Eduardo Bomfim: Cultura, Política e Mito

A existência do conceito de raças é inegável. Seu fundamento, no entanto, não é biológico, e sim racial. Ele é formado historicamente, o seu significado tem uma longa história de fatores culturais, sociais, políticos e econômicos. Por Eduardo Bomfim

Após a derrota do nazismo na Segunda Guerra Mundial, a crença em raças superiores e inferiores ficou desmoralizada.



Mas na época do naturalista sueco Carl Lineu, criador do sistema de classificação de seres vivos denominado Sistema Naturae, em 1735, acreditava-se que as espécies eram fixas, criadas por Deus, e as variações entre os indivíduos de uma mesma espécie não passavam de imperfeições nas criaturas, provocadas pelas falhas do mundo material.



Segundo Alan Templeton, biólogo da Washington University, atualmente convivem dois critérios, o tradicional e o evolutivo, para a classificação de raças. Há ainda uma parcela de pesquisadores que simplesmente não aceita essa subdivisão (em raças).



Em 1998, Alan Templeton fez um estudo para verificar a existência de raças ou subespécies na espécie humana, usando ferramentas matemáticas e dados moleculares aplicados atualmente para a definição de subespécies ou raças de qualquer tipo.



Seu estudo atualiza e confirma que não há raças ou subespécies entre os Homo Sapiens. Seria necessário que o grupo populacional, além de conter diferenças genéticas, tivesse permanecido sem troca genética (isto é, sem acasalamento) com a população humana original por longo tempo, formando uma nova espécie.



Ao final ele conclui: “devido às extensas evidências de troca genética durante os movimentos populacionais e ao recorrente fluxo gênico ocorrido durante as últimas centenas de milhares de anos, há apenas uma linhagem evolutiva da humanidade”.



“A Humanidade é uma única linhagem compartilhando uma mesma sorte evolutiva em longo prazo”, declara o professor. E conclui: “A definição de raças humanas, em sentido biológico, é, portanto, um equívoco”.



Natalie Angier em matéria publicada no The New York Times, registra um consenso entre os cientistas: a facilidade de identificar, num bater de olhos, asiáticos, europeus e africanos desaparece no estudo minucioso do DNA. Por isso J. Craig Venter, líder do Celera Genomics Corporation, que recentemente divulgou o sequenciamento de bases da maior parte do DNA humano, afirma “raça é um conceito social, e não científico.”



Porém, durante três séculos a ciência ocidental embasou posições ideológicas racistas que culminaram no racismo científico dos séculos 19 e 20 e no nazismo.  


        
A Origem Genética dos Brasileiros


 


Os estudos feitos pela Universidade Federal de Minas Gerais são um desses que mostram como os caracteres aparentes nos dizem pouco sobre a nossa origem. Os estudos demonstram cientificamente que mais de 90% das linhagens paternas dos brasileiros tidos como brancos descendem de europeus e apenas 2% descendem de africanos.



Nas linhagens maternas os resultados encontrados foram diferentes. Pela análise do DNA, apesar da diversidade, foi possível distribuí-los em três grupos distintos de linhagens: africanas, ameríndias e européias, cuja distribuição é relativamente uniforme na população “branca” brasileira – 33% de linhagens ameríndias, 28% de linhagens africanas e 39% de linhagens européias.



A junção das duas linhagens, paternas e maternas, conforma o povo brasileiro. Os dados do estudo dos cientistas da UFMG reafirmam a inexistência de raças humanas e expõem a diversidade genética da população brasileira. Somos descendentes de africanos, índios e europeus.



Os europeus nos deixaram marcas das invasões e imigrações daquele continente por celtas, fenícios, romanos, suevos, visigodos, judeus, árabes e berberes.



A natureza tri-híbrida da população brasileira, a partir de ameríndios, africanos e europeus já havia sido afirmada por vários autores como Artur Ramos, Paulo Prado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Darcy Ribeiro, entre tantos outros. Como dizem os pesquisadores mineiros, “os dados que obtivemos dão respaldo científico a essa noção”.



Outra constatação reveladora é a presença de 33% de matrilinhagem ameríndia. Eles calculam que cerca de 45 milhões de brasileiros tem DNA mitocondrial ameríndio e descendem, portanto, dos primeiros habitantes desta terra. Embora desde 1500 o número de nativos no Brasil tenha se reduzido a 10% do original, o número de DNA mitocondrial aumentou mais de 10 vezes. É uma herança expressiva e muito maior do que a suposta na incorporação ao novo povo que surgia, o povo brasileiro.



