UNE revela seus planos para a cultura no Brasil

Confira a segunda parte da entrevista com o presidente da UNE, Gustavo Petta, realizada pelo EstudanteNet em que dois principais assuntos ganham destaque: a retomada do terreno na Praia do Flamengo e a construção do centro cultural em São Paulo.

Petta conta com detalhes como foram os dias que antecederam a ocupação do estacionamento clandestino que funcionava numa área de propriedade da UNE e onde funcionou a sede da entidade de 1942 a 1964, até ser incendiada pela ditadura militar. Fala do espírito de coletividade dos estudantes que ficaram acampados no local e relembra o temor que havia em razão de uma possível represália violenta por parte do antigo invasor.


 


“O espírito de luta foi demonstrado claramente por essa geração do movimento estudantil. As pessoas estavam ali, sem condição nenhuma, sem direito a banho, sem direito a alimentação com qualidade, com muita dificuldade, mas todos estavam carregados de energia positiva, de força, de combatividade”, disse.


 


O presidente da UNE também falou sobre a atual situação do terreno na Justiça do Rio e quais são os próximos passos para garantir que o local nunca mais deixe de ser dos estudantes brasileiros:


 


“Nosso grande sonho é a construção da sede definitiva das entidades estudantis, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Nós já temos conversas com a Petrobrás, para a possibilidade de uma parceria, e existe também a possibilidade muito grande de emendas da bancada política do Rio de Janeiro serem destinadas para a reconstrução do prédio. Somando esses dois parceiros, já teríamos condições de construir o nosso prédio”, afirmou


 


Petta, que encerra sua gestão daqui a dois meses, após o congresso da UNE (4 a 8 de julho, em Brasília), também fez uma avaliação da 5ª Bienal de Cultura e explicou como vai funcionar o centro cultural que está sendo erguido na sede das entidades em São Paulo. “Será um espaço de gestão democrática, para novas experiências, sem aquela preocupação com o lucro”, conta.


 


Confira a enrtevista abaixo.


 


Um fato que marcou esta gestão da UNE foi a retomada do terreno na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. Trata-se de um caso antigo, de longa briga judicial. Com a Culturata da 5ª Bienal de Cultura, no dia 1º de fevereiro, os estudantes voltaram para sua antiga casa. Como foi tomada a decisão de ocupar o terreno e montar o acampamento?
Primeiro, para quem não conhece o caso, é bom explicar o significado daquele espaço para a UNE. Lá, funcionou a nossa sede de 1942 até 1º de abril de 1964, quando os militares invadiram o local e tocaram fogo em tudo. Foi lá que o Vianinha, junto de outros artistas e intelectuais, fundou o CPC da UNE. Era um ponto de referência para o movimento estudantil. Depois, em 1980, o prédio foi demolido e mais tarde o terreno invadido por um estacionamento clandestino.


 


No processo de escolha do Rio para sediar a 5ª Bienal já levávamos em conta a possibilidade de fazer um ato, uma atividade cultural ali na Praia do Flamengo, um show de protesto como parte da luta pela retomada. Mas a idéia foi amadurecendo e as condições sendo criadas para a ocupação. Primeiro, tínhamos essas duas questões de muita força, do ponto de vista simbólico, que contribuíram para a decisão: a Bienal da UNE e a comemoração dos 70 anos. Segundo, conseguimos uma grande conquista, logo no inicio do ano, em uma movimentação rápida, quando pressionamos a prefeitura para fechar o estacionamento. Eu estive pessoalmente com o prefeito César Maia para reivindicar isso. Tivemos também um apoio muito importante do ex-presidente da UNE, o ministro dos esportes Orlando Silva, que reforçou nosso pedido com o prefeito e daí houve a interdição.


 


Conversamos também com o governador do Rio, Sérgio Cabral, sobre a importância do terreno, e a necessidade de não haver nenhum tipo de repressão por parte da policia militar. O governador mostrou simpatia pela idéia da retomada, mas não houve garantias. Mas tudo isso foi criando condições, muitas ex-lideranças estudantis, ex-militantes, ativistas do movimento social, foram nos dando força, apoio para que isso realmente acontecesse. Acho que a soma de todos esses fatores nos levou a tomar a decisão de derrubar o portão, entrar na força e dar início a uma ocupação.



