Marinho sinaliza: próxima geração pagará o pato da Previdência 

O novo ministro da Previdência, Luiz Marinho, sinalizou, em entrevista publicada nesta segunda-feira (23) na Folha de S.Paulo, que a reforma previdenciária atualmente em discussão irá diminuir alguns direitos do trabalhadores das próximas geraçõe

Marinho não dá maiores detalhes sobre o modelo que será defendido pelo governo nos debates do Fórum Nacional da Previdência Social. Sua maior preocupação na entrevista é demonstrar que a atual geração de trabalhadores não será atingida por qualquer mudança que venha a ser tomada durante o segundo mandato do presidente Lula.



Apesar dessa preocupação, durante a entrevista o ministro diz que algumas ações de curto prazo serão tomadas, como “adequar”, segundo suas palavras, direitos como o auxílio-doença e as pensões.



Marinho diz que teme ver a Previdência estrangulada nas próximas décadas, caso o atual modelo não passe por modificações. Ele prevê que até agosto o Fórum seja concluído, a tempo de enviar até o final do ano uma proposta finalizada de reforma para o Congresso.



Confira abaixo alguns trechos da entrevista:



O que mudará na equipe do Ministério da Previdência com sua vinda para cá? Vão sair só os que desejarem. A equipe é equipe de governo. Não tem por que mudar. No Ministério do Trabalho não mudei absolutamente ninguém, a não ser os que saíram para acompanhar o [Ricardo] Berzoini [seu antecessor]. Aqui é a mesma coisa. Alguns profissionais vão acompanhar o Nelson Machado [ex-ministro que será secretário-executivo do Ministério da Fazenda] e serão substituídos. No mais, a equipe está mantida. Evidente que está mantida se o titular achar que está dando o resultado esperado.



O sr. comandará a segunda reforma da Previdência do governo Lula. Qual é a reforma que busca?
O modelo vai ficar claro no decorrer do debate do fórum [Nacional da Previdência Social]. O que eu procuro é acalmar os trabalhadores que muitas vezes se preocupam, e com razão, quando se fala em reforma. Todo mundo se coloca apavorado: “Será que a reforma vai tirar direitos?”. É assim que o cidadão reage sentado lá na poltrona quando vê televisão. Precisamos fazer uma reforma que não seja mais um remendo. Reforma da previdência em país nenhum do mundo se resolve no curto prazo. Ela se resolve no longo prazo. É com esse olhar que estamos conduzindo o debate e precisamos passar uma mensagem que tranqüilize os trabalhadores que estão no mercado há 10, 20, 30 anos. Será que agora que estou próximo de me aposentar vou ter esse direito adiado?



Isso não vai acontecer. Não há no governo a idéia de fazer uma reforma que venha a atingir os atuais trabalhadores. Temos que dar sustentabilidade à Previdência, olhar para o perfil demográfico do país e ir adequando as regras. Se não fizermos adequações para o futuro, lá na frente a Previdência vai estar estrangulada e não vai ter condições de garantir cobertura previdenciária para futuras gerações. A partir desse conceito vamos fazer um debate no fórum sobre qual proposta adotar.


Queremos chegar à conclusão do fórum em agosto, para em setembro ter uma proposta elaborada para submeter à apreciação do presidente Lula. Se a proposta estiver redonda, no conceito do governo e do presidente, será enviada ao Congresso. O Congresso é a autoridade para fazer mudanças.



Mas o sistema se sustenta ao longo desses 30 anos?
Sim, se sustenta. Essa é a reforma do longo prazo. Agora nós precisamos falar do curto prazo, e no curto prazo estamos trabalhando. O Nelson começou e nós vamos dar continuidade, se for preciso adaptar algo, vamos adaptar, aperfeiçoar, sempre há espaço.


Esperamos que a unificação das receitas dê maior efetividade na arrecadação e no combate à sonegação. Espero que a Receita cumpra rigorosamente esse papel. Cabe a nós dar continuidade ao trabalho de combate às fraudes, à melhoria do cadastro. Estamos aperfeiçoando o cadastro. Também vamos trabalhar o bom atendimento lá na ponta. Vamos ainda adequar alguma coisa na legislação, que também precisa ser olhada no curto prazo.