Baseados em dados científicos ao alcance de todos, podemos afirmar que surgimos efetivamente, do cruzamento de uns poucos brancos com multidões de mulheres índias e africanas. Essa é a nossa verdadeira cara.



Interessante destacar é o fato de que ao contrário do que pretendia a elite racista do começo do século – o branqueamento da população, com a imigração européia depois do período colonial – esses imigrantes não formaram, no geral, quistos étnicos isolados, incorporando-se à população já existente através dos casamentos.      



Nota: esta primeira parte do artigo é praticamente uma sistematização do ensaio da bióloga Verônica Bercht. Na verdade, uma compactação da sua produção. Aqui, a sua interpretação corre livre sem interrupções, salvo uma ou outra formulação alinhada ao seu trabalho.



Como dizia Graciliano Ramos: “a palavra foi feita para dizer não para enfeitar”. E como a recorrência, a redundância ou a reinterpretarão do que já foi escrito com eficiência na linguagem e no conteúdo, seria um absurdo outro curso da escrita senão o que já tinha sido feito. O nosso objetivo não é a literatura, mas o esclarecimento e a tomada de posição com bases científicas, teóricas e ideológicas.


 


A outra Verdade sobre o Multiculturalismo



Esta segunda parte do artigo tem como base uma síntese, desenvolvida por Selma Nunes, do livro de Russell Jacoby, “O fim da utopia – política e cultura na era da apatia”. Trabalho exaustivo de captar o pensamento do autor sem perder a essência, o conteúdo da mensagem. A minha participação resume-se a certas formulações em determinados pontos do texto.



Russell Jacoby que atua nos Departamentos de História e Educação da Universidade da Califórnia, dedica precioso capítulo do seu livro à questão do multiculturalismo e afirma que o fenômeno é considerado tão fundamental pela inteligência acadêmica oficial dos EUA e outros órgãos formuladores de ideologias do aparato estatal deste país, que “quanto mais apoiá-lo, mais virtuoso alguém será”.



Afirma que em 1924 a idéia não era popular em parte alguma dos Estados Unidos. E sabia por quê. A imigração em grande escala e a Primeira Guerra Mundial aumentaram o medo em relação aos estrangeiros. As palavras de ordem passaram a ser americanização e assimilação, e não pluralismo e diversidade.



Setenta anos mais tarde, o multiculturalismo é considerado quase como uma unanimidade. Na década de 1990 do século passado “houve uma grande mudança”. O Multiculturalismo passou a ser a tábua de salvação, no alfa e no ômega do pensamento político. A ideologia de uma era sem ideologia para grande parte da intelectualidade norte-americana. Porque o grande capital permaneceu, como sempre, reciclando-se, reatualizando seu discurso com o objetivo expansionista e do lucro sem limites.  



As idéias do multiculturalismo tornaram-se sacrossantas, cheques em branco resgatáveis por qualquer um em qualquer valor, carentes de significado ou conteúdo. Não só indicam uma política a ser seguida como quase sempre substituem a política.



O jargão obscurece as realidades sociais e econômicas, pouco atentando para os imperativos econômicos. Mas como a cultura, em largo sentido, poderia subsistir sem o trabalho e a produção da riqueza? Como poderia ser entendida sem levar em conta a sua relação com as realidades do mundo do trabalho?



Na medida em que a cultura, lato senso, passa a ocupar e conduzir todos os espaços da vida concreta, a grande política passa a perder o seu significado de fio condutor da luta social, das contradições de classes, de formuladora para alternativas emancipacionistas às grandes maiorias. É claro que os adeptos do multiculturalísmo freqüentemente escrevem sobre as suas opções políticas.



A História intelectual não pode ser separada da História política e social. Os primórdios do multiculturalismo têm origem na década de vinte do século passado em contraponto ao fascismo italiano e posteriormente contra o nazismo alemão. Era a antítese do estado totalitário, reconhecido e combatido por quase toda a humanidade.



Mas a denominação ganhou expressiva conotação e grande papel na luta ideológica, após a Segunda Guerra Mundial, em confronto ao Estado Soviético e mais especificamente como instrumento para tipificar a teoria socialista e o marxismo. O marxismo, o socialismo, seriam a uniformidade, o “mundo livre”, sob a liderança dos EUA, a quinta-essência da pluralidade multicultural. Era a guerra fria em seu apogeu.



