Quando “Folha” e “O Globo” se fundem num jornal só

Por André Cintra
É bom ver com calma, ou com lupa, para não confundir as capas que Folha de S.Paulo e O Globo levaram aos leitores nesta quinta-feira (10). Numa coincidência constrangedora, os dois jornais escolherem não só o mesmo as

Em entrevista coletiva dada um dia antes, durante o vôo que o trouxe ao Brasil, o pontífice defendeu a excomunhão dos parlamentares mexicanos favoráveis à legalização do aborto. Punições desse tipo, alegou, “não são uma coisa arbitrária, estão previstas no Código” do Direito Canônico. Há muitas formas de abordar a polêmica, mas O Globo e Folha preferiram o jornalismo-padrão.


 


O veículo carioca registrou: “Papa apóia excomunhão de políticos pró-aborto”. Faltou bem pouco para a Folha não brincar de “espelho-espelho-meu”, como lamentou o ombudsman do jornal, Mário Magalhães, em sua crítica diária. A manchete foi “Papa apóia excomunhão dos políticos pró-aborto” – apenas um artigo (duas palavras!) diferentes da chamada de O Globo. Compare abaixo.


 



Capas da Folha e de O Globo em 10 de maio de 2007


 


Para enfatizar as semelhanças entre si, os dois jornais estamparam, em tamanho família, uma fotografia de Silvia Izquierdo, da Associated Press (AP). A imagem, igual nos dois jornais, mostra Bento XVI pisando no solo brasileiro, após desembarcar na base aérea de Guarulhos (SP). É a típica foto que não tem informação jornalística – só simbolismo.


 


Os jornais repercutiram o vexame de forma diferente ao site Comunique-se. “Digamos que foi um momento de inspiração divina”, minimizou Luiz Antônio Novaes, o Mineiro, editor responsável pela capa de O Globo. O ombudsman da Folha discordou: “Coincidências acontecem, mas isso reflete uma mimetização crescente dos jornais. Estão cada vez mais parecidos”, atacou Mário Magalhães.


 


Tudo normal para O Globo


 


Por mais antijornalístico que possa parecer, os títulos gêmeos não incomodaram O Globo. Na opinião de Mineiro, o que ocorreu nesta quinta-feira é “impressionante”, mas se justifica pela suposta isenção da grande mídia: “A escolha das palavras reflete uma preocupação dos dois jornais em não tomar iniciativa”, argumentou em defesa não só de seu veículo – mas da grande imprensa em geral.


 


Comparando as duas capas, o editor de O Globo admite outra proeza: “Até as legendas (da foto) começam de forma igual”. Pior: são típicas legenda para cego, ao “informar” o que as imagens  já mostram claramente: que o primeiro passo do papa foi com o pé esquerdo – um dado tão redundante quanto inútil.


 


Como bem sintetizou o jornalista e acadêmico Luiz Gonzaga Motta, “um dos setores mais arraigados ao pensamento único é o jornalismo liberal que se pratica entre nós, que não cede espaços ao pluralismo de idéias, nem para alternativas políticas ou econômicas”. A novidade, viu-se agora, é a sintonia da linguagem. Até na escolha de palavras está tudo dominado.