Caso RCTV faz lembrar que concessões não são vitalícias

Todo este espaço aberto na mídia brasileira para falar sobre o caso da não renovação da concessão de uma das emissoras da Radio Cararas Televisión (RCTV) é bem sintomático para tentarmos compreender o que se passa atualmente aqui mesmo no Brasil. Seria de

Tanto a decisão do governo venezuelano como as propostas dos ministérios da Justiça e da Saúde estão sendo colocadas no mesmo balaio do atentado à liberdade de expressão e da “volta à censura”. Mas a questão de fundo de ambos os casos é a eterna disputa entre o interesse público e o interesse privado.



No caso da RCTV, o que mais foi dito é que seria fechada a emissora que se opõe ao governo Chávez. Só que a imprensa brasileira, sempre superficial, se “esqueceu” de apurar um pouco mais o histórico da “injustiçada” emissora. Pois, ao que consta, já em 1976, a RCTV foi tirada do ar por três dias por veicular notícias falsas; em 1980 ficou 36 horas fora do ar por causa de sua programação sensacionalista; em 1981, foram 24 horas de penalidade por exibir cenas pornográficas em horário inadequado; em 1989, mais 24 horas fora do ar por ferir a lei ao veicular publicidade de cigarro; e em 1991, teve um de seus programas humorísticos tirado do ar pela Corte Suprema por ridicularizar as pessoas.



Não bastasse todos esses problemas relativos ao conteúdo, há ainda os processos na Justiça por sonegação fiscal entre 1999 e 2003, e por veiculação dos discurso do almirante Molina Tamayo e dos generais Nestor Gonzáles e Guaicaipuro Lameda em favor do golpe militar de 11 de abril de 2002. Ambos os casos: enganar o fisco e incitar o povo a um golpe de Estado, são ações puníveis constitucionalmente em qualquer democracia do mundo; pior ainda se tratando de uma concessão pública como as emissoras de televisão. Vale lembrar que, bem ou mal, Hugo Chávez foi eleito e reeleito nas urnas.



Outro ponto também não divulgado pela imprensa brasileira é que a não renovação da concessão foi apenas de uma das emissoras do grupo 1BC (1 Broadcasting Caracas), que continua operando com suas empresas de rádio, TV a cabo, internet e fonográficas. A falta de informação deve ser pelo fato de recebermos notícias da Venezuela por agências americanas, inglesas e francesas, ou por correspondentes brasileiros em Buenos Aires. Até pela proximidade geográfica, certamente jornalistas de Roraima teriam informações mais confiáveis.



O caso da RCTV não tem nada a ver com censura ou com atentado à liberdade de expressão. Da mesma forma que não é censura, no Brasil, os casos da regulamentação da classificação indicativa e da publicidade de bebidas alcoólicas e alimentos prejudiciais à saúde; todos previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente.



A (de)formação da opinião por parte da mídia em geral é tratada pelo foco das questões ideológicas. Sendo que as empresas de comunicação tentam sempre afirmar seu papel de defensor da democracia; o que de certa forma era válido nos séculos 18 e 19, quando os jornais davam voz àqueles que se opunham aos regimes autoritários. Mas a partir do final do século 19 e início do 20, a imprensa perdeu seu papel de quarto poder para se tornar uma empresa comercial como qualquer outra.



O que está por trás de todo este tempo e espaço destinados ao caso RCTV  maior do que o destinado a muitas outras questões de relevância na América Latina é uma preparação de terreno para a defesa teoria do vale tudo. Assim, em nome da “liberdade de expressão”, pode-se desrespeitar os direitos humanos, invadir privacidade, acusar sem provas, corromper… É a moda da tal “liberdade de expressão comercial”, neologismo criado pelos empresários do setor no Brasil.



No entanto, se o que está escrito na Constituição continua valendo, os canais de rádio e televisão são concessões públicas, devem respeitar as leis do país, e, assim como na Venezuela, e no resto do planeta, as concessões não são vitalícias.  



(*) Edgard Rebouças é jornalista, doutor em Comunicação, professor da Universidade Federal de Pernambuco e membro da coordenação executiva da campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.