Tais idéias tiveram o seu auge e popularidade num livro publicado no fim da Segunda Guerra Mundial. “O caminho da servidão” de F. A. Hayek, economista e filósofo austríaco estabelecido na Inglaterra.



Suas maiores preocupações eram a disseminação das idéias socialistas, o perigo do Estado previdenciário. O socialismo democrático baseava-se, acreditava ele, em idéias genéricas e utópicas que ameaçavam a liberdades individuais, sua grande obsessão, entre outras considerações de origem econômicas e filosóficas.  



Nessa maré navegaram intelectuais como Isaías Berlin e Hanna Arendt. Anos mais tarde, Isaías em deplorável texto, defendeu os maciços bombardeios americanos conta o Vietnã em nome de uma causa maior à sobrevivência da sociedade multicultural, apesar dos milhares de mortos que “abalavam suas crenças humanistas”.



Com as conseqüências nos EUA da guerra do Vietnã e o grande movimento pelos Direitos Civis, decaiu, temporariamente, o multiculturalismo. Assim, podemos constatar que o multiculturalismo perde força quando as lutas políticas, os movimentos, as grandes causas se agigantam. E na medida inversa, ressurge nos períodos em que os grandes movimentos emancipacionistas regridem.   



O retorno do multiculturalismo



Movido por uma “cultura” abstrata e por uma diversidade formalista, o multiculturalismo dá origem a projetos deixados para trás pelas realidades econômica e social injustas para a maior parcela da sociedade. Por outro lado, raros são os historiadores que se dão conta de que o capital, apesar da diversificação no consumo, conduz os EUA e o mundo, através das grandes marcas dos poderosos aglomerados, ao caminho mais uniforme e não diverso, sob qualquer ponto de vista ou área de produção.



São as poderosas forças homogeneizadoras da sociedade industrial. Sob o ângulo “cultural”, os filhos dos imigrantes, nos EUA, procuram ser assimilados através do domínio da língua inglesa, dos costumes, dos produtos da sociedade de consumo, da marca famosa de tênis, da variedade musical que os ligam ao conjunto da sociedade americana.



Os chamados afro-americanos, pouco sabem ou conhecem da África, assim como os descendentes dos poloneses e uma infinidade de outros povos. Cada vez mais, os valores culturais, bons ou péssimos, e os estilos de vida são moldados, alheios às identidades das novas gerações que descendem dos velhos imigrantes.



Na verdade, a expressão multiculturalismo não se refere a vidas diferentes, mas a diferentes estilos de vida na sociedade americana. Todas as culturas “diferentes” sonham com o “sucesso americano”. Planejam alcançá-lo.



Afirmam que um multiculturalismo autêntico requer inclusão. Mas entendida como a partilha do poder entre os grupos relevantes de certas minorias.



Paridade de poder em diversos estamentos do setor privado ou público. Mas um poder destituído de projeto para uma sociedade mais justa, a eliminação das disparidades sociais crescentes para os padrões americanos, dos sem tetos em Nova York e outras grandes cidades. Assimilação acrítica da política externa imperial dos EUA. Porque o multiculturalismo, sinônimo das políticas afirmativas, pressupõe a identificação com o papel geopolítico belicista dos EUA.  



Será que os prefeitos “negros” americanos representam uma cultura política transformadora? Ou as juízas da Corte Suprema? E acaso deveriam representar? Despojada da retórica, a reivindicação de poder representa uma determinada e combinada repartição de poder sem outro pressuposto de justiça social ou projetos democráticos, progressistas. Por tímido que seja.



Deixando de lado o discurso, em última instância, esta política define-se mesmo por cargos e empregos, a exigência nem tanto revolucionária, por maior espaço na burocracia universitária e outras. O que é perfeitamente compreensível sem ser propriamente radical.



Diz-nos Russell Jacoby, parece mais uma questão de equalização e não de uma emancipação transformadora. Na verdade, os multiculturalistas radicais, afirma Jacoby, falam muito sobre a marginalidade com o objetivo explícito ou implícito de juntar-se à corrente principal no topo da sociedade ou bem perto, se possível.



