Robert Fisk: Quando a polícia crê em porcarias da internet

Por Robert Fisk, no The Independent*
Será possível que os homens da segurança, que protegem as fronteiras dos Estados Unidos, estejam apoiando a tese que nega o Holocausto? Pois bem, é verdade. Aqui está a história. Taner Akcam é o prestigioso

É dispensável dizer que agora Akcam está sendo ameaçado de retaliação legal na Turquia, com base na infame Lei 301 – que criminaliza o insulto à “turquidade”. Mas isso possivelmente faz parte do programa, para um homem que pediu asilo na Alemanha depois de ser sentenciado a oito anos de prisão em sua terra, devido a artigos num jornal estudantil. A Anistia Internacional já o qualificou de prisioneiro de consciência.



Um preso de novo tipo



Porém agora Akcam tornou-se um preso de tipo diferente: um cativo da máquina de ódio da internet, o círculo infernal em que qualquer sujeira ou libelo pessoal pode ser imputado a um inocente sem que haja qualquer recurso à lei, a advogados ou à simples decência. O jornalisca turco-armênio Hrant Dink foi erroneamente citado na internet por supostamente ter dito que o sangue turco era “venenoso”; esta completa mentira – Dink nunca disse uma coisa dessas – levou um jovem a matá-lo numa rua de Istanbul.



Porém a experiência de Taner Akcam é potencialmente bem mais perigosa, para todos nós. Como ele escreveu-me este mês, “além da investigação criminal (pela Lei 301) na Turquia, existe uma campanha de ódio em curso aqui nos EUA, em virtude da qual eu não posso mais fazer viagens internacionais. Minha recente detenção no Aeroporto de Montreal (Canadá), aparentemente devido a enxertos anônimos em minha biografia na Wikipédia, assinala uma perturbadora nova fase numa campanha turca de intimidação que se intensificou desde dezembro de 2006 com a publicação de meu livro.”



Akcam viajara para uma palestra em Montreal e pegou o vôo da Northwest Airlines em Minneapolis em 16 de fevereiro passado. O funcionário de fronteira canadense, disse o acadêmico, foi “cortês” – porém imediatamente o deteve no Aeroporto Troudeau. Mais curioso ainda: o funcionário indagou por que ele deveria ser detido. Akcam conta que deu ao homem um resumo da história do genocídio e da campanha contra ele movida nos EUA por grupos turcos, “controlados por diplomatas turcos”, que “difundem propaganda afirmando que sou membro de uma organização terrorista”.



“Seria improvável, para dizer o mínimo…”



Durou quatro horas até que o funcionário de fronteira tomasse notas e telefonasse aos seus chefes. Akcam recebeu um visto de 11 dias e, por insistência sua, conseguiu que o funcionário canadense lhe mostrasse um papel que era evidentemente a causa de sua detenção.



“Eu imediatamente reconheci o papel”, diz o professor. “A foto era a mesma de um documentário de 2005 sobre o genocídio armênio. A mesma foto e o texto abaixo comprometeram minha biografia na versão inglesa da Wikipédia, a enciclopédia on line que qualquer um pode modificar a qualquer momento.



Durante o ano passado minha biografia na Wikipédia foi persistentemente vandalizada por “colaboradores” anônimos que tentavam me classificar como terrorista. As mesmas alegações foram repetidamente rabiscadas, como um grafite, em “comentários” de meus livros na livraria virtual Amazon.



Akcam foi liberado, porém suas reflexões sobre esse assustador incidente são as piores. “Seria improvável, para dizer o mínimo, que um funcionário de fronteira canadense descobrisse que eu estava viajando a Montreal, resolvesse tomar a iniciativa de pesquisar minha identidade na internet, descobrisse a versão adulterada de minha biografia na Wikipédia, imprimisse-a em 16 de fevereiro e me mostrasse, “voilá” (“aqui está”, em francês)”.



“Recomendamos que não viaje”…



Mas a história não acaba aí. Antes da viagem ao Canadá, dois sites turco-americanos vinham dizendo que as “atividades terroristas” de Akcam seriam do interesse das autoridades de fronteira dos EUA. E, naturalmente, dois dias mais tarde Akcam foi detido de novo – por mais uma hora –, desta vez por funcionários da Segurança Interna dos EUA (US Homeland Security), ainda no Aeroporto de Montreal, antes de embarcar no vôo Montreal Minnesota.



Desta vez, conta ele, o funcionário americano – o US Homeland Security opera também no aeroporto canadense – fez uma advertência: “Senhor Akcam, se o senhor não procurar um advogado e corrigir essa informação, toda entrada ou saída sua no país vai se tornar problemática. Recomendamos que enquanto isso não viaje, e procure fazer com que a informação seja removida de sua ficha.”



Para que fique claro: funcionários públicos canadenses e americanos agora estão detendo gente inocente, baseados em mensagens de ódio postadas na internet. E é o inocente – culpado até prova em contrário, suponho – que agora tem que pagar advogados para se proteger do US Homeland Security e da internet.
Porém, como diz Akcam, não há nada que possa ser feito.



“Acusações contra mim, divulgadas pela Assembléia das Associações Turco-Americanas, o Fórum Turco e o “Tall Armenia Tale” (um site de negação do Holocausto), foram copiadas e reproduzidas e recicladas por incontáveis sites e listas de e-mails, desde que cheguei aos EUA. Meu nome agora, na perigosa proximidade da palavra inglesa “terrorista”, aparece em mais de 10 mil páginas da web.”



Falando claro



Eu não me surpreendo. Não há limite para o círculo do ódio na internet. O que me choca, contudo, é que os homens e mulheres encarregados de proteger suas nações contra Osama Bin Laden e a Al Qaeda estejam lendo esse lixo e se preparando para deter um eminente acadêmico turco como Taner Akcam, com base nisso.



Não acredito que o pessoal da polícia de fronteira deva ser condenado. Recordo de ter ouvido um servidor canadense, uma vez em Toronto, explicando cautelosamente a um visitante palestino que ele não precisava dizer a nenhum policial qual era a sua religião ou as suas crenças pessoais, que devia se sentir seguro no Canadá.



Não. É sobre os chefões deles em Ottawa e Washington que eu me indago. Falando claro, quanta porcaria as autoridades de fronteira do Canadá e dos EUA andam apanhando na internet? E qual parcela disso agora pode ser atirada sobre nós quando andamos por aeroportos a passeio ou a negócios?



* Fonte: The Independent, GB; intertítulos do Vermelho