10 mil nas ruas:Serra recua e comunidade avalia novo decreto

Pela manhã desta quinta-feira (31) o governador José Serra publicou no Diário Oficial um “decreto declamatório” recuando de parte das medidas que atacavam a autonomia das universidades paulistas nos decretos anteriores. O governo tinha expectativa de que

O protesto


 


Ao contrário do que esperava o governador José Serra, após a publicação no Diário Oficial de suas modificações aos decretos que ferem a autonomia das universidades estaduais paulistas, cerca de 10 mil pessoas saíram em passeata do campus Butantã da USP (zona oeste da cidade de SP) no início da tarde desta quinta.


 


Animados, com bandeiras, faixas e cartazes e ao som de tambores, estudantes, professores e funcionários de várias cidades do estado pretendiam chegar ao Palácio Bandeirantes para reivindicar junto ao governador a revogação, e não modificação, imediata de seus cinco decretos.


 


Foram mobilizados, além de estudantes, professores e trabalhadores da USP da capital, 7 ônibus da USP do interior, 12 ônibus da UNESP (de várias cidades), 10 ônibus do Centro Paula Souza e 12 ônibus da Unicamp. Também apoiaram as manifestações de hoje 200 jovens mobilizados pela Educafro, 2 ônibus do MST e 1 ônibus do MTST.


 


Bloqueio


 


A Polícia Militar e a Tropa de Choque foram acionadas para bloquear a manifestação na Avenida Morumbi, na altura da Avenida Professor Francisco Morato, na Zona Sul da de São Paulo, que dá acesso ao Palácio. O bloqueio à manifestação gerou transtornos no trânsito, registrando por volta das 19h um congestionamento de 162 km na Rodovia Raposo Tavares.


 


Ao som de palavras de ordem, como “não a repressão”, estudantes mostraram livros aos policiais, demonstrando que estavam desarmados. Alguns estudantes deitaram no asfalto como protesto a ação do bloqueio.  Um estudante conseguiu furar o cordão da polícia e foi detido, tendo sido liberado posteriormente. Ocorreram pequenos confrontos e a polícia utilizou gás de pimenta para afastar os manifestantes do cordão de isolamento à Avenida.


 


Para o manifestante Gabriel Casone, 23 anos, o bloqueio foi “uma atitude autoritária, que nos lembra a época da ditadura, quando havia restrição ao direito à manifestação”. “Por lei, o Palácio é uma área de segurança pública. Nós não podemos permitir manifestação no local, principalmente a quebra da ordem”, disse, em contrapartida, o coronel da PM Alaor José Gasparoto, responsável pela operação que contou com mais de 400 homens, alguns sem identificação.


 


Negociação


 


Foi autorizada a passagem ao Palácio de uma comissão com 15 representantes da manifestação para negociar, não com governador José Serra ou com os secretários de Educação Superior e Justiça, como pretendiam os representantes, mas sim, com os secretários-adjuntos da Casa Civil, Humberto Rodrigues, e da Justiça, Izaias José de Santana. Também estavam presentes dois deputados do PSOL – Ivan Valente (federal) e Carlos Gianazzi (estadual).


 


Na impossibilidade de falar com Serra, os manifestantes pretendiam garantir o avanço do protesto ao Palácio, porém não obtiveram sucesso. Após cinco horas na expectativa de chegar à sede do governo uma votação informal feita pelos manifestantes decidiu encerrar a manifestação e retornar para o campus Butantã.


 


Logo após a reunião que ocorreu no Palácio, o vice-presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp), Francisco Miraglia, disse que “a primeira questão que discutimos foi a abertura deste aparato policial para a manifestação prosseguir, mas a resposta foi negativa”. Além do pedido de revogação dos decretos, Miraglia disse que reivindicações dos professores também foram apresentadas, como a questão de reajuste salarial.


 


Enquanto acontecia a reunião dos manifestantes com representantes do governo no Palácio, o secretário de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey, reiterou pela segunda vez nesta semana de que não haverá mais negociações com os estudantes sem que ocorra a desocupação da reitoria da USP. “Enquanto tiver ocupação não tem mais conversa”, disse Marrey no Palácio dos Bandeirantes.


 


O novo decreto


 


O “decreto declamatório”, instrumento utilizado pela primeira vez na história do Estado de São Paulo, do governador José Serra não alterou de todo os ataques contidos em seus decretos anteriores à autonomia das universidades, mas reviu alguns aspectos importantes.