Outros se especializam sobre marginalização para aumentar seu valor de mercado. Os pobres querem ser ricos ou incluídos. Nada de errado. Mas o que isto tem a ver com projetos transformadores, democracia social, com a luta por uma sociedade e um mundo melhor ?



Houve um tempo, assevera Jacoby, em que os revolucionários, diferente dos multiculturalistas, tentavam promover revoluções, alimentando o sonho de uma sociedade ou de um mundo diferente. Dessa forma se apresenta o multiculturalismo. E assim surgem as conhecidas posturas afirmativas, tanto quanto as políticas que as materializam.



É impossível contestar o atual papel hegemônico, em grande parte do mundo, dessa doutrina. Induzida implicitamente, na maior parte dos casos, atinge a maioria dos países. Possui grande quantidade de aderentes, organizações não governamentais com recursos externos, além da crescente influência de suas proposições no campo institucional.



De tal maneira, que se posicionar contra esta ou aquela política multicultural mais popular, implica em contrariar as idéias dominantes fortemente apoiadas pela grande mídia dos países. Os que as combatem, encontram-se, na atualidade, no campo da resistência.



No Brasil as políticas multiculturais foram aplicadas, inicialmente, nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de forma arbitrária, através de iniciativas em vários Ministérios, abrindo as portas para a consolidação de grupos estruturados e ideologicamente formados previamente. Seus líderes freqüentaram cursos em universidades norte-americanas.



Mas o que chama a atenção é o fato de que tais idéias e “ações afirmativas”, “politicamente corretas”, romperam a barreira do forte sentimento antiamericano espalhado por todo o mundo ocidental, inclusive em nosso país. As explicações para esse fenômeno encontram-se ao longo deste texto.



Sobre o assunto, Peter Fry, em seu livro “A persistência da raça”, diz que quando essas idéias adquirem força da lei, torna-se mais difícil erradicá-las. Considera que a “ação afirmativa” tem o efeito de negar um Brasil híbrido, a favor de uma nação de raças distintas, abrindo o caminho para o “apartheid civilizado”, institucionalizado nos EUA.



Na verdade o multiculturalismo expande suas influências para além da chamada questão racial, como já vimos anteriormente, através dos mais variados grupos de pressão, principalmente os mais organizados, com infra-estrutura e base social.



Representam uma forma diferenciada dos conhecidos lobbies que atuam nas esferas do poder público, do municipal aos altos escalões das instâncias federais. Exatamente porque possuem um arcabouço conceitual que empresta uma determinada legitimidade às suas reinvidicacões, para além do caráter corporativo.



A força e a capacidade de pressão das políticas afirmativas multiculturais, com apoio de maciça propaganda teórica e ideológica, extrapolou os segmentos comunitários, as esferas públicas, perpassando pelos mais variados setores da vida das nações.



A colunista da revista TIME



Em artigo publicado em setembro de 2006, pela “insuspeita” revista TIME, transcrito na ISTO É, Carolina A. Miranda, cujos pais são peruanos e chilenos, diz que sempre pensou, pelos seus traços e as suas origens, que era descendente de europeus (espanhóis) e índios sul-americanos. Resolveu fazer um teste de DNA, através da saliva, movida pela incessante propaganda das empresas que proliferam nos EUA.



Afirma que os testes são populares entre genealogistas amadores e estudantes que estão terminando o segundo grau e rezam para que o vínculo com algum grupo étnico sub-representado os ajude a ingressar em uma das melhores universidades americanas (através do sistema de cotas).



Relata: “Algumas semanas depois, recebi os primeiros resultados, da DNA Tribles. Como imaginava, os indicadores genéticos apontavam para raízes européias e indígenas americanas. Mas o número um na lista dos meus supostos lugares de origem, para a minha surpresa, era a África subsaariana”. Ademais, continua a articulista, “para a minha grande surpresa, a primeira da lista das dez populações regionais cujo código genético eu mais compartilhava era a Bielo-Rússia, seguida de perto pelo sudeste da Polônia e Moçambique”.



“Os testes mudaram a visão que tenho de mim mesma? Não realmente. Eu ainda me identificava como latina… Se o processo provou alguma coisa, foi que somos todos um almágama confuso de séculos de miscigenação e migração. A verdadeira identidade, ao que parece, não reside em nossos genes, mas em nossas cabeças”, conclui a articulista.



