Revista Fórum: remédio anti-Aids não é produto de beleza

Américo Nunes Neto, presidente do Fórum de ONG/Aids do estado de São Paulo, comenta em entrevista, que o Vermelho reproduz abaixo, a importância do licenciamento compulsório do remédio anti-Aids Elfavirenz, anunciado pelo governo Federal

Segundo Américo, a quebra de patente do medicamento da Merck Sharp&Dohme, reivindicação antiga da sociedade civil, é essencial para sustentabilidade do programa nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (DST/Aids) e para a continuidade da luta pelo acesso universal aos remédios, pelos portadores do HIV/Aids. Américo comenta que é possível que haja retaliações pela indústria farmacêutica, em especial do laboratório responsável pela produção do Efavirenz, quanto a decisão sancionada por Lula.



O Brasil deve formalizar nesta quarta-feira, 9, o pedido para compra de 13,5 mil unidades do genério. A compra será intermediada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A perspectiva é que o país comece a produzir, em breve, sua versão do Efavirenz.



Qual sua opinião, como representante do Fórum de ONG, sobre o licenciamento compulsório?



O licenciamento compulsório era uma bandeira levantada desde outros governos. O movimento de Aids é muito persistente, a sociedade civil faz a diferença, tem força, era só uma questão de tempo, estratégia e oportunidade. De fato, viemos com está proposta há alguns anos, com avanços e retrocessos, mas temos o licenciamento como marco histórico. Estamos muito conscientes de que o problema não se esgota, há novos desafios, novas bandeiras para levantar, mas é uma vitória. A atitude do governo é fruto de muitas mobilizações e pressão do movimento. Com o licenciamento sancionado pelo presidente Lula, a sociedade civil está apoiando o governo, para com estas questões, por conta de que possa estar ou vir a sofrer algum tipo de pressão pelas indústrias farmacêuticas e empresas internacionais.



O que muda para o portador de HIV/Aids?



Em relação às pessoas com HIV/Aids, de uma certa maneira, há uma garantia de sustentabiidade para o programa nacional de DST/Aids. O beneficio maior é o custo financeiro, com economia de aproximadamente de 45 milhões de dólares, que pode ser potencializado para compra de mais medicamentos e também para a produção nacional do Efavirenz.



A indústria farmacêutica americana alega que a quebra de patente ''prejudicará as futuras pesquisas para descoberta de novos medicamentos''. Isso não prejudica o portador?



Na verdade o Brasil investe muito pouco em pesquisa, em especial para questões relacionadas à Aids. Nós, enquanto sociedade civil organizada, temos este tema como segundo processo para nos organizar e para que o governo invista mais em tecnologia. Com os recursos poupados, pode-se investir em pesquisas. Elas seriam uma forma de evitar que aconteça o que se passou no caso do Elfavirenz, em que ficamos isolados. Existem aproximadamente 23 medicamentos para Aids e alguns em protocolo de pesquisa. A proposta é que haja um aporte financeiro maior para o desenvolvimento de estudos. O que não queremos é que a Saúde não seja um comércio até porque medicamento não é produto de beleza. É essencial para a vida, de uma forma geral, e isso não é uma afronta é uma postura política do movimento brasileiro de Aids.



Que outros medicamentos têm possibilidade de licenciamento compulsório?



No momento não estamos discutindo isso. Nossa preocupação maior era com o Efavirenz devido à demanda. Praticamente 70% do aporte financeiro era para esse medicamento. A maioria das pessoas portadores do HIV/Aids fazem uso, por isso a prioridade. Quanto aos outros medicamentos, pode ser que levantemos a bandeira, mas a principio não há nada sinalizado.



O Ministro José Carlos Temporão classificou como “grosseiras e descabidas” as declarações do laboratório norte-americano Merck Sharp & Dohme e alega que o laboratório nunca quis negociar com o governo brasileiro, somente depois do anuncio do licenciamento houve a proposta. Qual a opinião da sociedade civil?


 


Nós vemos isso com muito otimismo. Já foram realizados vários seminários de propriedade intelectual para identificar se o Brasil tem condições de fabricar os medicamentos. Ficou comprovado que sim. Há três documentos de estudos, um deles produzido pelos Médicos Sem Fronteira, que, inclusive, têm participação das indústrias farmacêuticas e laboratórios.


 


Na sua opinião, quais são os pontos do programa nacional de DST/Aids que deveriam receber mais atenção?


 


 


Acesso universal aos medicamentos, essa é nossa agenda prioritária. Por conta da declaração da UNGAS, em que oito países assinaram acordo com metas de acesso universal aos medicamentos para 2010. Claro que estamos prevendo que isso não aconteça e estamos nos mobilizando para que as metas sejam revistas com os devidos planejamentos, para acompanharmos o fluxo financeiro e atingir um resultado mais satisfatório. Falta também fomentar, com aporte maior, as pesquisas e a tecnologia.



E quanto a prevenção?



 


Precisamos identificar novas metodologias para que, de fato, sejam atingidas as pessoas, para que aconteça uma prevenção mais eficiente. O acesso à informação todo mundo tem. Temos necessidade de novas ferramentas. Isso vem sendo pautado em Seminários e Conferências de Aids, melhores estratégias para a prevenção, não só a prevenção como o acesso aos insumos a exemplo do preservativo feminino e o gel lubrificante que nem toda população, de um modo geral, tem acesso.