Chico Guil: Os idiotas da “Veja”

A revista perdeu o rumo. Não que tenha saído do trilho que se propôs a trilhar, mas parece que os editores esgotaram sua percepção do ridículo.


 


Por Chico Guil

Você pode estar de olhos arregalados sobre o título desta crônica. Não esmoreça. É apenas uma retribuição previsível a um título publicado em recente edição da revista ameritucana. Segundo o autor, Álvaro Vargas Llosa, todo leitor capaz de encontrar coerência e verdade nas palavras de Noam Chomsky (na foto, considerado por muitos o maior intelectual da atualidade), ou nas linhas do jornal Le Monde Diplomatique, é um idiota. Llosa não perdoa nem mesmo o doce Saramago, que também estaria contribuindo para anuviar a vista dos leitores quando escreve sobre questões políticas.


 


Chomsky e Le Monde costumam maltratar os mercadores da direita. Há anos eles vêm apontando os crimes das nações ricas em favor de grandes grupos econômicos e contra as classes populares. Há décadas batem forte na questão ambiental, e agora todos sabem que eles tinham razão. O mundo e a mídia descobriram isso tão logo o “iminente desastre ambiental” foi considerado um risco para os grandes de Davos.


 


Llosa demonstra de forma irrefutável, como fazem sempre os geniais articulistas de Veja, que a miséria latino-americana deve-se a revolucionários, ou “caudilhos”, como Fidel Castro, Chaves e Morales. (Nesse contexto, para a revista, Ernesto Che Guevara não passou de “um dos mais sanguinários assassinos”). Como se nestas plagas não houvesse reinado, desde Colombo, as mais estranhas e sórdidas formas de ditadura, que qualquer idiota, mesmo os da direita, veriam como governos “de direita”.


 


A revista perdeu o rumo. Não que tenha saído do trilho que se propôs a trilhar, mas parece que os editores esgotaram sua percepção do ridículo. Dias atrás publicaram, no editorial, uma charge extraída de um jornal gaúcho. O desenho mostrava Lula numa banca pedindo “uma revista de sacanagem… a Veja, a revista que só me sacaneia”. E então o editor escreveu sobre o papel social e democrático da publicação, que sempre atacou os governos maus, inclusive o Collor.


 


O editor parece ter esquecido que em 1989 saíram umas dez edições de Veja com o Collor na capa, apontando-o como “Caçador de Marajás”, um jovem cérebro revolucionário, um salvador da pátria! A Globo e a Veja, por medo de Lula, fizeram Collor, e qualquer cidadão com 18 anos ou mais sabe disso.


 


Ganhar, a missão


 


Na última edição da revista, um nobre articulista, que trata sempre de grandes temas, apontou a Guerra do Iraque como um desastre semelhante ao da Guerra do Vietnã. Para dizer isso, citou um dos maiores entendidos em invasões americanas, o jornalista estadunidense David Halberstam: “Demos um soco e ficamos com a mão presa no maior vespeiro do mundo”, teria dito Halberstam.


 


O tal articulista esqueceu de explicar que quatro anos atrás Veja publicou vários artigos escarnecendo o poder defensivo dos iraquianos, contrariando a opinião dos que diziam exatamente o que o famoso articulista diz hoje: que o Iraque iria dar um vareio de pau nos americanos. Numa das capas, apresentou um soldado árabe com o capacete meio caído, o rosto meio cadavérico, com uma arma meio enferrujada. Um sofisticado, bem armado, saudável e imortal “mariner” fazia o papel de fundo, se bem me lembro.


 


O jogo de Veja só tem um objetivo, como todos já sabem, embora alguns ainda não saibam: ganhar. Ganhar dinheiro, muito dinheiro de seus ricos patrocinadores. A máscara de revista democrática já caiu, e os famosos articulistas, disfarçados de pacificadores sociais, estão cada vez mais caindo no descrédito.


 


Em breve assistiremos aos idiotas de Veja caindo fora desse barco furado. Estarão mais humildes e será até possível bater um papo com eles sem levar um insulto. Talvez terão entendido o que Chomsky e o Le Monde vêm apregoando com tanto gosto: “o mundo foi feito para todos. Vamos nos divertir!”, ou coisa que o valha.