Tempo de vida útil de um cortador de cana hoje é de 12 anos

Durante a Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação) de Ribeirão Preto (SP), que tem no setor canavieiro o maior potencial de lucros – 20% dos faturamentos totais, que pode chegar a R$ 900 milhões neste ano – usineiros e sindicalistas d

Sindicatos de bóias-frias da região de Ribeirão Preto dizem que caiu a expectativa de vida útil do trabalhador nas últimas décadas. Eles discordam de que o setor pague bom salário.


 


''Se a gente for comparar, a alimentação que os escravos tinham mostra que os bóias-frias estão numa situação ruim. Além de ganhar mal para um trabalho muito penoso, a carga horária deveria ser menor'', disse Silvio Palvequeres, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão Preto.



Já Wilson Rodrigues da Silva, presidente do Sindicato dos Empregados Rurais de Guariba, afirmou que os funcionários não conseguem alimentar a própria família. ''A situação em alguns pontos é bem pior que a dos escravos. O escravo era bem-alimentado, porque tinha que trabalhar. Hoje muitos trabalham o dia inteiro e pedem cestas básicas nas prefeituras no fim do mês'', afirmou.



Segundo Palvequeres, a alimentação deveria merecer atenção dos empregadores. ''Eles passam o dia inteiro com uma marmita só. É onde a gente vê que ocorre muito problema, até morte no corte.''



A jornada ideal de trabalho, para Palvequeres, seria de seis horas diárias. ''Depois disso, o bóia-fria não rende mais. Se baixasse, não haveria tanto problema de exaustão.'' Silva disse discordar da afirmação do ex-ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) de que o trabalho do bóia-fria é duro, mas bem-remunerado. ''O pessoal ganha de R$ 700 a R$ 1.200, e só em período de safra. Mas e depois?''


 


Para usineiro bóia-fria ganha bem


 


''O salário está muito acima da média brasileira de remuneração. Por isso é que atrai tanta gente'', disse o usineiro Maurilio Biagi Filho. ''[Os cortadores] são pessoas sem referência de vida na roça. Têm vivência urbana e uma constituição física completamente diferente da do lavrador. Muitos não encontram trabalho na cidade e vêm tentar nos canaviais o último reduto para sobreviver'', disse o usineiro Menezis Balbo. ''Garanto que boa parte deles, mesmo assim, ganha mais do que os fiscais que hoje denunciam usinas e fornecedores por trabalho escravo'', afirmou Balbo.


Essa é a opinião de produtores rurais de cana de pequeno e médio porte e usineiros ouvidos na Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação) de Ribeirão Preto (314 km de São Paulo).



O cortador ganha em média R$ 2,40 por tonelada de cana cortada, o que rende um salário mensal de R$ 700 a R$ 1.200.



Segundo estimativa da socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a útil de um cortador de cana hoje é de cerca de 12 anos, parecida com a do escravo no final da escravidão no Brasil.



A busca por maior produtividade é apontada como uma das responsáveis pelas mortes de 19 bóias-frias desde abril de 2004 no interior paulista, supostamente por causa do excesso de esforço físico no corte da cana. O trabalhador chega a cortar 15 toneladas de cana num único dia.


 


Escolha



Já o professor de agronomia da Unesp Ulisses Rocha Antoniassi, 42, disse que o trabalhador impõe o ritmo de trabalho que quer. ''Ele não é obrigado a trabalhar muito, trabalha para ganhar mais porque ganha por produtividade'', afirmou.



''Não é escravo, é um assalariado. Mas todos pegam no pé do produtor. Se contrata é porque o trabalho é escravo, se mecaniza vai causar desemprego'', disse Leonardo Moreira Cunha, 20, filho de produtor de cana em Quirinópolis (GO).


 


''Estamos transitando entre um modelo que de fato possuía alguns elementos francamente desfavoráveis ao trabalhador rural para um modelo em que as tarefas mais pesadas vão ser feitas pela mecanização'', afirmou o secretário de Estado da Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do Rio de Janeiro, Christino Áureo.



Segundo ele, ao trabalhador rural será reservado um pedaço importante que vai ser mais relacionado a plantio e cultivo. ''O empresário novo, mais consciente, vai vencer o empresário que tem uma outra postura.''



Fernando Costacurta, 32, de Ribeirão Preto, que planta cana e arrenda terras em Jardinópolis, Batatais e São José do Rio Pardo, afirmou que, apesar das dificuldades, o trabalho na cana é uma das únicas formas de os bóias-frias ganharem dinheiro.



''Tem o problema do desemprego. Essa mão-de-obra não-especializada vai ganhar dinheiro onde?'', pergunta. ''Muitas dessas pessoas saem [da safra] com carro e moto novos. As usinas geram muita renda.''



O fornecedor Luís Carlos Lourenço Batista, 42, de Araçatuba, vai na contramão dos colegas. Ele afirmou que ''ainda há muito a melhorar'' quando se fala em condições de trabalho dos bóias-frias. ''São só algumas [usinas] que oferecem condições ruins para o trabalhador, é uma exceção. Mas é preciso dar mais dinheiro e uma assistência melhor para essas pessoas'', disse.


 


Sérgio Prado, chefe do escritório da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) em Ribeirão Preto, disse que a mecanização resolverá o problema trabalhista, mas que é preciso que os trabalhadores sejam qualificados para outras atividades. O diretor-técnico da entidade, Antonio de Padua Rodrigues, limitou-se a afirmar, por nota, que discorda da opinião da socióloga da Unesp.


 


Mecanização geraria desemprego, diz setor


 


O índice de mecanização das lavouras de cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto já atinge 70% da colheita na safra 2007/2008. O avanço é visto pelas usinas como alternativa para resolver problemas ambientais e trabalhistas, mas criaria problemas sociais.



O índice supera a média do Estado de SP, de 45%, e da região centro-sul do país (36%), segundo a Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar).



Nos três casos, os índices são superiores aos registrados na safra passada, de 40% em SP e 30% no centro-sul. Na região de Ribeirão Preto, principal pólo no país, o índice praticamente manteve-se estável.



O setor avalia que, se a colheita fosse toda mecanizada, não haveria necessidade de queimada da cana para cortá-la, mas muitos de trabalhadores ficariam desempregados, gerando problemas sociais. ''As máquinas são mais produtivas, eliminam a queima e substituem o trabalho pesado, mas é preciso que as pessoas sejam qualificadas para outras atividades'', disse Sérgio Prado, da Unica em Ribeirão.



O usineiro Menezis Balbo disse que a mecanização contribuiu para parte da redução do contingente de rurícolas, mas que ''os mais aptos não perderam o emprego, por causa do desempenho apresentado nos cursos e treinamento e foram incorporados pelas frentes de corte mecanizado''.