradas e controladas pela Caixa Econômica Federal – os chamados bingos permanentes) e bingos filantrópicos (eventuais), autorizados pela Receita Federal.
O projeto é, em síntese, uma cópia da MP dos Bingos, com adaptações. O então líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN) e o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) foram os responsáveis pela apresentação do projeto. Segundo eles, o projeto é inspirado em outra proposta, dessa vez da líder petista, Ideli Salvatti (SC), apresentado em 2003, mas já retirado.
Quando o assunto entrou na pauta do Congresso, os senadores da base aliada avaliaram que a iniciativa da oposição foi uma tentativa de se redimir pela liberação do bingo. ''Acredito que isso é uma confissão de arrependimento'', disse o então ministro Aldo Rebelo que, na época, cuidava da Coordenação Política do governo.
Mais envolvimentos
Vale lembrar também que um dos maiores contraventores do país, o ex-policial no Mato Grosso e comendador por aprovação da Assembléia Legislativa do Estado, João Arcanjo Ribeiro, ficou milionário graças à exploração de máquinas caça-níqueis, cassinos ilegais, jogo do bicho e agiotagem. E a quem Arcanjo é intimamente ligado?: ao ex-senador Antero Paes de Barros, do PSDB.
Embora se esforcem para negar a participação do “comendador” Arcanjo no financiamento de suas campanhas, a ação dos tucanos do Mato Grosso, em especial de Antero Paes de Barros, é um trabalho estéril, levado em consideração a gama de provas já reunidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.
Assim, de caso em caso, a relação de políticos com os jogos ilegais vai se revelando uma hipótese que a Polícia Federal poderá confirmar em breve, quando a Operação Furacão se debruçar sobre o farto material que recolheu e varrer outros estados da federação. A ventania pode deixar muito tucano despenado.