Após 10 anos de Roland Garros, Brasil não vê legado de Guga

Uma década depois de Gustavo Kuerten conquistar seu primeiro título em Roland Garros, o tênis brasileiro não tem o que comemorar. Enquanto o catarinense, que não programou nada de especial para hoje (8), seguirá treinando em Camboriú (SC), a comunidade do

Atletas, dirigentes e os principais personagens do mercado nacional do tênis são unânimes na avaliação: dez anos depois de o cabeludo surfista do saibro colocar o Brasil no mapa da modalidade, o legado para o tênis nacional é quase nulo.



“É um pouco frustrante ver que praticamente nada foi feito. O esporte em si se popularizou, surgiram muitos projetos, mas não houve um desenvolvimento de um programa qualificado”, lamenta Guga, que nesse período ganhou outros dois títulos no Aberto da França e foi número um do mundo.



O diagnóstico de que o efeito Guga foi uma onda que passou sem deixar rastros permeia a elite do esporte, a prática amadora nas academias e as lojas de material esportivo. O período ficou marcado pela pior crise política do tênis nacional. Alegando discordar do trabalho de desenvolvimento no país, os principais tenistas do país, liderados por Guga, boicotaram a Copa Davis, o que levou o país à terceira divisão do torneio. O boicote só acabou com a saída de Nelson Nastás da CBT (Confederação Brasileira de Tênis), no fim de 2004.



“O Guga deu um grande impulso ao tênis, mas também o destruiu ao boicotar a Davis. Puseram na cabeça dele que não estava sendo feito nada”, afirma Nastás. “Mas o trabalho de estrutura e base foi feito.”



Resultados pífios


Se foi feito, não está dando resultado. Entre os profissionais, o Brasil não conta atualmente sequer com um top 100, e o último título relevante na ATP foi em setembro de 2004.



“O fenômeno Guga gravou como tatuagem, mas não existe continuidade”, diz Carlos Gonçalves, vice-presidente da federação paulista. A entidade tinha entre 4.500 e 5.000 filiados ativos em 1996, foi a 7.000, e agora voltou ao patamar pré-Guga.



O surgimento do ídolo provocou uma euforia que aqueceu o mercado no início. Mas sem consolidar seu crescimento. “O sucesso do Guga foi acompanhado por um “boom” de novas academias. Hoje, muitas fecham as portas. Com a concorrência das quadras que se espalham por condomínios, talvez o mercado esteja pior do que antes de 97″, diz Glauco Pereira, coordenador técnico da rede de academias Play Tennis, uma das mais antigas do país.



O mercado de raquetes confirma a análise. Paulo de Tarso, diretor-geral da Head Brasil, conta que a empresa deixou de abrir uma fábrica em Manaus. “Tínhamos estudo para fabricar para toda a América Latina no Brasil. Com a queda do mercado, ficou inviável. A Head decidiu fabricar na China.”



Em 2001, ano que começou com Guga como número 1 do mundo, foram vendidas 200 mil raquetes. Em 2006, 130 mil.



Nora Vallejos, presidente da Wilson no Brasil, conta que houve uma migração de tenistas amadores inicialmente motivados pelo efeito Guga. “Na época, muitos garotos de 14, 15 anos começaram inspirados em Guga. Esse consumidor, hoje com 25 anos, passou para outros esportes, como corrida de rua e corrida de aventura.”



“A gente é responsável por esses dez anos em que não foi feito nada”, afirma o atual presidente da CBT, Jorge Lacerda da Rosa, citando dirigentes, treinadores, jogadores e mídia.



“Brasileiro é acomodado”



Não é só a falta de estrutura a responsável pela escassez de brasileiros na elite do tênis mundial. A população argentina representa cerca de 20% da brasileira, mas o contingente de atletas daquele país entre os melhores é muito superior ao registrado pelo Brasil.



Enquanto o tenista brasileiro mais bem colocado no ranking da ATP é Flávio Saretta (128º), a Argentina conta com 13 jogadores entre os cem melhores. Dirigentes, técnicos e os próprios jogadores dizem que a diferença de resultados tem explicações.



“Isso é da própria cultura do argentino”, diz Guga. “Para mim, é natural que eles tenham mostrado essa evolução. O brasileiro é muito mais acomodado.”



Para o presidente da CBT, Jorge Lacerda da Rosa, é preciso mudar a mentalidade do brasileiro. “É uma questão cultural. O argentino passa, se precisar, seis, sete meses na Europa. Já os brasileiros ficam dois e já querem voltar para casa.”



Nelson Nastás, seu adversário político, tem a mesma opinião. “A mentalidade deles é outra. Dormem embaixo da ponte se precisar. Os brasileiros ficam reclamando de hotel, de treinamento, de tudo.”



O próprio Saretta fala que os vizinhos jogam de forma diferente. “Temos que aprender olhando para eles. Eles têm, principalmente, uma garra que muitos de nós não têm.” Além disso, as atividades foram centralizadas em Buenos Aires, onde os principais jogadores se encontram para treinar.



“Ajuda muito na integração entre jogadores e técnicos. Todos acabam trabalhando juntos, e a renovação é natural”, diz o capitão brasileiro na Copa Davis, Francisco Costa.



No Brasil, os tenistas preferem treinar em seus locais de origem. “Existe uma certa relutância em sair de casa”, afirma Ricardo Acioly, ex-capitão na Davis.



Fonte: Folha de S.Paulo