Reação contra descriminalização do aborto agoniza no México
A recente descriminalização do aborto no Distrito Federal do México atiçou uma antiga controvérsia. A ala criminalizante marcou um agônico início de reação, em um país onde se afirme que 90% da população é católica. O tema continua a contagiar a sociedade
Publicado 27/04/2007 18:17
Jorge Serrano, líder da ONG Pró-Vida, anunciou que esta divulgará a lista dos centros de saúde que pratiquem abortos, e até impedirá o ingresso de mulheres que desejem interromper a gravidez. Mesmo dizendo que as manifestações terão caráter pacífico, Serranoalertou que fará “uma luta árdua em todos os campos”, o jurídico e o social, contra a lei recém-aprovada que para ele é “criminosa”.
Hierarquia católica fez cruzada contra
A hierarquia da Igreja Católica alertou seus fiéis para que continuem a enfrentar a descriminalização. Julga que se trata de uma ameaça à vida humana, que começa no próprio instante da concepção.
Os bispos do México afirmaram que rezam para que Deus perdoe os parlamentares que, na terça-feira passada, aprovaram o projeto legalizando a interrupção da gravidez desde que aconteça durante as 12 primeiras semanas de gestação. “Oramos para que não acabem como (Adolf) Hitler, encerrados em sua solidão, amargurados e sem esperança”, agourou um comunicado da Igreja.
A hierarquia católica liderou uma raivosa campanha para evitar que o projeto triunfasse. Atualmente, responde a um processo administrativo por ter estimulado a reação de grupos antiabortistas que ameaçaram de morte os parlamentares que votassem no projeto.
A reação do PAN
Em sintonia, o PAN (Partido de Ação Nacional, na presidência do México com Felipe Calderón, membro do tradicionalista Opus Dei), informou que questionará a constitucionalidade da lei junto à Suprema Corte de Justiça. Antes da aprovação do projeto, a interrupção da gravidez só era admitida em casos de estupro, deformações congênitas ou perigo de vida (no Brasil, apenas no último caso o aborto é legalmente permitido).
O PAN se adianta diante da possibilidade da descriminalização se afirmar em nível nacional. Uma ala do PRD (Partido da Revolução Democrática, no governo do Distrito Federal mas na oposição a Calderón) apresentou na Câmara dos Deputados um projeto semelhante, com validade para todo o país.
Os parlamentares conseguiram vencer as pressões e ameaças de linchamento feitas por certas organizações católicas. Desafiram inclusive o papa Bento XVI, que manifestou seu apoio à Igreja mexicana em sua cruzada antiaborto.
Argumentos pró-descriminalização
Os defensores da iniciativa dizem que ela responde a razões de saúde pública, e não aumentará necessariamente o número de abortos. Sua intenção é tornar os preços nas clínicas e hospitais acessíveis às mulheres pobres, e evitar que elas tenham de recorrer a uma ação criminalizada.
Segundo dados oficiais, cerca de 2 mil mexicanas morrem todos os anos devido a abortos mal praticados. O fato de que o procedimento é considerado um delito produziu um mercado informal do aborto, em locais inadeqüados, insalubres e com pessoal pouco qüalificado.
A despenalização do aborto no DF é vista em amplos setores como uma vitória histórica da razão e da civilidade, uma prova de que as imposições da reação política e econômica não conseguem deter a marcha do país.
A lei, conforme estudiosos, deve enfraquecer a influência clerical que ainda incide sobre as leis e códigos mexicanos, enquanto reafirma o caráter laico do Estado, e o princípio da separação entre este e a Igreja.
Vitória foi por 46 votos a 19
O destempero dos antiabortistas atesta o tamanho da derrota conservadora. Foi o primeiro avanço importante depois de décadas em que o México viveu uma regressão, erodindo as conquistas sociais e trabalhistas do século passado, comentam estes observadores.
No plenário da Assembléia legislativa do Distrito Federal, a lei da descriminalização teve 46 votos a favor, 19 contra e uma abstenção. A alegria dos simpatizantes do projeto contrastou com a reação dos opositores. Estes anunciaram um movimento de “resistência civil”, que não reconhecerá p conteúdo da reforma e convocaram uma rebelião contra sua aplicação.
Na América Latina, onde a Igreja mantém forte influência, apelas Cuba e a Guiana descriminalizaram o aborto. Já na América anglo-saxônica a interrupção voluntária da gravidez é permitida, com exceção da Polônia e Irlanda, dois países retardatários onde o peso do catolicismo também é grande.