 


Como foi organizado o acampamento? De que forma funcionou os primeiros dias? A falta de estrutura, o convívio ente os estudantes….
O espírito de luta foi demonstrado claramente por essa geração do movimento estudantil. As pessoas estavam ali, sem condição nenhuma, sem direito a banho, sem direito a alimentação com qualidade, com muita dificuldade, mas todos estavam carregados de energia positiva, de força, de combatividade. Traziam aquele espírito de estar representando não só essa geração do movimento estudantil, mas as gerações passadas que sempre lutaram pela reconquista daquele espaço.


 


Depois, fomos conseguindo dar mais condições para o funcionamento do acampamento. As barracas foram organizadas e numeradas, o pessoal se dividiu em comissões de limpeza, comunicação, segurança e alimentação. Muito artistas e políticos foram visitar o terreno. Isso foi dando vida ao espaço, começou a existir uma movimentação cultural naquela ocupação que atraiu a atenção da sociedade e da imprensa carioca. Acho que todas as pessoas que passaram por lá vão ter marcadas na sua história, na sua vida, aqueles dias. Com certeza, são momentos inesquecíveis para aqueles que contribuíram, de uma forma ou de outra, para manter de pé o acampamento. Os anos 80 foram marcados por lutas pela retomada do espaço, os anos 90 também. Agora, nós conseguimos.


 


Houve resistência dos donos do estacionamento clandestino? Em algum momento existiu a possibilidade real de um confronto?
Quando houve a retomada, os antigos invasores entraram com um pedido de liminar na justiça para a reintegração de posse, que foi negado em primeira instância. Lógico que nós enfrentaríamos qualquer tipo de tentativa de reintegração, mesmo que por via judicial. Os estudantes estavam ali preparados, inclusive, para enfrentar a força policial e para resistir a qualquer tentativa de retirada do acampamento. Lembro-me claramente que em uma das nossas assembléias, quando todos foram informados da possibilidade de reintegração, todo mundo, por unanimidade, aprovou a idéia de que deveríamos resistir –, com a ajuda de parlamentares, artistas, moradores–, à tentativa de nos tirar dali.



 


Outras tentativas de retomar o terreno não tiveram sucesso. Algumas ações isoladas, de alguns diretores da UNE e da UEE-RJ, que foram até ameaçados pelo dono do estacionamento.


 


Iniciativas anteriores de retomada do espaço foram reprimidas até mesmo com ameaça de morte por parte do dono do estacionamento clandestino. Vários ex-militantes da UNE chegaram a ir até o terreno e tiveram um revólver apontado para a cabeça, foram ameaçados. Existia um clima pesado sobre esta possibilidade, mas a gente conseguiu ir fechando todo o cerco. O estacionamento já estava interditado do ponto de vista administrativo. Havia grande simpatia de algumas autoridades políticas, personalidades artísticas, da sociedade, da OAB do Rio de Janeiro, dos movimentos sociais, das universidades, dos reitores. Então, a gente acabou tomando a decisão de, na Culturata, derrubar aquele portão que defendia os posseiros ilegais e entrar com tudo, armando o nosso acampamento e recebendo ainda mais apoio dos moradores. Foi um ato ousado e corajoso de todos os estudantes que participaram daquela passeata histórica pelas ruas do Rio de Janeiro.



 


Como está o andamento do processo na justiça?
O processo sobre a reintegração de posse ainda corre na justiça do Rio. Muito provavelmente nas próximas semanas teremos a decisão em 1ª instância e temos a certeza de que nos será positiva. Mas no começo do mês de abril comemoramos uma grande vitória. O Juiz da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Firly Nascimento Filho, julgou improcedente um pedido do Ministério Público Federal pela anulação da doação do imóvel à entidade estudantil, que foi feita pelo então presidente Itamar Franco em 1994. Tratava-se de uma ação civil pública, movida pelo MPF em 2004, sustentada sob o argumento de que o local não era devidamente utilizado de acordo com a finalidade da doação, ou seja, que a sede da UNE não funcionava no espaço. Mas aí nós explicamos o que realmente estava acontecendo e o juiz concedeu uma decisão favorável para a gente.



