Pascoal Carneiro: “O simbolismo da greve na CSN”

A vitória da recente greve dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um acontecimento que vale mais pelo simbolismo que encerra do que por qualquer outra coisa.


 


Por Pascoal Carneiro*

Depois de um longo e tenebroso inverno, os metalúrgicos da CSN retomaram as rédeas do seu sindicato e mostraram que o período de autoritarismo não conseguiu destruir o espírito combativo da categoria. A greve dos metalúrgicos da CSN, que começou no final de maio, terminou na manhã do dia 6 de junho, resultou em reajuste salarial de 1,5%, INPC (3,44%), abono salarial de R$ 2 mil, intervalo de uma hora para refeição e repouso para quem faz turno, que será implantado no prazo mínimo de quatro meses e no máximo seis meses, e desjejum gratuito. Com o acordo para intervalo de uma hora para quem faz turno, a empresa terá que contratar mais 400 trabalhadores. A CSN também se comprometeu a não punir os trabalhadores.


 


Segundo o presidente do sindicato, Renato Soares, a greve foi vitoriosa principalmente porque ela representou uma luta que o sindicato pelego há 17 anos não fazia. “Enfrentamos uma empresa poderosa, que contratou policiais para fazer a segurança, ameaçando até as mulheres dos trabalhadores. Depois de oito meses de mandato, os companheiros terão uma nova visão do Sindicato, bem diferente daquele que fazia as outras campanhas salariais”, disse ele.


 


Desdobramento da encruzilhada


 


Volta Redonda foi símbolo, no início dos anos 90, de uma acirrada disputa que refletia o papel dos dois partidos existentes há muito tempo no Brasil — o do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que defende o país, e o de Joaquim Silvério dos Reis, definição brilhante formulada pelo ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Barbosa Lima Sobrinho.


 


Em 1993, quando a gangue do martelo, instituída pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, atingiu a CSN, o sindicato da categoria já estava envolvido no processo de cooptação que marcou a primeira fase do Programa Nacional de Desestatização (PND). As privatizações foram o centro dos enfrentamentos entre as forças da transformação e da reação. Era o desdobramento da encruzilhada para a qual o país foi conduzido após a crise que levou ao fim da ditadura militar. Vivemos, na segunda metade da década de 80, um cenário marcado ao mesmo tempo pelo desejo da maioria dos brasileiros de progredir e pela reação das forças do conservadorismo.


 


Moderna indústria nacional


 


Era visível que se em 1989 não fosse eleito um governo comprometido com um desenvolvimento independente, que abrisse clareiras para o progresso efetivo, o país submergiria na degradação econômica, política e social. Essa previsão, confirmada pelos governos de Collor e de Fernando Henrique Cardoso (FHC), era decorrência de uma lógica econômica em essência progressista que permeou o século XX, sustentada basicamente por grandes investimentos estatais.


 


Daí o simbolismo que a privatização da CSN adquiriu. A empresa, que começou a operar em Volta Redonda em 1946, foi a primeira grande e moderna indústria nacional — a fornecedora brasileira do aço que alguns anos mais tarde estaria em fogões, carros e geladeiras. A partir de então, o Estado investiu pesado na indústria energética, na siderurgia, na mineração e em transportes. No começo dos anos 90, mais de dois terços da extração de minério de ferro e sua fundição eram feitas por empresas estatais.


 


Morte de três operários


 


Toda essa concentração de riquezas foi transferida para mãos privadas, por meio de um intrincado sistema de relações empresariais sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do país. Em muitos casos, as privatizações contaram com a inestimável colaboração de um setor do sindicalismo. Foi o caso da CSN. De 1983 a 1992, o sindicato local foi filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). A primeira greve na empresa ocorreu em 1984 — em seus primeiros 45 anos de existência, nunca a CSN havia enfrentado uma paralisação.


 


Era o início de uma fase de combatividade, que teria como auge a morte de três operários, assassinados pelo Exército, na greve de 1988. Em 1989, o sindicato foi disputado por três chapas — uma delas encabeçada por Luiz Albano, personagem que seria a principal base de apoio dos privatistas entre os trabalhadores da CSN, e apoiada pela Central geral dos Trabalhadores (CGT). A formação da direção obedeceu à proporcionalidade de cada chapa, critério que deu aos cutistas 85,42% na nova diretoria. Habilmente, a chapa de Luiz Albano não defendeu explicitamente a privatização. Mas assim que Collor tomou posse seu papel naquela composição apareceu claramente.


