Catolicismo se empobrece ao abandonar questões políticas

Nos dois eventos públicos de que participou ontem em São Paulo, o papa Bento 16 criticou a mídia e as igrejas evangélicas e defendeu os valores morais da igreja, atacando o divórcio. O professor de ética e política da Unicamp, Roberto Romano, disse não es

Em seus compromissos no Brasil Bento XVI fez discursos de combate ao aborto, à eutanásia, à mídia e, segundo o professor, ''mostrou que há uma diferença entre a forma ética pregada pelo catolicismo e a exercida na sociedade''.


 


Estado laico


 


Para Romano, o grande problema não se encontra nas palavras do papa, mas na tentativa da Igreja Católica de conseguir a adesão do Estado para as teses religiosas do catolicismo. ''Sabemos de novembro que a igreja tenta chegar num acordo com o governo sobre uma concordata. Em princípio, ela teria as características da concordata entre o Vaticano e Portugal, e seria quase inócua. Mas, esse é o ponto. Alguns analistas se enganam ao atribuir essa falta de gravidade à concordata. Algumas propostas engessariam as formas legais do Estado brasileiro, que é laico''.


 


O professor concorda com a atitude de Lula ao negar-se a firmar um acordo com a igreja dizendo que o Estado é laico e assim continuará. ''É um dever do presidente da República neste momento proclamar essa verdade. Há um juiz no Rio Grande do Sul que prega a retirada dos crucifixos, um distintivo da fé católica dos prédios públicos brasileiros. Isso vem sendo discutido desde a Proclamação da República. Além disso, várias concessões foram feitas a partir de 1988, como o ensino religioso pago pelo Estado, coisa que nem no Império existia. É preciso tomar um pouco de cuidado, mudanças graves começam com pequenos elementos''.


 


Imposições do Vaticano


 


A perspectiva de vida oferecida pela igreja e pelo papa aos seus fiéis, na opinião de Romano, é dura e extremamente exigente. ''A adesão a uma crença é livre, ninguém mais força um grupo a pertencer a uma igreja. Para quem pertence à determinada religião, o correto seria tentar seguir seus mandamentos. Para o catolicismo, o melhor caminho contra a concepção e a AIDS é o celibato. Não é para muitas pessoas. Então você escolhe se quer pertencer à igreja ou não''.


 


 


Do ponto de vista da vida pública a questão não pode ser respondida com tanta simplicidade. ''Existem teólogos, bispos e padres que aconselham os fiéis a usarem esses instrumentos, mas não podem pregar tais idéias em público, dada a proibição de Roma. Isso é um problema sério dentro da Igreja Católica. Até o pontificado de Paulo VI, esses problemas eram discutidos publicamente. Infelizmente, o papa João Paulo II acabou com todo o debate dentro da igreja. Na verdade, o que ocorreu depois dele foi um abafamento do debate livre, resultando numa hierarquia que dita normas e não ouve razões, seja de ordem de saúde, ética ou teológica '', diz o professor.


 


Catolicismo apolítico


 


Romano enxerga um empobrecimento do catolicismo ao centrar seus esforços apenas nas questões morais, excluindo importantes questões políticas. ''A religião católica resume pelo menos 10 mil anos de cultura humana. Os problemas que ela tentou encaminhar e resolver ao longo da história são dos mais amplos, há uma dimensão muito universal do catolicismo. A partir do momento que João Paulo 2° e agora o cardeal Ratzinger reduzem a dimensão ampla e complexa do catolicismo à mera questão moral, temos um encolhimento da experiência espiritual e cultural da religião''.


 


De acordo com o professor, esse posicionamento é mais prejudicial à igreja do que à sociedade. ''Se a igreja não tem essa complexidade de aspectos à oferecer à sociedade, as condições de diálogo com o mundo laico se tornam extremamente restritas. O moralismo é algo que a burguesia do século 19 usava para diminuir a dimensão da fé. O catolicismo sempre se mostrou mais amplo e complexo. Me parece que é uma grande perda, tanto para igreja quanto para a sociedade, essa dimensão altamente moralizante e separada dos outros âmbitos da vida'', conclui.