Lula defende Kirchner e quer moeda única no Mercosul

Em sua recente viagem à Argentina e Chile, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevistas a jornais de ambos os países. A Agência Carta Maior traduziu e publicou algumas que o jornal argentino Página 12 fez com Lula. Veja abaixo os principais

Se Luiz Inácio Lula da Silva fosse argentino, já se conheceria seu voto nas eleições presidenciais de outubro: ''A continuidade favorece a integração regional''. Tranqüilo, depois de uma vitória eleitoral com 63% de avaliação positiva, o presidente brasileiro se dedica ao que mais gosta, a política e a projetos estratégicos. Como, por exemplo, o de reformular a educação brasileira, com investimentos da ordem de vários milhões de dólares, ou o de reforçar a lua de mel com seus ''sócios'' sul-americanos.


 



A Argentina é o principal sócio comercial do Brasil no Mercosul, explicou o presidente. ''A Argentina e o Brasil têm uma grande importância no que pode acontecer na América do Sul. O Chile representa uma viagem de Estado, enquanto na Argentina o objetivo é uma conversação política, para colocar nossa pauta em dia, que é algo que devemos fazer constantemente''.


 



Para Lula, o triunfo do kirchnerismo em outubro seria algo ''favorável'' para a integração continental. ''Creio que a favorece. É difícil para o presidente de um país emitir juízos sobre outro, mas deduzo, a partir dos quatro anos de convivência com o presidente Nestor Kirchner, que o Brasil e a Argentina nunca tiveram uma relação tão vantajosa como a de agora. Temos problemas? Sim, é claro, como na Argentina também há problemas quando das disputas entre o Racing e o Boca Juniors. O que importa é que os gestos feitos foram produtivos, e o Brasil e a Argentina têm consciência de que essa relação deve tornar-se cada vez mais forte.


 



Por isso, a continuidade dessa relação seria muito importante. Para Lula, ''Kirchner fez um governo muito bom para a Argentina. Talvez haja gente que pense que ele poderia ter sido melhor, mas vamos analisar o que acontecia antes de Kirchner. Estive na Argentina em 2002 e vi o que acontecia. Acho que Eduardo Duhalde foi extraordinário para a Argentina, e Kirchner também. Houve recuperação da auto-estima, a economia voltou a crescer, e as coisas estão funcionando''.


 



A integração continental e o Mercosul realmente entusiasmam Lula: ''Estamos vivendo um momento auspicioso na América do Sul, extraordinário. A evolução política na América do Sul é a novidade do planeta no século 21, é onde estão acontecendo as novidades políticas, é fantástico. Nosso desafio é saber se seremos competentes para transformar essas novidades em conquistas para os nossos povos. Eu tenho mais quatro anos de mandato, certamente haverá continuidade na Argentina, Bachelet tem mais três anos de governo pela frente. De vez em quando digo aos companheiros presidentes que não podemos deixar que nossas diferenças do século 19 prejudiquem as convergências do futuro. A única divergência que quero ter com meus sócios na América do Sul é sobre futebol. Às vezes sonho com fazer uma partida de futebol entre uma seleção do Mercosul e uma seleção européia ou dos Estados Unidos (nesse momento o chanceler Celso Amorim acrescenta que se deveria jogar ''pelos subsídios agrícolas'').


 



Página 12 – Se o processo de integração avança, por que o conflito entre Argentina e o Uruguai [sobretudo pela instalação de fábricas de celulose junto ao Rio da Prata – nota de Carta Maior] não se resolveu em Brasília e se teve que recorrer à [intervenção do Tribunal Internacional de] Haia?


 


Lula – O conflito poderia se resolver em Buenos Aires, em Santiago do Chile ou em Montevidéu, não em Brasília (rindo). Eu penso que é necessário construir instituições fortes. Estamos caminhando em direção a um Parlamento do Mercosul, já temos um tribunal arbitral. Não tenham dúvidas de que em algum momento vamos criar um mecanismo que resolva conflitos entre nós, isso é parte da evolução política. Não tem sentido recorrer a Organização dos Estados Americanos ou ao Tribunal de Haia.


Página 12 – O sr. e Kirchner prometeram relançar o Mercosul em 2003. Mas quatro anos depois o bloco enfrenta o impasse de uma possível saída do Uruguai.


 


Lula – Não acho que haja um impasse. Muitas vezes exigimos coisas num tempo muito curto. Pensem que a União Européia levou 50 anos para se unificar, para ir concertando as coisas. Os problemas que temos são apenas indicadores que nos dizem que temos que ser mais generosos com aqueles que precisam mais.


 


Página 12 – Que expectativas tem com relação ao projeto do gasoduto da Venezuela?


Lula – Sou mais do que otimista, acho que é uma necessidade. É curioso que as pessoas na América do Sul vejam o gasoduto russo que atravessa toda a Europa como algo normal, e quando nós dizemos que queremos construir um aqui acham isso anormal. Temos que ter auto-estima, e compreender que devemos construí-lo. Devemos definir a participação de cada um dos países, e deixar de dizer que não podemos fazê-lo porque somos pobres. É importante lembrar que a Itália construiu um gasoduto durante a Guerra Fria e contra a vontade dos Estados Unidos. Por isso estamos trabalhando com muita força neste projeto, temos 52 técnicos trabalhando na Venezuela, discutindo a possibilidade de execução, a questão ambiental. Espero estar vivo para poder vê-lo.


 


Página 12 – O outro projeto lançado a partir da Venezuela, o de um Banco do Sul, pode contribuir para o desenvolvimento das economias menores?


 


Lula – Pode ser, se definirmos corretamente o que queremos do Banco do Sul. Esse banco será um banco do tipo do FMI, para ajudar países em crise? Ou será um sócio para impulsionar o desenvolvimento, como é o nosso Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, a Corporação Andina de Fomento, ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID? Qual será a participação de cada país? Porque um banco dessa magnitude deve ter um critério de quotas. Nós sugerimos uma reunião de ministros da Economia para discutir esses temas. O Brasil tem todo interesse em participar do Banco. Eu trabalho com a idéia de nos próximos quatro anos podemos construir uma moeda única no Mercosul, estamos avançando em nossa discussão com a Argentina para fazer nosso intercâmbio comercial com nossas próprias moedas. Poderemos caminhar em direção a um único Banco Central? Poderemos, mas isso leva tempo, porque deve haver uma adaptação técnica e uma compreensão política do tempo que isso exige.


 


Fonte: Agência Carta Maior