A Dama de Rapina americana humilha Moscou

A secretária de Estado americana Condoleezza Rice, enviada pelo presidente dos EUA, George W. Bush, a Moscou na última segunda-feira (14), humilhou as autoridades russas ao reiterar que os EUA não permitirão o veto russo a seus planos de construir bases d

Os EUA planejam instalar inicialmente dez mísseis na Polônia e um radar antimíssies na República Tcheca alegando “defender” a Europa — e a si próprios — de uma “possível” ameaça de países como República Popular Democrática da Coréia e Irã. O problema é que esses países não possuem mísseis capazes de atingir o solo europeu nem tecnologia capaz de fabricá-los em menos de 10 anos. O Irã sequer possui tecnologia para fabricar armas atômicas, embora a administração americana insista em que o país procura fabricá-las.



“Os Estados Unidos precisam seguir adiante e usar tecnologia para se defender e faremos isso”, disse Condoleezza a repórteres após uma reunião com o presidente russo, Vladímir Putin.



Condoleezza é formada pela Universidade de Stanford, da Califórnia, e sua tese de mestrado foi centrada na extinta União Soviética. A administração Bush apostou que Condoleezza era a figura certa para dissolver a crescente insatisfação da Rússa, que se vê cada vez mais cercada pelo imperialismo americano ao perder importantes aliados na Europa Oriental, como Ucrânia, Polônia, República Tcheca, Moldávia e Geórgia.



A atual administração Bush vai elevar o orçamento militar do país, em 2008, para mais de 600 bilhões de dólares, algo apontado por analistas americanos como o argumento real para instalar os mísseis na Europa, atendendo demandas do Complexo Militar Industrial americano, que percebe a derrota militar no Iraque como iminente. O orçamento é o maior da história americana desde a administração Reagan.



Ele foi aprovado recentemente pelo Congresso americano e seu valor ultrapassa os US$ 646 bilhões para o ano de 2008. Isso inclui US$ 503 bilhões para o Orçamento básico do Departamento de Defesa (Pentágono) e mais US$ 141,8 bilhões para as ocupações do Iraque e do Afeganistão.



A “dama de rapina” do presidente Bush afirmou em Moscou na terça-feira que não acredita “que ninguém espere que os EUA permitirão um veto de alguma forma aos interesses de segurança americanos”, rebatendo as ameaças de Moscou em vetar a instalação do sistema de mísseis.



Kosovo é outra bofetada



Ainda na terça-feira, a secretária também afirmou que é “impossível” que Kosovo continue sendo parte de Sérvia, em clara oposição ao que defende a Rússia. Os dois países não conseguiram entrar em acordo a respeito do futuro da região sérvia nos encontros de Condoleezza com Serguei Lavrov — ministro das Relações Exteriores — e o presidente Putin.



Kosovo “não será mais parte da Sérvia, é impossível”, disse Condoleeza em entrevista à rádio moscovita Eco. A afirmação colide com o que ela disse um dia antes, ao desembarcar no aeroporto de Cheremetievo, em Moscou: “Não há razão para se falar de nova guerra fria entre Washington e Moscou. Como alguém que vem deste período, como uma especialista, penso, sinceramente, que os paralelismos não têm base alguma”, disse.



Resistência européia é grande



A instalação de mísseis americanos na Europa Oriental é também criticada no resto da Europa. A resistência na Alemanha é grande, tanto dentro da coalizão de governo como nos três grandes partidos de oposição.



“Isto se deve ao fato de que os sistemas de armas iranianos, contra os quais se estaria supostamente defendendo, não existem, em absoluto. E a probabilidade de que existirão é mínima”, sintetiza a vice-líder de bancada do Partido Social Democrata (SPD), Angelica Schwall-Düren.



Em sua opinião, na qualidade de presidente do G8 e do Conselho da União Européia, a Alemanha deveria se empenhar para que a cooperação com a Rússia não se torne mais difícil.



Outros países da União Européia estão igualmente irritados pelo fato de a Polônia e a República Tcheca aceitarem a presença de armas americanas sem qualquer comunicação prévia.



No mês de março, o ministro luxemburguês das Relações Exteriores, Jean Asselborn, classificou os planos de “incompreensíveis”. Na mesma época, o então presidente da França, Jacques Chirac, advertiu para uma “cisão da Europa”.



Em pesquisa realizada na última semana na República Tcheca, 68% dos entrevistados afirmaram que não desejam que o país seja a sede de qualquer sistema de “defesa” americano que venha a colocar a região em risco de guerra nuclear.



Putin: os EUA como Terceiro Reich



Nos últimos meses, Putin fez discursos contundentes em relação ao governo de Washington, denunciando a tentativa americana de desestabilizar o mundo com uma visão unipolar, e de querer reativar a corrida armamentista com o projeto.



Para o professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Nottingham (Reino Unido) Matthew Rendall, “especialista” em União Soviética e em “ética da dissuasão nuclear”, as críticas russas não são infundadas, como querem fazer crer as mídias pró-EUA. “O sistema de defesa que os americanos querem implementar na Europa pode ser desenvolvido no futuro para ser capaz de derrubar mísseis da Rússia”, afirmou ele à Folha Online.



Tratado rasgado e atirado ao lixo



A instalação de mísseis na Polônia e de um radar na República Tcheca, segundo a Rússia, quebra o Tratado sobre as Forças Convencionais na Europa, um dos textos mais importantes para garantir a segurança no continente europeu assinados entre os dois países neste século. A Rússia declarou que não se sentirá mais obrigada a obedecer o texto do acordo caso seja implantado o projeto.



Putin estabeleceu também indiretamente um paralelo entre a política externa de George W. Bush e a de Adolf Hitler, em um discurso na semana passada para comemorar a vitória sobre a Alemanha nazista na Grande Guerra Patriótica.



Em relação aos discursos de Putin e após as reuniões destes dois dias, a Rússia sentiu o golpe: o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, afirmou a repórteres que Putin era favorável “à sugestão americana sobre ser necessário diminuir o tom das declarações nos comunicados públicos e dar mais atenção a questões concretas”.



Mas não houve sinais de que os principais pontos de desavença entre os EUA e a Rússia tenham sido amenizados.