 


Quais são os próximos passos?
A sede provisória está funcionando, cheia de atividades culturais, garantidas pelo CUCA do Rio. A peça Saltimbancos foi produzida e encenada pelos estudantes acampados e é um sucesso no bairro do Flamengo. O núcleo de cinema está funcionando com muita efervescência, com exibições semanais. A turma está muito inspirada. O pessoal da UEE-RJ e da Ames-RJ estão ocupando diariamente o terreno, promovendo as suas atividades políticas e culturais lá. Mas o nosso grande sonho é a construção da sede definitiva das entidades estudantis, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Nós já temos conversas com a Petrobrás, para a possibilidade de uma parceria, e existe também a possibilidade muito grande de emendas da bancada política do Rio de Janeiro serem destinadas para a reconstrução do prédio. Somando esses dois parceiros, já teríamos condições de construir o nosso prédio.



 


Outro fato que marcou a gestão foi a 5ª Bienal da UNE, que bateu recorde público. Qual a sua avaliação sobre essa retomada do trabalho cultural da entidade?
O que mais representa a nossa força hoje no trabalho cultural é essa rede formada a partir das Bienais. A 5ª edição do festival reuniu 8 mil estudantes, foi recordista em público e trabalhos inscritos. Trouxe um tema super relevante para a cultura do país que são as relações entre o Brasil e a África, a importância da matriz africana na formação cultural brasileira.


 


Acontece que muitos estudantes que queriam participar do movimento estudantil, contribuindo de uma outra forma, não achavam espaço pra isso. A indignação, a revolta com as desigualdades, com a injustiça, muitas vezes, têm no teatro, na música ou nas artes plásticas, um canal importante, em alguns casos mais forte, faz mais eco do que um discurso, um comício ou uma assembléia. O CUCA, que é o Circuito Universitário de Cultura e Arte, foi surgindo assim, a partir desta realidade. Idealizado por este perfil de estudantes. Hoje, o projeto está consolidado em 10 cidades.



 


Reforçando este trabalho cultural, a UNE está construindo um centro cultural na sua sede em São Paulo, na rua Vergueiro. Como vai funcionar esse novo espaço?
Agora no início de junho iremos inaugurar o mais novo espaço cultural de São Paulo, homenageando uma grande personalidade brasileira, o ator Gianfrancesco Guarnieiri, que sempre teve na sua vida artísticas um engajamento muito grande nas questões sociais e políticas. Ele faleceu no ano passado e essa é uma das primeiras homenagens que vai receber. É uma homenagem da UNE a quem sempre fez questão de dizer claramente o que pensava, o que achava e porque lutava.


 


O centro cultural terá o objetivo de ser um local de discussão sobre a necessidade de valorizar a cultura popular, reafirmando a identidade brasileira. Será um espaço aberto, com gestão democrática e participativa. Não será um espaço com aquela preocupação do lucro, vai ser muito mais aberto para novas e ousadas experiências. Quem tem um projeto e tiver interesse , pode contribuir, basta entrar em contato com o CUCA pelo endereço eletrônico: [email protected].


 


Com este novo espaço, finalmente voltaremos a ter uma sede para o CUCA-SP. A prefeitura, em 2005, na época administrada por um ex-presidente da UNE, o José Serra, acabou nos desalojando do teatro na Barra Funda, que nós reformamos. Apostamos todas as nossas fichas no local, que estava completamente abandonado, e depois fomos expulsos de lá. Mas agora vamos revitalizar um espaço que é nosso, que já foi conquistado pelas entidades estudantis há muitos anos aqui na Vila Mariana. Com certeza será uma referência da produção universitária aqui em São Paulo.


 


Quando vai ser inaugurado?
No final de maio vamos dar início às atividades com uma grande festa, contando, inclusive, com a presença dos familiares e amigos do Gianfancesco, que nós iremos convidar para inaugurarmos com chave de outro o centro cultural.


 


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