Feministas conquistam espaço sobre programação da TV

Uma mobilização que teve início no 8 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher, resultou num momento considerado histórico pelas feministas na tarde desta segunda-feira (23). Em audiência pública promovida pela Procuradoria Regional dos Direitos do

No mês passado, diversas entidades iniciaram a coleta de assinaturas para uma representação feita junto ao Ministério Público Federal solicitando que, durante uma semana, as emissoras de TV exibissem um direito de resposta que garantisse a veiculação de concepções e representações das mulheres alternativas às tradicionalmente pelos canais comerciais. A representação foi entregue, um procedimento administrativo foi aberto e a procuradora Adriana Fernandes decidiu, então, pela realização de uma audiência pública para coletar subsídios para uma eventual ação contra a programação de TV.


 


“Defendemos a liberdade de expressão e valorizamos a TV, que faz parte do cotidiano das mulheres. Por outro lado, nos valorizamos diante da TV: somos 52% da população, compomos a maioria da audiência e somos responsáveis por 80% das decisões de consumo das famílias. No entanto, mesmo assim, não nos vemos representadas na televisão em toda a nossa diversidade”, explica a psicóloga Raquel Moreno, do Observatório da Mulher.


 


“Sabemos que a TV não inventa comportamentos, tendências ou valores. Mas ela captura comportamentos e decide a quais dar visibilidade, legitimidade, importância. A partir daí, produz apelos eficientes e valora estilos de vida. De acordo com esses valores, vende produtos, modelos de beleza, vende até felicidade. Faz isso através de personagens de novela, de entrevistadas, de matérias jornalísticas. Como formamos opinião a partir do que vemos e como a televisão exerce uma influência fundamental na formação da subjetividade – posso não ser igual à Gisele Bünchen, mas quero ser um pouco –, é fundamental que a mulher seja retratada de acordo com esta diversidade”, afirma Raquel.


 


De acordo com as organizações que participaram da audiência, além de muitos perfis de mulher serem invisíveis à mídia – somente em 16% das reportagens a mulher é centro das notícias e só 15% das matérias destacam a desigualdade de gênero –, aquele que é reforçado as retrata de forma estereotipada. Para elas, o modelo feminino disseminado é o da mulher bonita e burra. Há, por exemplo, mais loiras na televisão brasileira do que na francesa.


 


As conseqüências desta prática são seríssimas. As brasileiras são as que mais se sacrificam para serem belas. Em 2003, R$ 17 bilhões foram gastos no país em cosméticos e produtos. Os levantamentos recentes sobre número de cirurgias plásticas colocam o Brasil no topo do mundo. Em paralelo, as tramas novelísticas seguem retratando a mulher com base nas relações afetivas que constroem, enquanto o trabalho, por exemplo, não é valorizado como forma de realização da mulher.


 


“Ao mesmo tempo em que, no jornalismo, há um aumento de matérias esclarecedoras sobre o papel da mulher, as novelas e os programas de TV mantêm padrões de 30 anos atrás. Ainda passam para os jovens o casamento e a maternidade como únicos objetivos de vida das mulheres. A realização da menina se dá, portanto, quando ela arrumar um homem. Que sociedade é essa que estamos construindo quando passamos para os adolescentes que a mulher só vale pelo seu corpo, pelo que compra ou pelo homem que tem do lado?”, questiona a jornalista Terezinha Vicente Ferreira, da Marcha Mundial das Mulheres.


 


Na opinião de Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão – Comunicação e Mídia, a televisão não precisa ser 24 horas por dia educativa, mas é intolerável que seja anti-educativa diante da influência que exerce nas novas gerações. “Uma coisa sou eu assistir a imagem de uma loira magra na TV como modelo de beleza. Outra, são crianças vendo essa imagem e os estereótipos de subordinação representados na mídia. Como o Brasil vai vencer a violência contra a mulher quando a TV sempre coloca a mulher em uma relação de subordinação diante do homem? Se queremos um outro Brasil, se queremos enfrentar a violência contra a mulher, a desigualdade e o preconceito, temos que brigar muito com o padrão de mulher apresentado na TV”, acredita.


 


O outro lado


 


As emissoras presentes à audiência pública desta segunda – a única que não enviou representante foi a Rede Globo, principal alvo das críticas das feministas – foram unânimes ao afirmar que não existe nenhuma política de discriminação à mulher dentro de suas respectivas programações.


 


“Nosso jornalismo é feito com total isenção. Cerca de 79% das pessoas que trabalham na emissora são mulheres. Na produção, 174 de 274 funcionários são mulheres”, disse o representante do SBT. “Posso até concordar que as agências de publicidade utilizem formas erradas de representação da mulher, mas às vezes somos obrigados até a veicular o que não queremos”, justificou.


 


Record, Rede TV! e TV Bandeirantes, assim como as demais, se disseram abertas ao diálogo. Mas somente a Rede Mulher e a TV Gazeta já se dispuseram a participar de uma mesa de trabalho permanente, com participação do Ministério Público Federal, para analisar a programação das emissoras. As demais enviarão uma resposta do MPF. Nenhuma, no entanto, se dispôs a abrir sua grade para o direito de resposta solicitado pelas entidades feministas.


 


“Comercialmente é difícil conseguir espaço pra isso na grade. Temos espaços abertos pra fazer este debate no jornalismo e em programas de mediação. Tenho orgulho de falar com certa tranqüilidade da TV Gazeta, onde trabalho, porque lá não seguimos nem reforçamos os estereótipos da TV comercial”, afirmou a advogada Nicole Hoedemaker, do departamento jurídico da emissora.


 


Na avaliação das feministas, é “óbvio” que as emissoras não têm a intenção de discriminar as mulheres, “mas discriminam, porque essa é a ideologia da sociedade, que os meios de comunicação absorvem de forma acrítica”, disse Tatau Godinho. “Se esta audiência pública não servir para os representantes das emissoras pensarem como reproduzem estes preconceitos avançamos pouco”, completa.