 


Conquista plena do sindicato


 


Quando Collor nomeou o presidente da empresa, Roberto Procópio Lima Neto — que mais tarde seria deputado federal pelo PFL —, com o objetivo explícito de privatizá-la, Luiz Albano e Luiz de Oliveira Ramos, o Luizinho, começaram a liderar uma “dissidência” no sindicato. Em 1990, a CSN anunciou a demissão de 4 mil trabalhadores diretos, fato que provocou uma greve considerada a mais longa da história da empresa. A CSN não cedeu e a queda-de-braço resultou na demissão de 12 dirigentes sindicais. A campanha de difamação do sindicato se intensificou e a “dissidência” — à época conhecida como “formigueiro — de Luiz Albano foi convocada para ser a base de operação dos privatistas entre os trabalhadores.


 


O primeiro passo dos pelegos foi a formulação da estratégia para a conquista plena do sindicato. Primeiro, nove delegados sindicais se filiaram à Força Sindical — a nova central nascida das entranhas da CGT. Depois, negociaram um acordo coletivo à margem da entidade sindical, intermediado e homologado pela Confederação dos Metalúrgicos, com apoio da Força Sindical. “Resolvi ir à luta e comecei a conversar diretamente com os empregados”, disse Lima Neto. Seu apoio ao grupo de Luiz Albano era explícito. “Estamos agora em período de eleições sindicais e tenho esperança de que o empregado dê muito valor ao seu voto porque meu desejo é lidar com um sindicato sério”, disse ele.


 


Controvertidas eleições


 


Na eleição de 1992, contribuíram decisivamente para a vitória da Força Sindical os mecanismos repressivos empregados pela direção da CSN, tais como ameaças de demissões e de não concessão de reajustes em caso de derrota da “Chapa Quatro”, liderada por Luizinho. Aos mecanismos coercitivos foram acrescentados outros, como promessas de vantagens e intensa propaganda. A vitória daquela chapa era condição básica para a privatização da CSN. O sindicato então aliou-se ao governo e empunhou a bandeira da privatização.


 


Depois da privatização, a empresa cortou o quadro de pessoal de 25 mil para cerca de 9.800. Mesmo assim, Luizinho foi reeleito em 1995, mas, devido a problemas de saúde de sua esposa, ele não chega a cumprir integralmente seu segundo mandato, afastando-se um ano antes do término, em 1997. A entidade foi assumida pelo então vice-presidente Carlos Henrique Perrut, que consolidou sua posição sendo eleito presidente do sindicato em 1998 e reeleito em nas controvertidas eleições seguintes.



Retomada da combatividade


 


Em novembro de 2004, após denúncias realizadas por integrantes da oposição sindical ligada à CUT, Perrut e o diretor financeiro do sindicato foram afastados dos seus cargos. Com o apoio da maioria dos diretores, Luizinho reassumiu o sindicato e instaurou a sindicância interna que revelaria meses depois um desvio de mais de R$ 5,5 milhões. A partir de então, se instaurou em Volta Redonda uma verdadeira batalha envolvendo ações e outras medidas judiciais que fizeram a direção do sindicato ser alternada entre Luizinho e Perrut mais duas vezes.


 


Apesar de a expulsão de Perrut ter sido aprovada em assembléia pelos trabalhadores, Luizinho foi definitivamente afastado da presidência por uma decisão judicial. Ao reassumir o cargo, isolado, Perrut anunciou imediatamente a desfiliação do sindicato da Força Sindical. A despeito das posições contrárias de outros militantes cutistas, a entidade voltou a se filiar à CUT e atualmente é dirigida majoritariamente pela Corrente Sindical Classista (CSC). E chegamos à greve recente, que demonstra a retomada da combatividade da categoria — um acontecimento que deve ser saudado como um importante marco do sindicalismo combativo brasileiro. 


 


*Pascoal Carneiro é diretor executivo da CUT e membro da coordenação nacional da CSC