Adequar o quê?
O auxílio-doença para quem se afasta do mercado tem um valor maior do que o que o trabalhador recebe em atividade. Isso é uma distorção construída no tempo, a partir das equações da última reforma. É uma distorção que precisamos corrigir.


É preciso discutir no curto ou no longo prazo a pensão por morte, que tem uma inadequação que precisamos olhar. Há uma explosão da pensão por morte. É uma coisa que a sociedade terá que debater. A sociedade quer manter isso ou precisa mudar? Por exemplo, um casal em que ocorra uma morte e fica uma viúva jovem, de 20 e poucos anos. Ela vai ter uma pensão vitalícia.


A sociedade acha que dá para sustentar isso? Eventualmente é uma viúva sem filhos. Eventualmente ganhava mais que o marido. Mesmo assim faz jus ao benefício e pode arrumar outro casamento, e o benefício não cessa. Acho que, na situação de uma jovem que ficar viúva sem filhos, ela faz jus a uma indenização. Não a um benefício para o resto da vida. São coisas que a sociedade tem que discutir, e não meramente o governo, que levanta o debate.




Especialistas relatam que em outros países o benefício não é integral, nem é permitido acumular com uma outra aposentadoria.

São essas questões que temos de discutir. Tem que adequar ou não? A reforma se coloca em dois tempos. Essas inadequações estão colocadas na nossa geração. Nós precisamos então discutir no curto e no médio prazo. A sustentabilidade requer, por exemplo, a eventual fixação de uma idade mínima para a atual geração? Não. Não está colocado esse debate. São duas etapas completamente diferentes. No curto prazo, somente inadequações. Não tem mudanças de regras para o curto prazo.



O governo também quer rever a renúncia previdenciária?
Temos que organizar a contabilidade da Previdência. Se tem renúncia fiscal, o Tesouro tem que compensar a renúncia e, portanto, deixa de ser déficit. Os trabalhadores não podem ser vítimas desse processo, se o Estado brasileiro tomou a decisão de desonerar um setor industrial. Não pode ser simplesmente dito: a Previdência que se vire. Isso tem de ser contabilizado como recurso que entra e o Tesouro paga. A Previdência não pode ser sacrificada.



Outra questão são as filantrópicas. Não tenho absolutamente nada contra, o que não dá é para a Previdência pagar a conta. O Ministério da Educação considerou uma instituição filantrópica, então ele tem que reembolsar a Previdência daqueles recursos de renúncia. O mesmo vale para a saúde e a assistência. Estou propondo que a gente rediscuta a questão da filantropia, não para não ter a filantropia, mas a Previdência não pode ser sangrada.



Na quinta-feira, o sr. viveu um incidente com um grupo de aposentados que afirmam que o carro oficial em que o sr. estava atropelou manifestantes. O que aconteceu?
Eu sinceramente não entendi. Dizer que eu não tenho espaço para o diálogo? Todos são testemunhas de que eu tenho. Ontem [quinta-feira] não tinha agenda marcada com os companheiros. Estava saindo atrasado para uma audiência no Palácio do Planalto. Eu nem sabia da manifestação. Foi uma falha de assessoria, que merece um puxão de orelha.


Se eu soubesse, não sairia no meio da manifestação. Se estou com tempo, saio, mas sem tempo não vou sair para causar eventual tumulto. Eu saí, cumprimentei e entrei no carro. Quando estou saindo, o pessoal veio agredir o carro. Uma agressão inexplicável. Estou profundamente chateado com esse troço. Como é que pode um incidente gratuito desses? O carro saiu cantando pneu, disseram eles. É conversa mole.



O Tesouro Nacional tem um projeto de leiloar a folha de pagamento do INSS, a exemplo de alguns Estados que leiloaram a folha do funcionalismo. O que o sr. acha?
É completamente diferente. O assunto vai avançar, mas não no modelo que o Tesouro deseja. Não justifica, de fato, a Previdência pagar o que paga aos bancos. Mas talvez a saída não seja o modelo de leilão que o Tesouro quer. Vamos discutir e encontrar uma solução. Nós vamos chamar os bancos para negociar isso.


O leilão é discutível. Vamos conversar com o Tesouro para encontrar uma outra equação que atenda ao objetivo que está colocado, que é legítimo. Não pagar e receber, se possível.