Rádio digital: escolha do sistema precisa de mais debate

Jonas Valente, do Grupo Intervozes, alerta que o viés da discussão sobre a rádio digital não pode ter apenas preocupação com a manutenção dos mesmos atores. “Rádio não é um serviço qualquer. É o meio pelo qual a população deveria ter contato com sua própr

Valente, que foi um dos participantes no seminário “Rádio Digital”, promovido pela Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados e pela Rádio Câmara hoje, lembra do importante papel das rádios comunitárias na sociedade. “São as rádios comunitárias e rádios livres que levam informação para essa população”.


O processo de digitalização do espectro radial no Brasil vem sendo acompanhado com preocupação pelas organizações dos movimentos sociais. Principalmente porque se está avançando sem a participação dos variados segmentos da sociedade civil. Apenas do pequeno grupo privado das radiodifusoras. Para Valente, o seminário foi positivo porque possibilitou justamente dar mais visibilidade a essa importante discussão. “É preciso dar projeção ao debate”, avalia Valente.


Sistema norte-americano


O sistema dos Estados Unidos é o preferido pelos radiodifusores privados, em detrimento do japonês e do europeu. Para os empresários do setor, o debate sobre a rádio digital passa pela melhoria da qualidade de transmissão e pelo aumento da audiência e consequentemente de anunciantes. Mas para os diversos segmentos da sociedade civil, o debate é outro: a oportunidade de investimento em um sistema de transmissão nacional e a ameaça à existência das rádios livres e comunitárias que, sem recursos financeiros, não poderão investir nos novos equipamentos.


Os movimentos pressionaram pela ampliação da discussão e conseguiram aumentar o número de vagas para os representantes da sociedade no Conselho Consultivo de Rádio Digital, responsável pelo planejamento da escolha do sistema. Entretanto, ainda não houve a confirmação de quantas serão essas vagas nem o cronograma do processo. “Nós temos poucas informações. Acabei de saber, por exemplo, que em São Paulo as radiodifusoras já compraram mais de cem aparelhos no sistema norte-americano. Eles querem ganhar pela imposição”, avaliou Valente.


O governo brasileiro deve decidir ainda este ano qual sistema de transmissão digital será adotado. Além dos norte-americanos, europeus e japoneses, o Brasil também poderia desenvolver pesquisas sobre o setor e criar uma alternativa nacional para a tecnologia. Esta opção, apoiada pelos movimentos sociais, significaria um investimento num setor monopolizado por grandes oligopólios estrangeiros.


O sistema norte-americano, conhecido como In Band On Channel (Iboc), é de propriedade da empresa Ibiquity que cobra royalties e mantém as mesmas freqüências já em uso pelas emissoras. De acordo com o superintendente de serviços de comunicação de massa da Agência Nacional de Telecomunicações, Ara Minassian, presente ao seminário, cerca de 20 emissoras brasileiras já testam o sistema mas os resultados ainda são insuficientes para que o governo tome uma decisão.


Sem acesso


Minassian antecipou que a agência terá dificuldades em disponibilizar novos canais para a transição digital caso seja esse o sistema escolhido. Além do canal em que a emissora transmite o sinal analógico serão necessários mais quatro canais adjacentes para levar o sinal digital. “Invariavelmente nós vamos ter problemas na hora de implementar a digitalização em todas as capitais. Fatalmente algumas estações terão de ser, se não momentaneamente desligadas, pelo menos submetidas a um controle muito grande do espectro. Se serão usadas as faixas laterais, no efeito cascata teremos o reflexo de um sinal digital em cima do outro”, explicou.


Para o presidente da Associação das Rádios Públicas Brasileiras e diretor da Rádio MEC, Orlando Guilhon, é preciso afastar o foco da questão meramente técnica para que a sociedade participe dessa decisão. Ele criticou o sistema norte-americano de transmissão. “Devemos levar em consideração um conjunto complexo de fatores para tomar essa decisão. Se eu pegar só um fator, o Iboc deve ser rejeitado porque exige o pagamento de R$ 5 mil dólares para uma licença. E que custa de 25 mil a 30 mil dólares para uma emissora de porte médio fazer essa transição. Esse custo inviabiliza o sistema. As rádios comunitárias, públicas, educativas e culturais estão fora desse processo de transição digital”.


A discussão interessa à indústria, aos radiodifusores comerciais, públicos e comunitários e à sociedade em geral. É certo que será necessário trocar os transmissores das cerca de cinco mil emissoras autorizadas, além dos aparelhos de rádio. Existem 200 milhões de receptores no Brasil, entre rádios portáteis, fixos e instalados em carros.


Com a digitalização, haverá uma melhora na qualidade do áudio – a rádio AM terá qualidade de FM, a FM terá som de CD, e será possível transmitir até quatro canais dentro da mesma freqüência. Além disso, com a nova tecnologia, as informações, antes exclusivamente sonoras, passam a ser transmitidas em bits, o que torna possível às emissoras enviar textos e fotos (para aparelhos que tenham visor).


De Brasília,
Mônica Simioni