Índios atacam de hip hop no “céu” da Bolívia

Aconteceu na periferia de São Paulo, do Rio e do Recife – e agora acontece também pertinho de La Paz. A música está se tornando uma arma para a luta contra a exclusão social ao lado da cidade mais importante da Bolívia.

Nas comunidades indígenas de El Alto, os jovens estão driblando as dificuldades com o hip hop aimará. “Pegamos o que vem do império para lutar contra o imperialismo”, explicou ao G1 Abraham Bojorquez, de 24 anos, rapper do grupo “Ukamau y Ke” (que significa “É assim, e pronto”) e líder do movimento “Wayna rap” (rap jovem, em aimará).



O grupo compõe canções que falam das tradições indígenas, do sofrimento a que são submetidos e da importância da coca para a cultura loca: tudo em ritmo rap, com batidas eletrônicas e letras em línguas nativa e espanhola. São músicas que fazem crítica ao sistema, e cobram respeito, dignidade.



O aimará, assim como o guarani e o quéchua, é reconhecido como língua oficial da Bolívia, paralelamente ao espanhol. Estima-se que mais de 60% da sociedade boliviana seja de origem indígena, e também chega aos 60% a população que vive abaixo da linha da pobreza no país.



Inspiração brasileira
A inspiração para o hip hop boliviano, segundo Bojorquez, é brasileira, e nem um pouco sociológica. “Ouvi rap pela primeira vez quando passava um tempo em São Paulo, próximo às favelas da zona leste. Achei que poderia usar os elementos internacionais com a cultura aimará, como os brasileiros fazem com o berimbau, ou com o maracatu”, disse.



A mais de 4.000 metros de altitude, onde o ar é rarefeito, El Alto fica nas montanhas que circundam La Paz, e é uma comunidade pobre, formada basicamente por descendentes de indígena. É lá que fica o aeroporto internacional onde aterrissam os vôos brasileiros, por exemplo. “Em casa, nossa primeira língua é o aimará. O espanhol, castelhano, nós falamos na rua, quando descemos a La Paz”, afirma Bojorquez.



Mas nem sempre foi assim, pelo que ele conta. “Há pouco tempo, se alguém daqui fosse para La Paz era chamado pejorativamente de índio, de filho de chola (índia). Hoje, isso mudou.”



Participação ativa
Cerca de 35 jovens estão envolvidos diretamente com a produção do rap indígena. “Usamos este espaço para passar uma mensagem positiva para a nossa comunidade, de integração, de valorizar as culturas originais dessa terra”, diz Bojorquez.



O trabalho começou em 2001 e foi acompanhado por uma série de movimentos de valorização das tradições indígenas que começavam a crescer no pais. O ápice desse movimento foi em 2005, com a eleição um presidente de Evo Morales, um ex-líder sindical cocaleiro que faz questão de ressaltar sua origem indígena Ayma.



“Evo não é um presente para nós, pobres de origem indígena. Ele é um reflexo de uma longa luta”, diz Bojorquez. Segundo ele, a origem popular do presidente não o livra de críticas.



“Nosso trabalho atual é dedicado a criticar Gozalo Sánchez de Lozada, ex-presidente que massacrou nosso povo, mas se Evo entrar no jogo político ele também vai passar a ser tema de nossas críticas”, dizem.



Numa das áreas mais pobres do país mais pobre da América Latina, o movimento do hip hop ainda é um tanto restrito. O grupo “Ukamau y Ke” não tem distribuição de suas músicas pela internet, e grava os discos em La Paz enfrentando sérias dificuldades financeiras. “Gravamos e vendemos para a própria comunidade.” Cada disco custa R$ 12, e as vendas ficam em torno de 500 cópias.



“Estamos aqui para disparar verdades. Somos a voz do povo. Estamos de olho no governante, seja quem for. Não achamamos que ele vá nos salvar. Nosso movimento é que vai nos salvar. Evo Morales é só um reflexo deste movimento, mas ainda temos muito a conquistar”, finaliza o grupo.



Veja abaixo um dos clipes do Wayna Rap:






Fonte: Portal G1