 


Foram alterados o decreto 51.461 de 1º de janeiro, o Decreto 51.471 de 2 de janeiro, o Decreto de nº 51.660 de 14 de março e o Decreto de nº 51.473, de 2 de janeiro.


 


Serra não mexeu em dois dos cinco decretos criticados, são eles o Decreto n.º 51.636 de 9 de março, que vincula a execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil das universidades ao Sistema Integrado de Administração Financeira de Estados e Municípios (Siafem), e o Decreto n.º 51.460 de 1.º de janeiro, que modifica nome e atribuições de secretarias e cria a secretaria de Ensino Superior.


 


As medidas do governador foram executadas, segundo ele, a pedido dos reitores das universidades paulistas. Embora o secretário de Ensino Superior, Aristodemo Pinotti negue publicamente, o fato simboliza o recuo dos setores, liderados pelo governador e reitores, que afirmavam que os decretos não feriam autonomia das universidades.    


 


Limites do novo decreto


 


Embora as mudanças nos decretos sejam importantes, elas não representam a garantia do retorno da autonomia universitária conquistada em 1.989.


 


Ao manter a fragmentação do sistema de educação pública estadual com a educação básica na secretaria de Educação, as estaduais paulistas na secretaria de Ensino Superior – anteriormente vinculadas a extinta secretaria de Ciência e Tecnologia (C&T) – e o ensino técnico – anteriormente vinculado Á Unesp – e a Fapesp – anteriormente vinculada a secretaria de C&T – na secretaria de Desenvolvimento o governo revela ausência de projeto para o conjunto do sistema educacional e mantém a interferência de Aristodemo Pinotti, secretário de Ensino Superior, na autonomia didático-científica das universidades estaduais.


 


Interferência esta reforçada com a manutenção do Decreto nº 51.636 que engessa e subordina a gestão orçamentária e financeira das estaduais paulistas ao Executivo, por intermédio do Siafem e fere a prerrogativa constitucional da autonomia universitária garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal.


 


No entanto, se ocorreram mudanças positivas, ainda que não suficientes, para as estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp), nada mudou para os professores da educação básica do Estado, para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e as Fatec’s que continuarão amargando as dramáticas conseqüências dos decretos, agora publicamente reconhecidas por Serra.


 


Repercussão



 


Os estudantes que ocupam a reitoria da USP há um mês lançaram duas notas manifestando-se sobre o novo decreto de Serra. Na primeira nota os estudantes declararam que “o movimento compreende que o referido decreto, publicado hoje (31), dia do ato em defesa da universidade pública, acena o início de um processo de diálogo e negociação do Governo do Estado de São Paulo, representado pelo atual governador José Serra, com o movimento grevista”.


 


A segunda nota, mais longa e dissertativa, procura desvendar os avanços e limites do novo decreto. No parágrafo conclusivo a nota diz “não se trata de falar em vitórias, pois uma ameaça mortífera paira sobre todas as autarquias e fundações públicas.(…) Mas no que tange à autonomia, ao menos externamente, os ataques retraíram.”


 


Também o Conselho de Reitores das Universidades Paulistas (Cruesp) se manifestou sobre o novo decreto. Segundo o reitor da Unicamp e atual presidente do Cruesp, José Tadeu Jorge, ''o novo decreto esclarece em definitivo pontos importantes que ainda vinham causando controvérsia na comunidade das três universidades. O Cruesp interpreta o decreto como um compromisso público do governo do Estado de que será preservada em sua plenitude a autonomia das universidades estaduais paulistas, que hoje respondem por mais de 50% da pesquisa do país e pela metade de sua pós-graduação''.


 


A Adusp considerou as modificações como fruto da pressão do movimento anti-decretos. “A revisão foi um avanço considerável, fruto da força do movimento, mas precisa ser discutida mais profundamente”, disse Miraglia.


 


“Isto (revisão do Serra) é apenas uma manobra para tentar esvaziar nosso movimento”, disse um estudante da Unicamp que protestava nesta quinta. Os ocupantes da reitoria da USP farão uma assembléia nesta sexta-feira (1º de junho), às 18h, para decidirem se diante do novo Decreto e a negativa de continuar as negociações explicitadas pelo secretário de Justiça se manterão ou não a ocupação.


 


Sobre a greve que se estende as universidades estaduais paulistas, as entidades que organizavam a manifestação informaram que não existe um balanço geral de quantos funcionários e professores estão paralisados. Na USP, dos 15 mil funcionários, 75% aderiram à greve, segundo o sindicato. Na Unicamp, são cerca de 20% dos 7, 3 mil trabalhadores.


 


Por Carla Santos,


com informações de agências


 


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