Chama a atenção um dos maiores escritos de todas as épocas, pela sua capacidade científica, pela beleza do texto, a genialidade em trabalhar com as contradições dos movimentos históricos, “O Manifesto do Partido Comunista”, de Karl Marx e Friedrich Engels.



“A burguesia, em seu reinado de apenas um século, gerou um poder de produção mais massivo e colossal do que todas as gerações anteriores reunidas. Submissão das forças da natureza ao homem, maquinário, aplicação da química à agricultura e à indústria, navegação a vapor, ferrovias, telegrafia elétrica, esvaziamento de continentes inteiros para o cultivo, canalização de rios, populações inteiras expulsas de seu Habitat – que século, antes, pôde sequer sonhar que esse poder produtivo dormia no seio do trabalho social?”.



O que interessava principalmente a Marx eram os processos mais abrangentes, as conseqüências na vida humana, as novas manifestações desta. O particular, significava para ele, a possibilidade de compreender o geral. A parte e o todo, complementavam-se. Mas o que o impelia era o entendimento do fenômeno, geral, universal.



Exatamente por isso que, ao considerar a burguesia a classe mais revolucionária da história da humanidade até então, ao ponto de, como no “Manifesto”, afirmar o que nenhum burguês seria capaz de expressar com tanta veemência, a energia vulcânica desta, como fez Marx, ao mesmo tempo ele declara que o único motor que impulsionava a burguesia seria a acumulação do lucro, a busca desenfreada pela acumulação do capital.



Ao despertar forças adormecidas tão poderosas, nessas condições, como a classe operária, os assalariados em geral, ela própria criara as condições para a sua negação.



Assim parece que acontece ao multiculturalismo que ao promover as “ações afirmativas” com o intuito de “acomodar”, através de um “formalismo artificial” estratos de segmentos sociais, culturais, que não participam das altas esferas do sistema das classes dominantes, como agregadas, possibilitando a mobilidade de uma ínfima parte destas, terminará por provocar o inconformismo das amplas maiorias subalternas.



Assim é que a articulista da revista TIME, após o exame de DNA, percebe que embora pertença a uma inusitada e milenar miscigenação que nunca teria imaginado, conclui que pertence pela identidade cultural, social e nacional aos povos latinos da América do Sul.



Ela descobriu através de uma das inúmeras e prósperas empresas norte-americanas que sustentam as ações afirmativas pela identificação “racial”, que na verdade é produto de um intenso, de milênios de anos, complexo processo de formação da sociedade humana. Descobriu o que Darcy Ribeiro, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e muitos outros já haviam concluído.



O capitalismo, que ao mover-se através de ímpetos revolucionários e conservadores ao mesmo tempo, pelas condutas morais subordinadas às questões relativas ao excedente de mão de obra, ou ao exército industrial de reserva, impediu por muito tempo a participação das mulheres na ação ativa da produção como força explorada de trabalho, vê-se na necessidade imperiosa de incluí-las como trabalhadoras, “libertando” poderosa e majoritária força humana, mesmo sob condições inferiores, como força de trabalho. Daí por diante torna-se irreversível o movimento emancipacionista das mulheres. Nos campos das reinvidicações de igualdade de salários, contra os preconceitos sociais, sexuais etc.



O mesmo dá-se em relação a outros extratos minoritários como as chamadas minorias sexuais.



Dessa forma, às lutas sociais incorporam-se extraordinários contingentes de milhões de trabalhadoras. Despertando-as tanto para as lutas mais específicas quanto aos objetivos de transformações estruturais da sociedade, como para os objetivos das lutas nacionais.



Os grandes movimentos dos anos sessenta, representam, por exemplo, reflexo dessa contradição do capital, tanto como a dimensão da consciência em si e emergência dessas irrefreáveis forças em busca do caminho geral da libertação. A incorporação feminina como massa trabalhadora corresponde, mais uma vez à contradição do capital. Assumem destacado papel a luta de idéias e os grandes movimentos pelos direitos das mulheres.



Mais uma vez o capital que, apesar das grandes contradições geradas, exclusão social, cidades inchadas por retirantes expulsos do campo, busca maneiras de fragmentar o pensamento dialético, do todo como elemento principal, adotando através de poderosos instrumentos midiáticos, como um mutante, as políticas fragmentárias, tópicas, em defesa própria.



O seu objetivo central é descentralização da luta geral dos trabalhadores, mulheres, homens, “raças”, minorias em geral, pela sua emancipação social e nacional. Por isso, acredito, que a resistência é a melhor maneira de situar a luta dos povos contra o imperialismo. Porque quando aparenta o caos, o capitalismo mostra-se extremamente atuante. Implementa falsas teorias e ideologias globais. A parte transforma-se no todo e o todo se converte em objetivos não estratégicos. É a essência das políticas afirmativas.



Só a luta política geral, formulada universalmente, incorporando o conjunto das especificidades de cada um dos segmentos mais explorados, através de uma parcela social ampla, avançada e consciente, munida da teoria marxista, em planejada e constante formação de quadros, como as mulheres, maior parte da sociedade planetária, no estágio atual do imperialismo, conseguirá, em condições especiais, objetivas e subjetivas, passar da presente fase de resistência tenaz, para uma etapa de libertação social e nacional dos povos oprimidos.



A sociedade bi-polar, “brancos versus negros”, mulheres versus homens, minorias sexuais etc., filha das políticas afirmativas, além de ser uma reedição de cabeça para baixo das derrotadas políticas de supremacia da raça pura, como a ariana, revela-se falsa pelo avanço espetacular da ciência.



Os verdadeiros marxistas revolucionários, acredito, devem assumir na verdadeira formulação da ciência marxista, em acordo com a atualidade do renovado pensamento leninista, o front da luta teórica, ideológica, política e prática, em confronto ao mito cultural — latu sensu — das políticas multiculturais, um dos maiores contrabandos teóricos do imperialismo na atualidade.



O esquematismo, a retórica difundida pela grande mídia e abraçada em diversas organizações institucionais, pontualizando aqueles que se opõem às políticas multiculturais ou ações afirmativas, são em essência contra a contemporaneidade dos nossos dias. Elementos de atraso na incorporação das grandes maiorias femininas e das minorias nas organizações sociais.



Nada mais errado. Quanto maior o número de mulheres, maioria da sociedade, de jovens, em organizações sociais e políticas, através da promoção ideológica, política e teórica, mais poderoso o movimento social. Assim como aqueles que são vítimas de preconceitos de fenótipos, ou opções sexuais. Passariam a representar as grandes maiorias do corpo social.



O que se pretende, na verdade é outra coisa. Ou seja, quem se opuser às orientações formalistas e artificiais das cotas, desconsiderando as características do papel que deve exercer o pretextado caráter dirigente avançado delas, são na verdade adversários da inclusão das mulheres, dos diferentes tipos de fenótipos que formam os povos do mundo e o brasileiro. São excludentes, “racistas”, contra a ampla participação da juventude nos grandes combates sociais. Isso se chama sofisma puro.



O que se encontra em questão é exatamente como formar uma parcela avançada de mulheres, homens e jovens, consciente, capacitada em fundamentos, para exercer o papel de vanguarda ao lado, por exemplo, do povo brasileiro, em sua árdua tarefa de libertação nacional e social, através da inclusão dessas maiorias, contribuindo em grande escala planejada para as tarefas de militantes sociais, além de futuros quadros destacados para as extraordinárias tarefas transformadoras da nossa sociedade.



Caso contrário, quantidade e qualidade serão elementos desconexos, cumprindo simplesmente tarefas de absorção dos grupos mais organizados de persuasão nas esferas institucionais das mais diversas estruturas estabelecidas. A interrogação que fica sem resposta, por enquanto, é primordialmente qual o resultado ou a conseqüência, em longo prazo, de tais iniciativas? Só o tempo vai esclarecer essas preocupações, entendo como pertinentes, com maior transparência.




Citações Bibliográficas/Sistematizações:
1- Verônica Bercht: Ensaio Nossa história, nossos genes. Oficina de Informações (
www.oficinainforma.com.br);
2- Russell Jacoby: O Fim da Utopia – política e cultura na era da apatia, Editora Record, 2001;
3- Peter Fry: A persistência da raça. Civilização Brasileira, 2005;
4- Carolina A. Miranda, articulista da revista TIME, Mergulho na Genética, 2006;
5- Karl Marx e Friedrich Engels: Manifesto do Partido Comunista, 1848;
6- Selma Nunes: Trabalho de sistematização do capítulo O Mito do Multiculturalismo, do livro de Russell Jacoby, O fim da utopia – política e cultura na era da apatia.